Jornal do Brasil entrevista Ricardo Antunes
JB - Na semana
passada, o então presidente interino defendeu a proposta de reforma
trabalhista, com o argumento de que a intenção não seria retirar direitos, mas
manter empregos. Ele também informou que deveria enviar a proposta de reforma
trabalhista e de regulamentação do processo de terceirização ao Congresso até o
final deste ano. Hoje [31/8], prometeu “modernizar as leis trabalhistas",
"para garantir os atuais e gerar novos empregos”. No ano passado, quando
conversamos, o senhor reforçou que o projeto de terceirização aprovado pela
Câmara dos Deputados geraria escravos modernos, e que era imperioso derrotá-lo.
Onde estamos agora?
RA - Estamos no
pior momento. Governo nenhum que destrói direitos diz que vai destruir
direitos. Nós acabamos de ver, por exemplo, na França, o governo de François
Hollande iniciar um processo de destruição de uma parcela importante dos
direitos do trabalho, dizendo que não ia destruir direitos.
A vitória
parlamentar que consolida o golpe, no sentido parlamentar do termo, que
consolidou o golpe contra o governo Dilma, abre caminho para uma série de
mudanças que são profundamente destrutivas em relação à classe trabalhadora.
Isto é muito importante que se tenha claro.
Primeiro ponto, o
princípio fundamental do governo Temer é o do "negociado sobre o
legislado". O projeto "Ponte para o Futuro", que na
verdade é um atalho para o abismo social, diz que vai haver negociado sobre o
legislado sem a perda de direitos. Só que é impossível estabelecer o primado
negociado sobre legislado que não seja para reduzir direitos. A ideia do
governo não é estabelecer o negociado sobre o legislado para avançar nos
direitos, é para reduzir os salários, é para flexibilizar a jornada de
trabalho, é para intensificar o banco de horas, é para fazer com que haja
redução da jornada com redução do salário.
Então, é evidente
que esse preceito do negociado sobre o
legislado enfraquece o conjunto da classe trabalhadora e traz a corrosão
dos direitos. Ainda nos sindicatos que têm alguma força, a perda será menor,
mas será perda. Não há negociado sobre legislado em condição de crise que
beneficie a classe trabalhadora.
Mas você imagina,
com o conjunto de sindicatos do país inteiro que tem menor força organizativa,
é óbvio que a ideia é reduzir direitos que foram adquiridos desde a CLT. Nenhum
governo vai dizer abertamente, ainda mais um governo conservador e sem
legitimidade, porque resulta de, digamos, um rearranjo, em que o programa que
ele quer implementar não tem o respaldo das urnas.
O resultado disso
é que, junto com o negociado sobre o legislado, vem a ideia de avançar na
terceirização do trabalho. A terceirização do trabalho é também dita pelo
governo como um caminho para criar empregos, mas isso é de uma falsidade
enorme.
Alguém pode
dizer, "existem hoje 12 milhões de terceirizados no Brasil, são 12 milhões
de empregos". Um número significativo de trabalhadores hoje é terceirizado
- homens e mulheres terceirizados -, só que os trabalhadores terceirizados e as
trabalhadoras terceirizadas trabalham em média mais horas semanais do que os
trabalhadores regulados pela CLT. Se eles trabalham mais horas e recebem menos,
onde existem três ou quatro trabalhadores ou trabalhadoras celetistas, eles vão
ser substituídos por três ou dois trabalhadores ou trabalhadoras terceirizados.
Basta um pouco de
aritmética para saber que onde um número x de trabalhadores realizava certo
tipo de trabalho, agora esse mesmo trabalho, essa atividade, será realizada por
um número inferior. Ou seja, a terceirização desemprega. Ela não emprega. Ela
empregou 12 milhões, mas ela desempregou 15 ou 16 milhões, em condições mais
adversas, porque os salários são significativamente menores e em condições de
trabalho que frequentemente burlam a legislação do trabalho.
O resultado desse
desenho, dessa propositura do governo é destruir a CLT. E o que significa
destruir a CLT? É destruir o que a classe trabalhadora considera como sendo a
sua Constituição, porque desde a sua implementação, em 1943, que ela desenhou
um conjunto de direitos sociais do trabalho.
O IBGE publicou
que nós já estamos com 11,6% de desemprego, que significam 11,8 milhões
trabalhadores e trabalhadoras sem emprego. E esses dados minimizam, porque nós
sabemos que um trabalhador ou uma trabalhadora que em certo período não procura
mais emprego, porque não encontra emprego, some das estatísticas como
desempregado. E por que ele não procura emprego? Porque é muito caro,
trabalhoso, árduo e difícil procurar emprego por dois, três, quatro, cinco
dias. Você precisa de dinheiro para sair, pagar a condução, alimentar-se, no
final do dia você volta de uma jornada extenuante sem nenhuma resposta
positiva. Um mês depois o trabalhador desiste, porque ele percebe que não há
portas abertas. E ele some da estatística como desempregado. O mesmo vale para
quem trabalha algumas horas por semana. Quem lava carros algumas horas por
semana não está empregado. Há uma massa enorme de desempregados e subempregados
que as estatísticas não contemplam.
Por isso o
projeto é nefasto, e ele é uma imposição dos interesses financeiros que
comandam a economia do país. Isso atinge bancários, metalúrgicos, trabalhadores
de call center, jornalistas,
professores, o conjunto de trabalhos acaba tendo como resultante o
enfraquecimento.
Agora, se o
governo dissesse "eu vou devastar", "eu vou fazer uma verdadeira
devastação social", ele teria o repúdio. Então, a grande alquimia, a
falácia, que é profunda falsidade, é dizer: eu vou criar direitos destruindo
direitos. É disto que se trata.
Não há nenhuma
pesquisa séria, rigorosa, com critério científico, realizada nas universidades,
que demonstre vantagens para a terceirização. Quem defende que a terceirização
é vantajosa é a FEBRABAN, são as federações das indústrias etc.
Não é por acaso que,
algumas semanas atrás, o presidente da Confederação Nacional das Indústrias fez
o absurdo de propor que a classe trabalhadora brasileira pudesse ter uma
jornada de até 80 horas por semana,
dizendo, um erro grotesco, que assim já era até na França. Quer dizer, é um
erro crasso, porque a França é um país que, digamos assim, ainda que o governo
Hollande esteja tentando destruir parte desses direitos, os trabalhadores
franceses, com a trajetória que têm, consolidaram direitos e, segundo, mostra
até onde pode chegar o sonho de setores do empresariado industrial que querem isto
que eu disse na entrevista anterior ao JB e que é inteiramente atual: recuperar
formas de escravidão moderna de trabalho. Nem na escravidão os trabalhadores
trabalhavam 80 horas por semana, para que se tenha uma ideia do absurdo.
Depois nós
sabemos que o presidente da CNI negou a fala, mas a fala está gravada, foi
citada pela grande imprensa, certamente a grande imprensa não inventou, foi um
descuido do presidente, que mostra até onde é capaz de avançar o imaginário
empresarial.
Por fim, os
jornais de hoje mostram também que até o número de trabalhadores autônomos, os
chamados "empreendedores", recuou neste último trimestre porque o
desemprego não só atingiu o emprego formal como também estão sendo fechadas
atividades pequenas, criadas por esses trabalhadores que acreditaram no chamado
“empreendedorismo”, percebendo que é muito mais difícil num contexto de crise
sobreviver. E a média salarial também se reduziu neste último trimestre.
Este é o cenário,
portanto, muito desfavorável para a classe trabalhadora.
JB - Como analisa
o argumento que diz que é preciso reformar as relações de trabalho porque a CLT
é velha e porque seria preciso reduzir os custos da produção para alavancar a
economia?
RA - Coloco esta
fala exatamente como a do Consenso de Washington no início dos anos 1990,
quando dizia "é preciso privatizar tudo, é preciso desregulamentar tudo
para que haja crescimento e expansão", e nós só temos destruição, só temos
maior desemprego, maior empobrecimento da população. Porque exatamente onde
esse sistema se expandiu, mais ele destruiu.
Vou dar um
exemplo, que é emblemático. Existe na Inglaterra, já há algum tempo, um sistema
de contratos chamado zero hour contract,
contrato de zero hora. Ele vale para trabalhadores de cuidados, o chamado care em inglês, enfermeiros, médicos,
jornalistas, transportadores de passageiros, eletricistas etc., uma gama de
atividades. Como funciona? O trabalhador tem contrato de zero hora, o que significa
que ele não tem uma jornada fixa, mas tem que ficar à disposição dos chamados.
Se num dia ele não recebe nenhum chamado, ele não tem trabalho, no segundo dia
ele não recebe nenhum chamado, ele também não tem nenhum trabalho, no terceiro,
quase terminando as 72 horas que ele está esperando, ele recebe um chamado, e
ele simplesmente vai receber por este chamado que ele fez.
Vejamos, um
médico vai atender uma família de pacientes, tem lá um aplicativo que vai
receber por este atendimento, e ao mesmo tempo o aplicativo, ou seja, a empresa
que detém o controle do seu trabalho - McDonald's e tantas outras empresas usam
amplamente esse sistema na Inglaterra, grandes empresas , o que vai acontecer é
que ele vai receber pelo horário que trabalhou, só que ele está há 72 horas
disponível e recebe, digamos, se o seu trabalho durou uma hora, uma hora de
trabalho.
Isso,
evidentemente, é exemplo cabal da brutalidade das novas modalidades de trabalho
que consideram os trabalhadores qualificados, tendo a disponibilidade total para
o trabalho, só percebendo remuneração quando efetivamente trabalham. Isto se
facilitou muito pelo mundo do trabalho digital, online, que faz com que
trabalhadores assalariados das tecnologias da informação, e de tantos outros
setores, munidos de um celular, estejam em disponibilidade eterna para o
trabalho, ainda que essa disponibilidade para o trabalho tenha como resultado
uma remuneração precária e frequentemente insuficiente.
Os empresários
dizem "ora, mas ele aceita o trabalho zero hora se ele quiser". É
verdade. Mas por que ele aceita? Porque não tem outro trabalho. O trabalhador,
quando está desempregado, aceita um trabalho em que receba alguma coisa, num
sentido cada vez mais degradante. E essa realidade é impulsionada pela
terceirização, ela é impulsionada por essas regras de uma flexibilização total
do mercado de trabalho.
No Reino Unido,
já chega à casa de 1 milhão de trabalhadores. O problema é forte, e tem um
debate intenso inclusive nos sindicatos porque é uma forma de escravidão
moderna do trabalho online. Se você combinasse esse trabalho online com a
precarização dos trabalhos offline, do trabalho manual, dos trabalhos, digamos,
mais braçais, os trabalhos de vários setores de serviços que também são online,
mas muito duros como trabalho de call
center, o quadro é bastante negativo no que diz respeito ao mundo do
trabalho.
No Brasil, nós já
temos esse contrato de zero hora. Há médicos fazendo isso. Se você liga para
pedir um eletricista para cuidar da sua casa, a companhia de seguro chama o
trabalho de um contrato de zero hora. Ele presta esse trabalho, recebe por isto
e fica aguardando outro chamado. Se tem, ou não tem.
O UBER é outro
caso similar. Eu fui conhecer o sistema de UBER outro dia, conversando com um
motorista. Ele era veterinário que simplesmente tinha perdido o seu trabalho na
clínica veterinária e, como tinha um carro, dispunha da alternativa de
utilizar-se do automóvel para atender chamados de modo que pudesse ficar empregado
e pagar as contas. Esta é uma tendência que, se o PLC 30/2015, conhecido como
projeto de terceirização, que está hoje no Senado, for aprovado e permitir o
fim da separação entre a atividade-meio e a atividade-fim, e a consequente permissão
da terceirização total, nós estamos abrindo todas as portas para uma
desregulamentação geral do trabalho.
JB - Como fica a
ação sindical neste contexto?
RA - São dois
elementos importantes. Primeiro, onde há resistência sindical, os empresários
não conseguem implementar reformas com esta intensidade. Por exemplo, a França
- que tem tradição de luta sindical e a Alemanha que também tem sindicatos
fortes - conseguem segurar e impedir a intensidade dessas medidas de
desregulamentação do trabalho. Na Inglaterra, pelo contrário, onde o
neoliberalismo foi devastador, muitos sindicatos foram profundamente atingidos.
Nos Estados Unidos e em outros países, todos eles são neoliberais, mas alguns
são mais devastadoramente neoliberais, como inclusive foi o caso do
neoliberalismo inglês, um verdadeiro laboratório do neoliberalismo na Europa,
mais agressivo, com Margaret Thatcher, depois com John Major.
Onde os
sindicatos são mais fortes, a resistência é maior. Agora, a defesa dessas
medidas do governo no Brasil é antissindical, é para diminuir a solidariedade
entre os trabalhadores, para criar situações, onde, digamos, não consigam
preservar os laços de solidariedade. Porque, a terceirização é uma contratação
entre empresas, a contratante e a contratada, no qual a empresa contratada vai
oferecer os trabalhadores que são solicitados pela empresa contratante. Então
não há um vínculo empregatício entre a empresa e os trabalhadores que trabalham
nela. Isto permite toda a gama de burla, fraude de direitos e dificulta a
organização sindical, na medida em que existe uma tendência à individualização
das relações de trabalho.
O PJ, a
"pejotização", é a ideia de converter o trabalhador como pessoa
jurídica e estabelecer o contrato de prestação de serviços. Quando ele adoece,
por exemplo, se ele não tiver bom sistema privado de saúde, não tem sequer
recursos para poder ter um atendimento de saúde. E essa pulverização, esta
individualização, este exacerbar do individualismo e das relações
individualizadas entre empresa terceirizada e trabalhadores, tudo isso tende a
enfraquecer bastante a organização sindical.
É vital,
portanto, que os sindicatos compreendam isso. Para fazer um paralelo, do século
19 para o século 20, quando as empresas deixaram de ser empresas tradicionais,
empresas de origem anteriormente manufatureira que se tornaram grandes empresas
industriais, os sindicatos deixaram de ser sindicatos de artesãos, e tiveram
que criar o sindicato da grande indústria. Hoje os sindicatos estão vivendo um
desafio assemelhado ainda mais profundo.
Em vez de grandes
empresas tayloristas e fordistas do século 20, que magistralmente o Chaplin
caricaturou na sua obra-prima "Os tempos modernos", hoje esta ideia
de que cada um deve ter uma relação de trabalho com uma empresa que contrata,
sem a mediação do coletivo, vai obrigar os sindicatos a reconfigurar, a
redesenhar, as formas de organização sindical. Isso não levará, no meu
entendimento, ao fim dos sindicatos, mas a uma necessidade imperiosa de os
sindicatos se reorganizarem.
Por exemplo, no
passado, tínhamos sindicatos das telefonistas que eram fortes, no Rio tinha-se
a empresa estatal de telefonia, a qual correspondia o Sindicato dos
Trabalhadores Telefônicos do Rio de Janeiro, assim valia para São Paulo e para
outros estados sucessivamente. Com a criação exponencial do trabalho online, do
chamado trabalho digital das teleoperadoras - 70% do contingente é feminino no
Brasil, com esse trabalho das teleoperadoras, online, digitalizado, nasceu uma
categoria, que é a dos trabalhadores e trabalhadoras de Telemarketing. Muito
diferente do antigo trabalho do sistema de telefonia pública que existia nos
vários estados do Brasil nos anos 1960/1970. Isso está obrigando a que ou
sindicatos reelaborem e compreendam essa nova forma de ser, essa nova
morfologia do trabalho, ou está dando nascimento de novos sindicatos que já
estão tratando como realidade.
Muitas trabalhadoras
do telemarketing estão isoladas umas das outras, há muita rotatividade, muita
informalidade, isso tudo é uma via que dificulta os sindicatos. Os sindicatos
são obrigados a repensar, a compreender essa nova morfologia do trabalho e como
é possível representá-las com autenticidade, com sentido de classe, e voltado
para os reais interesses das categorias que os sindicatos representam. É por
certo o desafio vital, um desafio global.
Se alguém vai à
China, à Índia, à Inglaterra, aos Estados Unidos, à França, Itália - tenho
viajado para todos esses países, tenho tido a sorte de meus livros terem sido
publicados em todos esses países que eu me referi -, essa realidade é global, e
os sindicatos também sofrem um desafio global. E há experiências, sindicatos
que procuram dentro deste quadro novo se reorganizar, ainda que em uma situação
mais adversa.
Mas vou dar uma
pista, profundamente heterogeneizada: a classe trabalhadora, bastante
fragmentada e complexificada, vive uma tendência comum em muitas e diversas
categorias profissionais. Como é essa tendência comum? Relativamente homogênea,
em meio a tanta heterogeneidade, como essa tendência é homogeneizante? É a luta
contra a precarização do trabalho, que atinge os jornalistas, os trabalhadores
da tecnologia de informação e comunicação, os trabalhadores da indústria de
software, atinge também os trabalhadores de call
center, trabalhadores metalúrgicos, trabalhadores das cadeias produtivas
globais.
Hoje, as
empresas-mãe, as empresas centrais, elas têm a sua marca e vão terceirizando a
sua produção em várias partes do mundo. A Apple, por exemplo, tem como grande
montadora a Foxconn, na China - a Foxconn também tem unidade no Brasil. Isto
cria, inclusive, uma dificuldade, porque a Foxconn realiza toda a montagem dos
produtos da Apple, mas não aparece a marca Foxconn, aparece a marca Apple. E
nem todos sabem que o produto da Apple é montado pela Foxconn.
Em 2010, na
Foxconn na China, na unidade de Shenzhen - os salários eram entre 100 e 200
dólares, dependendo do nível de hora extra -, houve 17 tentativas de suicídio
de trabalhadores dado o stress, a superexploração do trabalho. Das 17
tentativas de suicídio, 13 delas tragicamente ocorreram. O que levou a uma
grita generalizada, que inclusive acertou a Apple, porque não só se pressionava
a Foxconn como a Apple que contratava a Foxconn. Então, o que a Foxconn é? Uma
grande empresa transnacional de terceirização global. É verdade que, no caso da
China, há ausência de sindicatos livres, isso tem desafiado a classe
trabalhadora chinesa a pensar em alternativas, a pensar em outras formas de
movimento, assim como a classe trabalhadora em tantas partes do mundo.
JB - O senhor
também tinha comentado sobre o potencial de mudanças como o projeto de
terceirização de rebelar os trabalhadores e trabalhadoras.
RA - Há exemplos
de empresas de call center e
telemarketing onde tem havido manifestações, greves. Por exemplo, a Foxconn que
eu citei esses suicídios e a intensidade da exploração do trabalho, mas isso
vale para muitas outras empresas similares. Isso tem levado às mais distintas
formas de rebelião. No caso da Foxconn da China, o uso da internet mostrando as
dificuldades das condições extenuantes de trabalho e intensificação da expansão
do trabalho.
Eu coletava na
semana passada o depoimento de uma trabalhadora de montagem de produtos
digitalizados no Brasil. Ela dizia "olha, a gente tem a sensação de que um
trabalho é separado do outro, que eu estou pondo um vidro aqui de um equipamento
que eu nem sei o que é", mas só o fato de ela fazer essa pergunta já é
sinal de uma percepção de que algo não vai bem.
Há greves no
setor de telemarketing no Brasil. Nós tivemos greves. Há pesquisas novas, há
esboços de organização sindical, há descontentamentos que vão desde o uso da
internet até greves, paralisações, revoltas. É por isso que nós estamos tendo
tipos diferentes de revolta, as greves ainda são recorrentes, a ideia de ter um
sindicato que representa os trabalhadores e trabalhadoras também é vital.
Por que eles
buscam o sindicato por mais que a campanha antissindicato seja forte? Porque o
sindicato é uma ferramenta de defesa da classe trabalhadora. Os sindicatos têm
que representar, porque se não representarem, esses trabalhadores vão buscar
outros caminhos, outras formas de manifestação de rebeldia, de luta, quer no
plano sindical, quer fazendo greves, quer através de depoimentos por internet e
outras, a classe trabalhadora demonstra a forma da intensidade da exploração a
que estão sujeitos.
JB - Pode falar
sobre a questão do desemprego que já vinha se desenhando devido ao esgotamento
de um ciclo econômico, e o desemprego que poderia vir agora; e a precarização
do trabalho que já tínhamos antes e a precarização do trabalho que pode haver
agora, no Brasil?
RA - Nós tivemos
no Brasil entre 2003 e 2013 um crescimento expressivo dos empregos, na casa de
mais de 20 milhões, porque o país teve um ciclo de expansão econômica forte.
Acontece, entretanto, que, a partir de 2013, 2014, a crise econômica
global passou a ter repercussões mais profundas nos chamados BRICS (Brasil,
Rússia, Índia, China e África do Sul), em vários outros países, especialmente
Índia, China, Brasil. Este primeiro movimento, aliado a uma série de equívocos
que vinham sendo praticados pela política econômica vigente, acabaram levando a
um esgotamento do ciclo, acabaram levando a um quadro onde o mito do país do
grande crescimento, o mito do país da grande expansão, do país que ia para
frente começasse a soçobrar.
Nós, no Brasil,
começamos a ter, a partir de fim de 2014 e início de 2015, uma acentuação das
tendências declinantes e o reaparecimento forte do desemprego. Só para tratar
deste último período, uma política completamente equivocada, o que fez o
governo Dilma? Foi buscar um ajuste fiscal bastante nefasto, comandado por Joaquim
Levy, que era o segundo homem de um grande banco privado no Brasil, ou seja,
completamente imbuído de um projeto neoliberal de desregulamentação do trabalho
e de um ajuste fiscal privatista, que diminuiu os efetivos de Estado na
economia.
Esse ajuste
fiscal retraiu fortemente a economia, porque foi exatamente o receituário
utilizado pelo sistema financeiro para preservar superávit primário, para primeiro
pagar juros da divida e depois tentar um novo ciclo de expansão. Quando o
governo Dilma entra na crise política profunda em que mergulhou - isso começa
em 2015, num quadro que vai se acentuando - a política recessiva também é
implementada, fazendo com que aquela tendência declinante fosse se expandindo,
e o desemprego passa a aumentar.
Quando Dilma
sofre a abertura do processo de impeachment na Câmara dos Deputados, quer
dizer, no meio de uma crise política profunda, houve uma retroalimentação,
crise política e crise econômica. Sobe, inicialmente em forma de interino, o
governo Temer, e este governo vai começar a tomar uma série de medidas
claramente de desregulamentação do trabalho, de botar o pé no breque, e
gerenciar uma política de arrocho, de tal modo que tivesse como consequência
não mais o incentivo à produção, mas um desincentivo à produção e o consequente
aumento do desemprego.
Por isso que,
desde que o Temer assumiu, o desemprego não para de aumentar. O seu receituário
é ainda mais destrutivo do que o do primeiro ano de Dilma. É um receituário da
privatização, da desregulamentação e da precarização do trabalho, os três
tomados em um acelerador em ritmo alto.
Então, o que está
acontecendo neste último período? O crescimento do desemprego que estamos vendo
neste último trimestre - maio, junho e julho - é, por um lado, ainda saldo das
medidas tomadas pelo ministro banqueiro Joaquim Levy no primeiro ano do governo
Dilma. Esse trimestre já traz aumento do desemprego, porque as medidas tomadas
pelo também banqueiro Henrique Meirelles no governo Temer são destrutivas em
relação ao crescimento de emprego e em relação ao trabalho.
Qual é o
resultado? Chegamos hoje a níveis oficiais de quase 12 milhões de
desempregados, quando na verdade temos níveis muito maiores. E no movimento da
economia que estamos hoje... Mesmo hoje, qual foi a medida do Banco Central?
Manter os juros altos. Juros altos, remuneração do sistema financeiro, recursos
são drenados para garantir o superávit primário, e o Estado perdeu aquela
impulsão que dava para o incentivo de novos empregos.
Por isso que
qualquer análise séria reconhece que o cenário que vamos ter nos próximos dois
trimestres que compreendem o ano de 2016 é desalentador, e vai fazer com que o
movimento sindical e os movimentos sociais lutem ardorosamente para impedir que
essas medidas sejam aplicadas. Porque isto também é verdade, essas medidas não
são inevitáveis, o movimento sindical pode impedi-las, os movimentos sociais
podem impedi-las.
O que nós vimos
no Senado é expressão disso. Criou-se um pretexto de depor um governo pelo
conjunto político da sua obra, por uma oposição que não ganha as eleições. Isso
independe da avaliação que se faça do governo que cai. Eu, por exemplo, sou
muito crítico em relação ao governo que caiu, muito conciliador e praticamente
sem nenhuma ousadia para tentar mudanças mais profundas. Só que o governo que
ganha, que sai desse processo de impeachment, na verdade, é a pura representação
desses interesses dominantes. A tendência dele é aumentar a repressão, como se
viu em São Paulo nas manifestações contra o governo de Michel Temer.
Nós vamos entrar
numa época de confrontação social, de manifestações sindicais e sociais, o que
não depende nem de longe de imaginar que o governo vai ter calma e
tranquilidade. O período que vai de 2016 a 2018 será uma sucessão amplificada e
articulada de crises sociais e crises políticas, porque esse governo não tem
legitimidade.
O decisivo neste
momento seria que um processo de novas eleições fosse realizado, um plebiscito
decidiria se quer ou não novas eleições, e a partir disso tentaríamos sair da
crise. Um governo sem legitimidade não sinaliza saída da crise, porque a saída
da crise tem elementos de profundidade que não são resolvidos no discurso de
Temer e seus ministros. A crise tem causas estruturais muito mais profundas.
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