Em São Bernardo do Campo (SP), lugar
onde se conheceram, no final de 1973 – casariam apenas sete meses depois, em
maio do ano seguinte –, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva despediu-se
na tarde de hoje (4) de sua mulher, Marisa Letícia, em um lotado salão do
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, palco de inúmeras assembleias. Agradeceu o
carinho recebido, chorou diversas vezes e também cobrou desculpas por parte de
quem a perseguiu com “leviandades”, usando o termo “facínoras”.
“Minha vida não seria um décimo do que é
se não fosse este sindicato. Aqui eu aprendi a falar, aqui eu perdi o medo do
microfone. Eu não esqueço os acontecimentos deste salão. Aqui eu conheci a
Marisa.”
“Aqui a Marisa sustentou a barra para
que eu me transformasse no que eu sou”, disse Lula, emocionado. “Ela
praticamente criou os filhos sozinha...”, acrescentou, interrompendo a fala.
“Na verdade, ela foi mãe, pai, filha, foi avó, foi tudo.”
A presidenta Dilma Rousseff,
governadores, ex-ministros, representantes de diversos partidos e de movimentos
sociais e muitos antigos companheiros de Lula estiveram desde cedo na sede do
sindicato. O velório foi aberto ao público às 10h, após um momento reservado
para a família. Até as 15h, aproximadamente, a fila vinha do térreo até o
terceiro andar do prédio. Lula permaneceu três horas em pé, ao lado do caixão,
até sair para uma área mais retirada, ao lado. A cerimônia terminou às 15h30.
O corpo seria levado para o cemitério
Jardim da Colina, também em São Bernardo, para ser cremado, em cerimônia
reservada à família.
O discurso do ex-presidente não estava
previsto. Ele falou após as manifestações de dom Angélico Sândalo Bernardino –
que há dois dias administrou o sacramento dos enfermos –, do bispo da Diocese
de Santo André, dom Pedro Carlos Cipollini, e do padre Júlio Lancelotti, da
Pastoral do Povo de Rua. Foram evitados discursos políticos, mas dom Angélico
fez referências às reformas trabalhistas e da Previdência Social, para que não
sejam “contra os trabalhadores, contra os pobres”. E pediu a Lula que descanse
a partir de amanhã, “pois o Brasil vai precisar muito de você”.
“A Marisa Letícia está viva. Foi uma
guerreira na luta a favor da classe trabalhadora. Ela está dizendo ao povo para
continuar mobilizado na rua”, acrescentou o bispo, citando trechos do bíblico
Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os que têm sede e fome de justiça, serão
saciados”. “Quem ama é imortal. Quem ama não morre jamais. Marisa sempre”,
exclamou padre Júlio. As milhares de pessoas rezaram o Pai-Nosso, depois de
gritos de “Lula, guerreiro do povo brasileiro”, “Marisa, guerreira da pátria brasileira”.
Lula lembrou de quando conheceu Marisa e
disse que o casamento é “o maior exercício de democracia” que existe,
acrescentando que eles nunca brigaram. “Ela certamente vai encontrar figuras
extraordinárias lá em cima”, afirmou, citando dona Regina, mãe da
ex-primeira-dama, usando o chamativo familiar “Regineta”.
Também enfatizou o papel político de
Marisa ao seu lado, como companheira e conselheira. “No fundo, ela era mais do
que uma ministra. Ela tinha muito mais importância que os ministros. Ela dizia
‘não esqueça nunca de onde você veio e para onde você vai voltar’”, lembrou.
E recordou de uma passagem no Palácio da
Alvorada, residência presidencial, quando a então primeira-dama começou a rir
sem parar. Ela explicou depois, ainda rindo, que provavelmente os funcionários
da cozinha nunca imaginariam que teriam um presidente da República e uma
primeira-dama pedindo para cozinhar “pé de frango”. Segundo ele, era uma
“galeguinha que parecia frágil, mas quando ficava brava botava medo”.
Olhando para a companheira, disse que
iria agradecer por toda a vida. Contou ter ele mesmo escolhido o vestido,
vermelho. “A gente não tinha medo de vermelho quando era vivo, não tem medo de
vermelho quando morre”, falou, sob aplausos. Também pôs a tradicional
estrelinha do PT no vestido: “Eu tenho orgulho”.
Dizendo esperar que os “facínoras”
tenham a humildade de pedir desculpas, repetiu ter a consciência tranquila e se
emocionou mais uma vez na despedida:
“Marisa, descanse em paz, que o seu
Lulinha paz e amor vai continuar para brigar por você...”.
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