Direito à informação morre ao chegar à ONU
A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) tem em mãos uma proposta que há dez anos circula pelos corredores do fórum mundial: a lei de liberdade de informação, um direito outorgado aos jornalistas dentro de uma imensa burocracia que se protege. O irônico é que quase cem países, todos membros da ONU, aprovaram leis nacionais que de alguma forma reconhecem o direito à informação, mas não parecem ser muito favoráveis a estendê-lo ao corpo de imprensa dessa organização.
Thalif Deen, da IPS
A Lei de Liberdade de Informação (Foia) dos Estados Unidos, de 1967, que garante à cidadania e à imprensa o direito de solicitar acesso a registros de agências federais, é considerada uma norma que “mantém os cidadãos informados sobre seu governo”. As agências federais são obrigadas a cumprir e entregar a informação solicitada, a menos que o pedido caia em uma das nove exceções que protegem a privacidade pessoal, a segurança nacional e as forças de segurança.
Na Austrália, a lei é conhecida com Right2Know, e, no Canadá, a Lei de Acesso à Informação entrou em vigor em 1983. Além disso, em Bangladesh, o Centro de Recursos sobre o Direito à Informação oferece o necessário para quem faz uma solicitação às agências governamentais. No Japão, o Centro da Cidadania para a Divulgação de Informação ajuda quem deseja apresentar um pedido desse tipo. E, na Índia, o Direito à Informação: Portal da Cidadania tem essa mesma finalidade.
No Quênia, a Lei de Acesso à Informação foi adotada em agosto de 2016, segundo o canadense Centro para o Direito e a Democracia (CLD). E, com a aprovação de uma lei semelhante no Sri Lanka, uma das mais fortes dos últimos tempos, todos os países da Ásia meridional, menos Butão, contam com leis que protegem o direito à informação. Os países dessa região têm normas fortes, salvo o Paquistão, segundo a classificação realizada pelo CLD. Além disso, informa que a Lei de Liberdade de Imprensa da Suécia, aprovada em 1766, é considerada “a mais antiga do mundo”.
O ex-secretário-geral adjunto da ONU, Samir Sanbar, que dirigiu o Departamento de Informação Pública (DPI), responsável pela entrega de credenciais aos meios de comunicação e por conseguir escritórios para os jornalistas setoristas nas Nações Unidas, afirmou à IPS que o direito à informação é uma parte integral dos princípios da organização e está incluído na Carta.
Mas o gozo desse direito, mesmo no tocante à informação básica de domínio público, encontra obstáculos, tanto da parte dos Estados membros como da própria burocracia da ONU, lamentou Sanbar. Para ele, a implantação desse principio é difícil, tanto por impedimentos de funcionários públicos de governos, como de autoridades da Secretaria das Nações Unidas.
Os que creem que a informação é poder duvidavam porque entendiam que estavam compartilhando sua autoridade com o público, explicou Sanbar, que trabalhou nos mandatos de cinco secretários-gerais diferentes e é autor de Inside the U.N. in a Leaderless World (Dentro da ONU em um Mundo sem Liderança). “Ficou evidente, quando lancei o indiscutível site www.un.org, vários subsecretários-gerais e representantes permanentes me alertaram sobre “contar a todo o mundo o que acontecia no sistema da ONU e se negaram a autorizar fundos”, recordou.
“Precisei criar uma equipe de voluntários do DPI, que funcionava com o orçamento existente, para avançar e finalmente oferecer computadores emprestados por uma fonte externa, para que determinadas delegações se dessem conta de que, para elas, era mais conveniente ter acesso a novos comunicados do que precisar mandar alguém de seu pessoal buscar o material no terceiro andar”, acrescentou o ex-secretário-geral adjunto. No final, todos se uniram e agora todos concordam que é um dos dez melhores sites oficiais.
Segundo Sanbar, “tivemos uma dificuldade similar na Assembleia Geral, de 193 membros, para que declarasse o Dia Mundial da Imprensa”. E pontuou que “parece que, mesmo aqueles que têm as melhores intenções, pois os delegados representam os governos que consideram a liberdade de imprensa com cautela, costumam temer trazer à tona um assunto que poderia ser vulnerável”.
O jornalista investigativo Matthew Lee, que trabalha na ONU e acompanha o tema há mais de dez anos, disse que trava uma batalha perdida. “Quando cheguei às Nações Unidas, em 2005, notei que não havia Foia”, recordou. “Após várias consultas, consegui que o então subsecretário de administração, Christopher Burnham, me dissesse que veria o caso. Mas se foi. Assim, pedi à sua substituta, Alicia Bárcena, que me disse que trabalharia para isso, mas nunca o fez”, contou.
A Secretaria da ONU continua responsabilizando a Assembleia Geral pela falta de avanços, mas poderia adotar sua própria política, por exemplo, revelando quem paga as viagens do secretário-geral. O porta-voz da ONU, Farhan Haq, respondeu que “o secretário-geral é favorável à ideia de transparência. Mas é um assunto dos Estados membros”.
Por sua vez, Barbara Crossette, ex-chefe do escritório do jornal The New York Times na ONU, acredita que “há razão para sermos céticos sobre conseguir algo assim por meio da Assembleia Geral. Ou mesmo que o Conselho de Segurança coopere se lhe for pedida informação”. Muita gente que trabalhou no DPI diz que a Assembleia Geral, e em particular o Comitê Assessor para Questões Administrativas e Orçamentárias, não gosta de promover o intercâmbio de informação, mesmo no contexto atual, e assume que não há países suficientes que apoiem a ideia de garantir o direito de acesso a informação, afirmou à IPS.
“Uma Foia seria uma benção para possíveis espiões. E me pergunto como seria redigida do ponto de vista legal. Seria interessante saber se espaços como Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional têm essas políticas”, ponderou a jornalista, editora colaboradora e redatora da PassBlue, uma publicação na internet dedicada à ONU. A equipe do novo secretário-geral, António Guterres, “deve supor que precisa escrever uma nova política de comunicação para a ONU, e torná-la mais aberta e efetiva em seu alcance. Mas não sei se isso inclui os jornalistas”, acrescentou.
Há pouco Crossette escreveu, no PassBlue, que o DPI está totalmente de mãos atadas por sua direção, segundo reconhecem os funcionários. E o diretor ou a diretora do escritório, com status de subsecretário-geral, não é escolhido por sua capacidade em matéria jornalística e de mídia, mas por designação política de alguém com pouca ou nenhuma experiência no setor. E acrescentou que a pessoa designada conta com um orçamento apertado, por isso sem os recursos necessários.
Sri Lanka
O editor chefe do jornal Sunday Times, do Sri Lanka, Sinha Ratnatunga, informou à IPS que a lei de direito à informação foi aprovada em junho, promulgada em agosto e entrará em vigor no dia 4 de fevereiro, Dia da Independência do país. “Mas há uma disposição para ‘escalonar’ sua implantação se o governo não estiver pronto. Seja como for, a lei deve estar em vigor até 4 de agosto (um ano depois de sua promulgação), esteja o governo pronto ou não”, acrescentou.
“A redação da lei demorou mais de 12 anos, mas ainda resta um processo mais difícil, que é educar o país sobre as possibilidades que oferece”, pontuou Ratnatunga, vice-presidente do Instituto da Imprensa do Sri Lanka e membro da direção da Associação Mundial de Jornais e Editores (WAN-IFRA). “Com sorte, a mídia desempenhará o papel de fofoqueira, mas cada vez menos repórteres estão interessados no jornalismo de investigação. Será preciso esperar e ver se todos os problemas que a lei acarretou valeram a pena”, acrescentou. Envolverde/IPS
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