Washington
mostra preocupação com Pequim
Walden Bello
Os EUA temem que o novo banco de desenvolvimento chinês rivalize com o
Banco Mundial enquanto fonte de financiamento do desenvolvimento na Ásia.
"Com amigos assim, quem precisa de inimigos?" – devem
cochichar entre si os estrategistas de Washington desde que os governos da
Inglaterra, França, Itália e Alemanha anunciaram a adesão ao novo Banco de
desenvolvimento criado por Pequim.
A raiva em Washington só deve ter aumentado quando seus principais aliados
do Pacífico, Japão, Austrália e Coreia do Sul, também deram fortes indícios de
que embarcariam na locomotiva. Até o final de março, espera-se que mais de 35
países tenham aderido ao Banco Asiático de Infraestrutura e Investimento (Asian
Infrastructure Investment Bank – AIIB) na condição de membros fundadores.
A China se comprometeu com o aporte de 50 bilhões de dólares dos 100
bilhões de dólares da meta de capitalização inicial do Banco.
Washington teme que o novo banco rivalize com o Banco Mundial e o Banco
Asiático de Desenvolvimento como fontes de financiamento do desenvolvimento na
região. As preocupações de Washington são pertinentes. Apesar dos esforços do
presidente do Banco Mundial Jim Yong Kim para mudar a imagem do Banco, a
percepção geral que se tem da instituição é que esta cumpre as prioridades de
Washington. Já o Banco Asiático de Desenvolvimento (Asian Development Bank –
ADB), controlado pelo Japão, é visto como submisso ao Banco Mundial, da mesma
forma que, em linhas gerais, Tóquio segue os passos de Washington na política
externa.
Mais uma iniciativa multilateral de Pequim
A fundação do AIIP é a terceira grande iniciativa, em menos de um ano,
em que a China está envolvida para estabelecer alternativas multilaterais ao
Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Em julho passado, a
Cúpula dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), realizada em
Fortaleza, foi fundamental para a criação do Novo Banco de Desenvolvimento. A
China e seus parceiros contribuiriam com 100 bilhões de dólares para a
capitalização inicial da instituição. No mesmo encontro, China e parceiros do
BRICS também estabeleceram o Arranjo Contingente de Reservas, uma alternativa
evidente ao FMI de ajuda aos membros do BRICS e, eventualmente, a outros países
em desenvolvimento em crise de balanço de pagamentos.
A desaprovação de Washington em ver seus aliados tradicionais se juntar
ao AIIP não conseguiu superar as desvantagens em não serem parceiros de Pequim
na nova empreitada. Empresas de construção e fornecedores promovidos por
governos não parceiros teriam muito menos chances de ganhar as centenas de
bilhões de dólares em licitações para projetos de infraestrutura financiados
pelo AIIP. Para economias enfraquecidas como as da Grã-Bretanha, França e
Japão, não era possível considerar a possibilidade de ficar de fora da disputa
por contratos suculentos em um período de estagnação mundial. O ministro do
Tesouro australiano Joe Hockey foi sincero sobre como os benefícios derivados
da relação com a China superam os tradicionais laços de amizade com Washington:
"Os Estados Unidos compreendem que este banco vai operar em nossa região,
vai contratar empreiteiros aqui. Queremos que o banco traga oportunidades para
os empreiteiros australianos e trabalho para os australianos".
Hegemonia gera insatisfação
Para muitos analistas, Washington e seus aliados ocidentais só podem
culpar a si mesmos pelo impulso cada vez mais assertivo da China em criar novas
instituições multilaterais. De acordo com o New York Times, a recusa do
Congresso dos Estados Unidos em aprovar uma legislação que garantisse mais
direitos de voto no FMI e no Banco Mundial após a crise financeira asiática
levou ao desencanto de Pequim com as duas instituições, muitas vezes chamadas
de “gêmeas de Bretton Woods”. Os Estados Unidos e 15 países desenvolvidos
controlam 52% dos direitos de voto no FMI, com 48% pulverizados entre os 168
outros países membros. A China, hoje a maior economia do mundo, tem apenas 3,8%
de poder de voto, menor do que as partes do Reino Unido, França, Alemanha ou
Japão. O Brasil, a Coreia do Sul e o México têm, cada um, menos poder de voto
do que a Bélgica. Apesar de muitos protestos dos BRICS e de outras economias em
desenvolvimento, houve apenas um acréscimo de 6% de seu poder de voto nos
últimos 20 anos. As proporções e tendências têm sido bem parecidas no Banco
Mundial.
Os EUA e os europeus também se agarram firmemente ao que tem sido
caracterizado como suas prerrogativas "feudais" de dar a presidência
a um cidadão norte-americano, no caso do Banco Mundial, e a direção gerencial a
um europeu, no caso do FMI. Com aproximadamente 17% do poder de votos em ambas
as instituições, os EUA também exercem poder de veto sobre decisões políticas
fundamentais.
Políticas ineficazes
Mas, tanto ou mais que a questão dos direitos de voto, poder de veto ou
prerrogativas feudais, as políticas implementadas tiveram um papel importante
na insatisfação da China e de países em desenvolvimento com as duas
instituições. O FMI nunca conseguiu se livrar da fama de ter ajudado a
desencadear a crise financeira asiática ao promover a liberalização do balanço
de capitais, agravando ainda a situação dos países afetados ao impor severas
políticas de austeridade durante a crise. O Banco Mundial também não foi capaz
de superar o fato de ter sido parceiro do FMI na imposição de políticas tão
dolorosas de ajuste estrutural quanto ineficazes aplicadas em mais de 90 países
em desenvolvimento nas décadas de 1980 e 1990. Muitos poucos destes programas
tiveram algum sucesso na retomada do crescimento e na redução da pobreza.
Há alguns anos, a direção do FMI anunciou que pretendia adotar uma
abordagem menos neoliberal e mais keynesiana do crescimento econômico e do
desenvolvimento. Isso foi desmentido, no entanto, com a adesão do Fundo à
chamada "Troika" que, juntamente com o Banco Central Europeu e a
Comissão Europeia, impôs políticas de austeridade brutais à Grécia, a Portugal
e à Irlanda após a erupção da crise financeira mundial, em 2008. O Banco
Mundial, por sua vez, tentou se reinventar como o "banco do clima"
sob a presidência de Robert Zoellick, até ser acusado pelos países em
desenvolvimento de tentar centralizar o financiamento para iniciativas de
adaptação às mudanças climáticas. A partir da gestão de Jim Yong Kim, um
coreano-americano indicado pelo presidente Barack Obama, o Banco tentou se
firmar como um defensor, junto aos países desenvolvidos, dos cortes nas
emissões de gases de efeito estufa, e como um ator fundamental na contenção de
doenças letais como o vírus do Ebola. No entanto, a maior parte das suas
políticas e projetos ainda é definida pela lógica da economia conservadora e
pelos interesses geopolíticos e econômicos dos EUA.
Com as instituições que controla apresentando resultados tão
desanimadores na gestão da economia mundial e na promoção do desenvolvimento,
os EUA já deveriam esperar que, mais cedo ou mais tarde, o mundo começaria a
procurar outras instituições, mais preocupadas em entregar o que prometem. É
claro que Pequim está ainda engatinhando com as suas iniciativas multilaterais.
Para mostrar que não repetiria o comportamento dos americanos no Banco Mundial,
a China já anunciou que, apesar da sua maior contribuição para o AIIB, não
exigiria poder de veto sobre as decisões políticas.
www.cartamaior.com.br
03/04/2015
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