05/09/2016 11:02 - Copyleft
Daniel Cerqueira, para o El País, da EspanhaBrasil: carnaval, ministros e heróis
A destituição de Dilma selou um capítulo tortuoso da democracia. Ficarão para a posteridade os discursos que converteram a Câmara dos Deputados num circo.
Com a ratificação de Michel Temer como presidente, surge a pergunta de se seu governo bailará ao ritmo da democracia circense ou dos escândalos de corrupção que seguirão sendo destapados. O impeachment de Rousseff foi marcado pelos conchavos partidários, muito mais que pelo alegado incumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Basta escutar as intervenções dos integrantes da Câmara de Deputados, na traumática sessão del 17 de abril, ou observar como a base aliada do governo petista mudava de posição segundo o oferecimento de ministérios, nos bastidores do chamado fisiologismo partidário.
Num contexto de crise econômica e processos eleitorais permeados pela corrupção, a força do impeachment oscilou ao gosto das ordenes de captura e delações contra congressistas atuais e ex-ministros do Partido dos Trabalhadores (PT). Não há muito segredo no fato de que a opinião pública foi conduzida a satanizar o PT e culpá-lo pela crise que o país atravessa. Agora que o PT já não é governo, a continuidade da Operação Lava Jato poderia causar um imprevisível ciclo de indignação que pode se agravar ou mitigar a partir das conjunturas. O impulso que o governo dará às reformas da previdência e do trabalho serão primordiais para isso, pois são medidas impopulares para um grande setor da população, capaz de agregar centenas de milhares de pessoas a eventuais marchas de indignados. Também estará na pauta dos próximos meses a solvência das atuações judiciais em torno aos escândalos de corrupção que alcançarão, inevitavelmente, a nomes de peso do governo Temer.
O Poder Judiciário brasileiro vem demonstrando um elevado grau de independência com relação ao poder político, mas não está isento do fenômeno intrinsecamente brasileiro descrito por Roberto da Matta no livro “Carnavais, malandros e heróis”. Na obra, o autor explica que aqueles que ostentam certos cargos públicos tendem a evadir as condutas prescritas nas leis. A usurpação dol princípio de igualdade perante a lei se manifesta na reivindicação, deliberada ou inconsciente, do status de supra cidadãos por parte de detentores de autoridade. Entre os exemplos recentes de supra cidadania exercida pelo STF, podemos citar os supostos incidentes de nepotismo na nomeação das filhas dos Ministros Luiz Fux e Marco Aurélio Mello como magistradas, assim como o lobby do STF, apoiado pela Procuradoria Geral da República (PGR), para que o Congresso aprove aumentos salariais em beneficio de ambas as entidades. Ao serem aprovados, tais aumentos implicariam no rombo de mais de oito bilhões de reais nos próximos quatro anos, que se adicionariam ao deficit fiscal de 170 bilhões previsto para 2016.
Entre as atuações que beiram a cumplicidade com a impunidade diante da corrupção, são particularmente polêmicas as críticas do ministro Gilmar Mendes aos procuradores da Operação Lava Jato, e seus ataques contra a Lei da Ficha Limpa, que inabilita politicamente os cidadãos que possuem condenações na Justiça. Mendes adiantou sua opinião sobre o tema, com relação a denúncias que a invocam levadas ao Tribunal Superior Eleitoral, presidido por ele mesmo – numa dessas denúncias figura Michel Temer, que poderia ser destituído por financiamento irregular de sua campanha à vice-presidência, em 2014. Enquanto isso, as associações de magistrados e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), condenam a atitude de Mendes, e Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, declara que as críticas à Operação Lava Jato devem ser devidamente escutadas.
O destino de Temer poderia ser uma réplica do calvário de Rousseff se a anunciada recuperação econômica seja tão só um dedo tentando tapar o sol de escândalos que ainda estão por ser destapados. Nesse cenário, os ministros do STF podem se alinhar ao clamor da cidadania e seguir depurando a corrupção, ou atuar como supra cidadãos, em defesa de interesses corporativos, ou do fisiologismo político, que tanto vem castigando a democracia brasileira.
Tradução: Victor Farinelli
Num contexto de crise econômica e processos eleitorais permeados pela corrupção, a força do impeachment oscilou ao gosto das ordenes de captura e delações contra congressistas atuais e ex-ministros do Partido dos Trabalhadores (PT). Não há muito segredo no fato de que a opinião pública foi conduzida a satanizar o PT e culpá-lo pela crise que o país atravessa. Agora que o PT já não é governo, a continuidade da Operação Lava Jato poderia causar um imprevisível ciclo de indignação que pode se agravar ou mitigar a partir das conjunturas. O impulso que o governo dará às reformas da previdência e do trabalho serão primordiais para isso, pois são medidas impopulares para um grande setor da população, capaz de agregar centenas de milhares de pessoas a eventuais marchas de indignados. Também estará na pauta dos próximos meses a solvência das atuações judiciais em torno aos escândalos de corrupção que alcançarão, inevitavelmente, a nomes de peso do governo Temer.
O Poder Judiciário brasileiro vem demonstrando um elevado grau de independência com relação ao poder político, mas não está isento do fenômeno intrinsecamente brasileiro descrito por Roberto da Matta no livro “Carnavais, malandros e heróis”. Na obra, o autor explica que aqueles que ostentam certos cargos públicos tendem a evadir as condutas prescritas nas leis. A usurpação dol princípio de igualdade perante a lei se manifesta na reivindicação, deliberada ou inconsciente, do status de supra cidadãos por parte de detentores de autoridade. Entre os exemplos recentes de supra cidadania exercida pelo STF, podemos citar os supostos incidentes de nepotismo na nomeação das filhas dos Ministros Luiz Fux e Marco Aurélio Mello como magistradas, assim como o lobby do STF, apoiado pela Procuradoria Geral da República (PGR), para que o Congresso aprove aumentos salariais em beneficio de ambas as entidades. Ao serem aprovados, tais aumentos implicariam no rombo de mais de oito bilhões de reais nos próximos quatro anos, que se adicionariam ao deficit fiscal de 170 bilhões previsto para 2016.
Entre as atuações que beiram a cumplicidade com a impunidade diante da corrupção, são particularmente polêmicas as críticas do ministro Gilmar Mendes aos procuradores da Operação Lava Jato, e seus ataques contra a Lei da Ficha Limpa, que inabilita politicamente os cidadãos que possuem condenações na Justiça. Mendes adiantou sua opinião sobre o tema, com relação a denúncias que a invocam levadas ao Tribunal Superior Eleitoral, presidido por ele mesmo – numa dessas denúncias figura Michel Temer, que poderia ser destituído por financiamento irregular de sua campanha à vice-presidência, em 2014. Enquanto isso, as associações de magistrados e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), condenam a atitude de Mendes, e Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, declara que as críticas à Operação Lava Jato devem ser devidamente escutadas.
O destino de Temer poderia ser uma réplica do calvário de Rousseff se a anunciada recuperação econômica seja tão só um dedo tentando tapar o sol de escândalos que ainda estão por ser destapados. Nesse cenário, os ministros do STF podem se alinhar ao clamor da cidadania e seguir depurando a corrupção, ou atuar como supra cidadãos, em defesa de interesses corporativos, ou do fisiologismo político, que tanto vem castigando a democracia brasileira.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: Roberto Stuckert Filho/PR
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