A PEDAGOGIA DOS
MÉDICOS CUBANOS
Emir Sader
As médicas cubanas parecem empregadas domésticas.” A afirmação, a mais
expressiva da onda de expressões de intolerância e de discriminação racista,
feita por uma jornalista brasileira de direita, representa, sem perceber, o
mais significativo elogio de Cuba.
Diante das necessidades de atendimento médico da população, o governo
brasileiro, depois de convocar a médicos brasileiros a ocupar os postos nas
regiões do país com mais necessidades e menor atenção, fez um convênio com o
governo de Cuba para trazer ao Brasil a profissionais de saúde do país que inquestionavelmente
tem uma das melhores, senão a melhor medicina social do mundo. Os
extraordinários índices de saúde da população cubana – da mortalidade infantil
à expectativa de vida ao nascer -, ainda mais pelo nível de desenvolvimento
econômico do pais, confirmam essa avaliação.
Esse convênio, que poderia passar simplesmente como um a mais entre
tantos outros assinados entre o Brasil e Cuba, gerou uma onda de reações que
propiciam um diagnóstico social de uma e de outra sociedade, inédito e de uma
profundidade inesperada. Começando pelos
próprios médicos brasileiros, na sua grande maioria formados em universidades
públicas – as melhores do país -, mas que não são obrigados a entregar
praticamente nenhuma contrapartida à sociedade que os formou, de forma gratuita.
Frequentemente concluem seus cursos e abrem consultórios nos bairros melhor
situados das grandes cidades brasleiras, para atender a uma clientela de grande
poder aquisitivo.
Como resultado, o mapa das
doenças do país e a localização dos médicos costuma ser brutalmente
desencontrado, praticamente oposto: onde estão as doenças, não estão os
médicos; onde estão os médicos, não estão as doenças.
Mesmo assim, depois de se negar a atender a população mais pobre – a
grande maioria – tentaram impedir que o governo brasileiro trouxesse médicos de
fora do pais – de outros países, alem de Cuba – para atender à população.
Fizeram manifestações, criaram situações de constrangimento para os médicos
cubanos na sua chegada, anunciaram que fariam campanhas contra a reeleição da
Dilma, acreditando dispor de autoridade política com seus pacientes.
A declaração com que começa este artigo se insere nesse cenário de
elitismo e de falta de sensibilidade social de médicos brasileiros. A frase,
que pretende desqualificar a médicas cubanas, porque no lugar da imagem do
médico homem, branco, com fisionomia dos doutores dos filmes de Hollywood, são
pessoas nascidas no meio do povo cubano, se revela como um imenso elogio da
sociedade cubana e em uma crítica da brasileira. Mulhres de origem humilde, que
no Brasil seria empregadas domésticas, em Cuba é normal que possam se formar
como médicas e expressar sua solidariedade com outros povos, necessitados dos
profissionais que Cuba consegue formar em excesso para as necessidades do seu
país.
Essa reversão do sentido da frase se deu também no plano mais geral da
sociedade brasileira que, confundida no começo, muito rapidamente reagiu de
forma muito positiva, com mais de 80% apoiano a vinda dos médicos cubanos ao
Brasil. Pelas necessidades que passaram a ser atendidas por esses médicos,
assim como também pela atenção que imediatamente começaram a receber setores
populares muito amplos do Brasil, até ali sem nenhuma assistência ou com
atenção médica absolutamente precária. Cidades que nunca tinham tido a presença
de médicos, em que a população tinha que se deslocar quilômetros de distância
para ter uma assistência esporádica, começam a conhecer um direito essencial à
atenção médica direta e permanente, graças aos médicos cubanos.
É um programa de saúde pública, mas que encerra em si mesmo uma lição,
uma pedagogia política de grande evidência – que é o que mais incomoda à
direita brasileira. Pessoal formado em universidades públicas – e em Cuba todas
o são – tem que atender prioritariamente as necessidades fundamentais do seu
povo, que além de tudo paga os impostos que financiam as universidades
públicas, mas que, via de regra, não
pode ter seus filhos com acesso a essas mesmas universidades – mais ainda aos
cursos de medicina.
O Brasil está avançando como
nunca na sua história no combate à desigualdade, à pobreza e à miséria, mas não
encontra ainda correspondência nas estruturas educacionais que formam os
profissionais de medicina. Daí o apoio de Cuba – que a Dilma agradeceu a Fidel,
por ocasião da recente reunião da Celac
em Havana, quando se inaugurou a primeira parte do porto de Mariel, que o
Brasil constrói na Ilha, colaborando com a ruptura do bloqueio imposto pelos
EUA.
Os médicos cubanos são melhores que grande parte dos médicos que o
Brasil tem hoje porque – além da sua excelente formação profissional -, são
melhores cidadãos, formados por uma sociedade orientada não pela medicina
mercantil, mas pelas necessidades reais da população. A vinda dos médicos
cubanos permite, como nenhum manual de educação política, esclarecer princípios
das sociedades capitalistas – voltadas para os valores de troca – e das
sociedades socialistas – voltadas para os valores de uso. Uma atendendo
demandas do mercado, a outra, as necessidades das pessoas.
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