28/2/2014, [*] Nikolai
Bobkin, Strategic Culture
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Casa Branca por Matteo Bertelli |
A
Casa Branca resolveu que a Ucrânia entrará num período de transição, embora não
se saiba para onde, exatamente, caminha o país. O presidente Obama prometeu
cooperar com todos os partidos, sem ter sequer ideia do que, exatamente, estava
dizendo.
Não
se sabe, sequer, quem ganhou e quem perdeu, por efeito da intervenção
norte-americana, mas o massacre pelo qual está passando a Ucrânia permite dizer
que já é estado não existente. Os EUA não podem se mostrar distantes dos eventos
na Ucrânia, mas tampouco têm meios para agir sozinhos.
Os
EUA sabem como desestabilizar outros países, mas, como agora, gostariam muito de
contar com a ajuda de Moscou para acertar as coisas na Ucrânia...
Washington
nunca pensou na Ucrânia, quando o país vivia em calma, pelo menos jamais
manifestou qualquer interesse em desenvolver laços bilaterais. Os EUA estão no
décimo lugar, na lista dos maiores investidores na economia da Ucrânia, com
estoque de apenas 1 bilhão de dólares. Nunca se dedicaram a conhecer os
interesses do parceiro.
Centenas de pessoas
em New Brunswick protestaram entre 26/10 e 5/1/2013 contra a extração de gás de xisto (shale gas) a mesma coisa que os EUA pretendem fazer na Ucrânia |
Os
EUA promovem a produção não tradicional de gás, nos depósitos ocidentais pouco
lucrativos, onde a população não está inclinada a apoiar a “amizade do xisto” com os
EUA [1]. Nenhum
projeto de investimento em outro setor de energia existe e nada há que vise a
aumentar as trocas comerciais. As trocas, aliás, são mínimas: as exportações dos
EUA para a Ucrânia não passam dos 200 milhões de dólares, e as exportações
ucranianas para os EUA mal chegam a $60-70 milhões.
Diferente
disso, os laços entre Ucrânia e Rússia são muito mais próximos; de fato, não há
comparação possível. O comércio entre Rússia e Ucrânia ultrapassa 40 bilhões de
dólares; a Rússia é o principal mercado para a Ucrânia (aproximadamente 10
bilhões de dólares).
Quando
Yanukovich chegou ao poder em 2010, os EUA concentraram seus esforços em
desenvolver alguma cooperação no campo da não proliferação nuclear; as partes
concordaram que a Ucrânia não teria urânio altamente enriquecido. Os EUA
prometeram ajuda na descontaminação do território afetado pelo desastre nuclear
de Chernobyl. Essa ajuda jamais chegou. Já faz muito tempo que os EUA vêm
substituindo dinheiro por promessas, em ouvidos sempre prontos a acreditar em
palavras ocas.
Os
cérebros da política exterior de EUA e Grã-Bretanha, John Kerry e William Hague,
jamais discutiram qualquer ajuda urgente à Ucrânia, em nada que se parecesse a
alguma reunião especial. No máximo, trocaram ideias sobre o tema, quando se
cruzaram nos corredores da Conferência sobre Abusos Sexuais e Conflitos Armados
que se realizou em Washington (?).
William Hague (E) e John Kerry (D) |
O
Secretário do Exterior da Grã-Bretanha disse que os novos líderes políticos em
Kiev ainda teriam de comprovar que seriam capazes de implementar reformas e
combater a corrupção. Hague acredita que, assim, melhorarão as chances de o país
obter ajuda financeira da comunidade internacional. Quer dizer, portanto, que é
outra vez, como sempre, chantagem e queda-de-braço, dessa vez aplicadas contra
gente que depositou suas esperanças na ajuda ocidental. A única coisa sobre a
qual não há dúvida alguma é que não haverá dinheiro dos EUA para a
Ucrânia.
Do
ponto de vista dos EUA, Yanukovich nunca foi o pior presidente da Ucrânia. Foi
derrubado por golpe, movimento que anda ao arrepio dos princípios
norte-americanos de respeito à lei e à democracia.
Os
norte-americanos perguntam-se o que Obama faria se seus adversários se armassem
e se pusessem a lançar coquetéis molotov contra o Capitólio, invadissem a Casa
Branca e quebrassem as vidraças do Salão Oval? O presidente dos EUA aceitaria
calmamente que o Congresso, de repente, lhe tirasse todos os seus poderes e o
demitisse, sem aviso prévio e sem nenhum dos procedimentos que a lei exige para
demitir o presidente, e em momento em que agitações e o caos tomassem conta do
país?
Barack Obama |
Norte-americanos
sérios e respeitadores da lei absolutamente não entendem como é possível que
Obama tenha dito a Yanukovich que tirasse as forças de segurança das ruas,
quando havia combate nas ruas de Kiev e já havia mortos. Como é
possível?
Para
muitos, nos EUA, a reação de Obama foi, de fato, de incitamento ao golpe e à
violência. Na verdade, o governo dos EUA emitiu uma licença para matar, e é
responsável por dúzias de vidas humanas perdidas em Kiev. Vergonha, para os
EUA.
O
fato de que Obama tentou esconder-se por trás de funcionários nomeados por ele e
que trabalham para ele e fugiu de qualquer encontro direto com Yanukovich, não é
desculpa para suas ações. A política dos EUA para a Ucrânia foi entregue nas
mãos do vice-presidente Joe Biden naqueles dias críticos. Foi Biden quem falou
NOVE VEZES com Yanukovich pelo telefone... Agora, é o secretário de Estado John
Kerry que se põe a falar sobre a Ucrânia do modo mais absurdo e confuso,
tentando encobrir o estúpido fracasso da diplomacia dos EUA.
Sergey Lavrov, Ministro das Relações Exteriores da Rússia |
Falando
sobre os eventos, Kerry diz que não é “jogo de soma zero”. Ora essa! Em jogo de
soma zero, o vencedor ganha tudo que o perdedor perca. O ministro de Relações
Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, observou que Kerry tinha dificuldades com
números, quando falou sobre a Ucrânia na Conferência de Munique. O secretário de
Estado disse que Kiev teria de escolher entre o mundo todo e um único país.
Agora, o mesmo secretário de Estado já começou a falar de “trabalhar em conjunto
com a Rússia”.
A
Casa Branca expôs seu apoio à integridade territorial da Ucrânia. Já começou a
enfatizar, até, a importância da participação da Rússia no gerenciamento da
crise. O Secretário do Exterior da Grã-Bretanha William Hague admitiu que seria
importante que a Ucrânia cooperasse com ambos: com a Rússia e com a União
Europeia.
Sim,
mas... A questão importante não é o que eles pensem. A questão importante é se a
Rússia quer cooperar com o novo regime em Kiev.
Moscou
condena resoluta e veementemente o crescimento de sentimentos neonazistas e
neofascistas na parte ocidental da Ucrânia, as ideias de proibir o idioma russo,
de converter os falantes de russo em “não cidadãos”, de limitar a liberdade de
expressão e de extinguir todos os partidos políticos não prestigiados pelo novo
regime. Washington precisa entender também que os líderes da Praça Maidan, que
juraram fidelidade a valores europeus, lá estavam em flagrante violação de
normas fundamentais da Constituição da União Europeia, relacionadas ao modo de
tratar nacionalidades minoritárias, inclusive minorias que falem seus próprios
idiomas.
Zbigniew Brzezinski |
Nesse
contexto, as predições de Zbigniew Brzezinski, essa semana,
no Financial Times, de
que a maioria dos ucranianos converter-se-ão em inimigos da Rússia soam, só,
como piada macabra de russófobo decrépito. Essa semana, Zbigniew Brzezinski
recomendou explicitamente a finlandização da Ucrânia. [2] Implica respeito
mútuo, amplos laços econômicos com Rússia e com a União Europeia, não
alinhamento com nenhuma das alianças militares que a Rússia vê como hostis.
Assim, a cooperação entre Rússia e Europa faria progressos. Em resumo
a finlandização está sendo
oferecida como padrão de relações entre Ucrânia, União Europeia e Rússia. Ok,
mas... Que conversa é essa?!
Não
foi a Rússia, mas a União Europeia, quem disse que a Ucrânia teria de escolher
entre a Europa e a Rússia. Foi o ultimatum lançado pela União
Europeia, que Yanukovich teve de enfrentar. O presidente Putin da Rússia só fez
perguntar por que, afinal, a Ucrânia teria de escolher, fosse o que fosse.
Segundo ele, Moscou estava pronta para ajudar e a impedir o colapso da Ucrânia,
unindo esforços com o ocidente. A ajuda poderia vir na forma de um pacote de
ajuda tripartite. Washington e Bruxelas recusaram.
A eles, portanto, não à Rússia, é que Brzezinski
deve dar suas lições de finlandização. Moscou jamais esqueceu que os
ucranianos são nação-irmã – a Rússia e a Ucrânia são duas partes de uma mesma
civilização.
Por
isso, exatamente, o ocidente jamais inclui a Ucrânia na lista de seus aliados
incondicionais.
Notas
dos tradutores
[1] P. ex.;
5/12/2013, NB MEDIA
CO-OP, Najat Abdou-McFarland em: “View from the Longhouse:
hundreds unite in peace and friendship against shale
gas”
[2] 24/2/2014,
Zbigniew Brzezinski, em: Russia needs a “Finland option”
for Ukraine [A Rússia precisa de uma “opção Finlândia”
para a Ucrânia], Financial
Times (só para assinantes) .
Excertos:
Os
EUA podem e devem fazer saber claramente ao Sr. Putin que os EUA estão
preparados para usar sua influência para garantir que uma Ucrânia
verdadeiramente independente e territorialmente íntegra trabalhará a favor de
políticas para a Rússia semelhantes às efetivamente praticadas pela Finlândia:
relações respeitosas de vizinhança, com amplas relações econômicas com a Rússia
e com a União Europeia; nenhuma participação em qualquer aliança que Moscou
considere como dirigida contra ela, mas expandindo sua conectividade
europeia.
[Essa finlandização da Ucrânia
seria necessária, para Brzezinski, porque]
A
Rússia ainda pode lançar a Ucrânia numa destrutiva e internacionalmente perigosa
guerra civil. Pode induzir e depois apoiar a secessão na Crimeia e em algumas
partes industrializadas do leste do país
O
artigo de onde foi tirada a frase acima: “The Finlandization of
Ukraine?” não nos
interessou, porque, se Brzezinski escreve como perfeito doido russófobo senil, o
autor do artigo escreve como doido-de-repetição, ainda mais
atrasado-atrasante.
__________________
[*] Nikolay Bobkin é Ph.D. em
Ciências Militares, professor associado e pesquisador sênior no Center for Military-Political
Studies, Institute of the U.S.A. &
Canada. Colaborador especialista na revista online New Eastern
Outlook. Escreve habitualmente para
diversos sites e blogs tais como: Strategic Culture, Troubled Kashmir, Make Pakistan Better e muitos outros.
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