ESTADOS UNIDOS PREPARAM CERCO À VENEZUELA
Mark Wisbrot
Em 10 de março, a Casa Branca deu mais um passo rumo ao teatro do absurdo, ao declarar “emergência nacional com respeito à incomum e extraordinária ameaça à segurança nacional e à política exterior dos EUA que se manifesta na situação na Venezuela” – como o presidente Obama escreveu em carta que enviou ao presidente do Congresso, John Boehner.
Falta ver se alguém, do valente corpo de jornalistas que cobre a Casa Branca, terá coragem de perguntar o que, afinal, o chefe do executivo da nação mais poderosa do universo pensou que estivesse dizendo na tal carta. O quê?! Estará a Venezuela financiando iminente ataque de terroristas contra os EUA? Planeja invadir território norte-americano? Está construindo bomba atômica?
A quem essa gente pensa que engana? Alguns alegaram que o linguajar tinha de ser esse, porque é o que a lei dos EUA exige, para impor a mais recente rodada de sanções contra a Venezuela. Mas não melhora coisa alguma alegar, como se fosse defesa, que a lei norte-americana autoriza o presidente a dizer mentiras à vontade, para contornar o que não queira confessar.
Foi precisamente o que fez o presidente Ronald Reagan em 1985, quando fez declaração semelhante para impor sanções – inclusive um embargo econômico – contra a Nicarágua.
Como Obama em 2015, Reagan também tentava derrubar governo eleito que não agradava a Washington. Conseguiu usar violência paramilitar e terrorista, além de um embargo, no esforço bem-sucedido para destruir a economia da Nicarágua e, afinal, derrubar o governo do país. (Em 2007, os sandinistas voltaram ao poder e são hoje o partido governante.) O mundo andou adiante. Washington, não.
A Venezuela conta hoje com o forte apoio dos países vizinhos contra o que praticamente todos os governos na América Latina veem como tentativa do governo Obama para desestabilizar o país.
“A Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribe (CELAC) reitera seu forte repúdio à aplicação de medidas unilaterais coercitivas que violentam a lei internacional” – lia-se na declaração assinada por todos os países do hemisfério, exceto EUA e Canadá, em 11/2. Respondiam às sanções que os EUA haviam imposto à Venezuela, sancionadas por Obama em dezembro passado.
Alguém leu alguma coisa sobre isso na imprensa-empresa em língua inglesa? Provavelmente, também nada se leu sobre a imediata reação do presidente da União de Nações Sul-americanas ao golpe da Casa Branca, em 10/3: “A UNASUL rejeita qualquer tentativa externa ou interna de interferência que busque qualquer violência contra o processo democrático na Venezuela.”
Washington já esteve envolvida na tentativa de golpe militar, rapidamente derrotada em 2002, na Venezuela; deu “treinamento, construção de instituição e outros apoios a indivíduos e organizações que se sabia estarem ativamente envolvidos no golpe” contra o presidente Hugo Chávez (golpe que durou apenas algumas horas) – segundo o Departamento de Estado dos EUA.
Os EUA não mudaram sua política para a Venezuela depois daquilo e continuaram a financiar grupos de oposição naquele país. Assim sendo, nada mais normal do que todos que conheçam essa história recente e conheçam o conflito entre EUA e América Latina também no golpe militar de 2009 em Honduras, imediatamente concluam que, sim, Washington está novamente envolvida em golpismos para derrubar governo democraticamente eleito.
O governo da Venezuela já exibiu provas perfeitamente aceitáveis de que há um golpe em marcha no país: a gravação de um ex-vice-ministro do interior lendo o que obviamente é um comunicado a ser lançado depois que os militares derrubassem o atual governo; confissões de oficiais militares acusados; e uma conversa telefônica gravada entre chefes da oposição que admitem que há um golpe em preparação.
Independente de que se considerem suficientes essas provas, não surpreende que os governos regionais tenham-se dado por convencidos. Praticamente há 15 anos, sem interrupção, veem-se esforços para derrubar o governo democraticamente eleito da Venezuela. Por que seria diferente agora, quando a economia está em recessão e houve tentativa para derrubar o governo venezuelano ainda no ano passado?
Aliás… alguém alguma vez ouviu falar de tentativa de golpe para derrubar governo democrático, independente e progressista na América Latina, na qual Washington não estivesse metida? Pergunto por que? Nunca.
A grande imprensa-empresa norte-americana e internacional fez grande alarde em torno do começo da normalização de relações entre EUA e Cuba. Mas entre os governos latino-americanos, qualquer traço de credibilidade que aquele movimento do governo de Obama talvez tivesse, acaba de ser radicalmente desmentido pela violenta agressão contra a Venezuela.
Duvido que alguém encontre um presidente, presidenta, ministro ou ministra de Relações Exteriores na região, que acredite que as sanções impostas à Venezuela teriam algo a ver com direitos humanos ou democracia. Absolutamente não têm.
Considerem por exemplo o México, onde militantes dos direitos humanos e jornalistas são regularmente assassinados; ou a Colômbia, estado líder há anos no número de sindicalistas assassinados. Nada sequer comparável a esses pesadelos de violação a direitos humanos jamais aconteceu na Venezuela em 16 anos de governos do presidente Chávez e do presidente Nicolás Maduro. E, apesar disso, México e Colômbia são os principais recebedores de ajuda dos EUA na região, incluindo financiamento para militares e policiais e para comprar armas.
O governo Obama está mais isolado hoje, na América Latina, que, até, o governo de George W. Bush. Por causa do abismo profundo que separa a grande imprensa-empresa internacional e o pensamento de governos regionais, nada disso é óbvio para os que não sejam dedicados estudiosos das relações hemisféricas.
Veja-se, por exemplo, quem são os autores da legislação que impôs sanções contra a Venezuela, em dezembro: os senadores Robert Menendez (que está prestes a ser indiciado criminalmente por corrupção ativa de funcionário público) e o senador republicano da Flórida Marco Rubio, ambos ardentes defensores do embargo contra Cuba. Pois o governo Obama anunciou, com orgulho – e sem vergonha – que as novas sanções “vão além do que essa legislação exige”.
Washington mostra, frente à América Latina, a face do extremismo. Apesar de algumas mudanças em algumas áreas da política exterior (por exemplo, a abertura de Obama em relação ao Irã), a face do extremismo norte-americano não mudou em nada, desde os dias em que Reagan “alertava” o país de que os sandinistas nicaraguenses estavam “a apenas dois dias de viagem, de carro, de Harlingen, Texas.” Foi ridicularizado por Garry Trudeau em “Doonesbury” e por outros chargistas.
A Casa Branca de Obama, Reagan reduz, merece o mesmo tratamento.
www.brasildefato.com.br 25/03/2015
Mark Wisbrot
Em 10 de março, a Casa Branca deu mais um passo rumo ao teatro do absurdo, ao declarar “emergência nacional com respeito à incomum e extraordinária ameaça à segurança nacional e à política exterior dos EUA que se manifesta na situação na Venezuela” – como o presidente Obama escreveu em carta que enviou ao presidente do Congresso, John Boehner.
Falta ver se alguém, do valente corpo de jornalistas que cobre a Casa Branca, terá coragem de perguntar o que, afinal, o chefe do executivo da nação mais poderosa do universo pensou que estivesse dizendo na tal carta. O quê?! Estará a Venezuela financiando iminente ataque de terroristas contra os EUA? Planeja invadir território norte-americano? Está construindo bomba atômica?
A quem essa gente pensa que engana? Alguns alegaram que o linguajar tinha de ser esse, porque é o que a lei dos EUA exige, para impor a mais recente rodada de sanções contra a Venezuela. Mas não melhora coisa alguma alegar, como se fosse defesa, que a lei norte-americana autoriza o presidente a dizer mentiras à vontade, para contornar o que não queira confessar.
Foi precisamente o que fez o presidente Ronald Reagan em 1985, quando fez declaração semelhante para impor sanções – inclusive um embargo econômico – contra a Nicarágua.
Como Obama em 2015, Reagan também tentava derrubar governo eleito que não agradava a Washington. Conseguiu usar violência paramilitar e terrorista, além de um embargo, no esforço bem-sucedido para destruir a economia da Nicarágua e, afinal, derrubar o governo do país. (Em 2007, os sandinistas voltaram ao poder e são hoje o partido governante.) O mundo andou adiante. Washington, não.
A Venezuela conta hoje com o forte apoio dos países vizinhos contra o que praticamente todos os governos na América Latina veem como tentativa do governo Obama para desestabilizar o país.
“A Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribe (CELAC) reitera seu forte repúdio à aplicação de medidas unilaterais coercitivas que violentam a lei internacional” – lia-se na declaração assinada por todos os países do hemisfério, exceto EUA e Canadá, em 11/2. Respondiam às sanções que os EUA haviam imposto à Venezuela, sancionadas por Obama em dezembro passado.
Alguém leu alguma coisa sobre isso na imprensa-empresa em língua inglesa? Provavelmente, também nada se leu sobre a imediata reação do presidente da União de Nações Sul-americanas ao golpe da Casa Branca, em 10/3: “A UNASUL rejeita qualquer tentativa externa ou interna de interferência que busque qualquer violência contra o processo democrático na Venezuela.”
Washington já esteve envolvida na tentativa de golpe militar, rapidamente derrotada em 2002, na Venezuela; deu “treinamento, construção de instituição e outros apoios a indivíduos e organizações que se sabia estarem ativamente envolvidos no golpe” contra o presidente Hugo Chávez (golpe que durou apenas algumas horas) – segundo o Departamento de Estado dos EUA.
Os EUA não mudaram sua política para a Venezuela depois daquilo e continuaram a financiar grupos de oposição naquele país. Assim sendo, nada mais normal do que todos que conheçam essa história recente e conheçam o conflito entre EUA e América Latina também no golpe militar de 2009 em Honduras, imediatamente concluam que, sim, Washington está novamente envolvida em golpismos para derrubar governo democraticamente eleito.
O governo da Venezuela já exibiu provas perfeitamente aceitáveis de que há um golpe em marcha no país: a gravação de um ex-vice-ministro do interior lendo o que obviamente é um comunicado a ser lançado depois que os militares derrubassem o atual governo; confissões de oficiais militares acusados; e uma conversa telefônica gravada entre chefes da oposição que admitem que há um golpe em preparação.
Independente de que se considerem suficientes essas provas, não surpreende que os governos regionais tenham-se dado por convencidos. Praticamente há 15 anos, sem interrupção, veem-se esforços para derrubar o governo democraticamente eleito da Venezuela. Por que seria diferente agora, quando a economia está em recessão e houve tentativa para derrubar o governo venezuelano ainda no ano passado?
Aliás… alguém alguma vez ouviu falar de tentativa de golpe para derrubar governo democrático, independente e progressista na América Latina, na qual Washington não estivesse metida? Pergunto por que? Nunca.
A grande imprensa-empresa norte-americana e internacional fez grande alarde em torno do começo da normalização de relações entre EUA e Cuba. Mas entre os governos latino-americanos, qualquer traço de credibilidade que aquele movimento do governo de Obama talvez tivesse, acaba de ser radicalmente desmentido pela violenta agressão contra a Venezuela.
Duvido que alguém encontre um presidente, presidenta, ministro ou ministra de Relações Exteriores na região, que acredite que as sanções impostas à Venezuela teriam algo a ver com direitos humanos ou democracia. Absolutamente não têm.
Considerem por exemplo o México, onde militantes dos direitos humanos e jornalistas são regularmente assassinados; ou a Colômbia, estado líder há anos no número de sindicalistas assassinados. Nada sequer comparável a esses pesadelos de violação a direitos humanos jamais aconteceu na Venezuela em 16 anos de governos do presidente Chávez e do presidente Nicolás Maduro. E, apesar disso, México e Colômbia são os principais recebedores de ajuda dos EUA na região, incluindo financiamento para militares e policiais e para comprar armas.
O governo Obama está mais isolado hoje, na América Latina, que, até, o governo de George W. Bush. Por causa do abismo profundo que separa a grande imprensa-empresa internacional e o pensamento de governos regionais, nada disso é óbvio para os que não sejam dedicados estudiosos das relações hemisféricas.
Veja-se, por exemplo, quem são os autores da legislação que impôs sanções contra a Venezuela, em dezembro: os senadores Robert Menendez (que está prestes a ser indiciado criminalmente por corrupção ativa de funcionário público) e o senador republicano da Flórida Marco Rubio, ambos ardentes defensores do embargo contra Cuba. Pois o governo Obama anunciou, com orgulho – e sem vergonha – que as novas sanções “vão além do que essa legislação exige”.
Washington mostra, frente à América Latina, a face do extremismo. Apesar de algumas mudanças em algumas áreas da política exterior (por exemplo, a abertura de Obama em relação ao Irã), a face do extremismo norte-americano não mudou em nada, desde os dias em que Reagan “alertava” o país de que os sandinistas nicaraguenses estavam “a apenas dois dias de viagem, de carro, de Harlingen, Texas.” Foi ridicularizado por Garry Trudeau em “Doonesbury” e por outros chargistas.
A Casa Branca de Obama, Reagan reduz, merece o mesmo tratamento.
www.brasildefato.com.br 25/03/2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário