A solidariedade
inusitada
Eugênio Aragão
Há algumas semanas, sugeri que a
ministra Carmen Lúcia, na qualidade de presidente do STF e do Conselho Nacional
de Justiça, não faria bem em se solidarizar com juiz federal de primeiro grau
que ordenara um jabaculê no Senado. Afinal, a iniciativa era mui controversa e
não cabia à ministra, que preside um órgão de controle externo do poder
judiciário, bater boca com o presidente do Senado, que cumpria seu papel
político ao demonstrar sua indignação com a invasão do espaço legislativo,
ainda que chamara, o juiz de piso, de “juizeco”. Afinal, um “je suis juizeco”
não pegava bem para a ministra.
Hoje se anunciou declaração do senhor
procurador-geral da república, em que critica de forma dura a propositura de
ação por danos morais pelo Ex-Presidente Lula contra o procurador Dallagnol, de
Curitiba, por este ter protagonizado espetáculo deprimente de entrevista
coletiva em que exibira um “PowerPoint” simplório, para atribuir ao ex-chefe do
Executivo Federal, a qualidade de “comandante do esquema Petrobras”.
Tanto quanto Renan, Lula está no seu
direito de indignar-se e o procurador-geral da República não anda bem em
atacá-lo por isso. Inusitado é o chefe do parquet se solidarizar com quem é
acusado de violar a honra e a reputação de Lula, pois também ele, o procurador-geral
da República, preside um órgão de controle externo, o do ministério público,
que pode vir a ser chamado a dizer sobre os excessos do procurador integrante
da chamada força tarefa da operação “Lava-Jato”. Um “Je suis Dallagnol” é tão
despropositado quanto um “Je suis juizeco”.
Não é de hoje que o tom do conflito
entre instituições do Estado tem subido muito acima do aceitável. Gritos de
juiz em audiência, porque atribui a advogados do réu “abuso de direito de
defesa”, quando da insistência em perguntas a testemunhas, são tão grotescos
quanto querer sugerir “cerceamento da acusação”, porque o réu não aceita a
pornográfica violação da presunção de sua inocência por um membro do ministério
público e busque responsabilizá-lo na justiça.
O tom de hostilidade à defesa e a
advogados foi inaugurado no famigerado processo do mensalão, com os estribilhos
incensurados do então relator, ministro Joaquim Barbosa. Como o exemplo vem de
cima, parece que, com essa atitude, abriu-se a temporada de caça aos causídicos
defensores. E a ordem dos advogados permanece estranhamente em silêncio.
A investigação da “Lava-Jato” tem sido
um festival de abusos contra garantias processuais mais comezinhas, numa
conivência entre o complexo policial-judicial e a mídia, com indisfarçável
escopo de atingir a reputação de alguns bem escolhidos atores políticos. Quando
interessa fazer barulho, investigados são presos ou conduzidos com ostensivo
aparato repressivo, sendo mostrados publicamente algemados.
Que se dane a excelsa súmula vinculante
Daniel Dantas, que veda o uso de algemas quando não há resistência do detido ou
do conduzido! Nem se vê, por sinal, o STF, através de seus eloquentes
ministros, exigir o cumprimento de dita súmula. Aliás, como é notório, a
operação Lava-Jato tem se excedido, também, nas próprias conduções coercitivas,
sem que se desse razão para tanto. Investigados são exibidos de forma
constrangedora “de baraço e pregão pelas ruas da villa”, no melhor estilo das
Ordenações Filipinas.
Triste é constatar que o senhor
procurador-geral da República, ao invés de cumprir com seu papel de chefe da
instituição a que incumbe a proteção dos direitos fundamentais, prefere se
identificar com quem os fere e bater boca com quem não se conforma. Está claro,
desde já, que se o presidente Lula for representar contra esses abusos ao chefe
do ministério público federal, como é legitimo, vai encontrar oiças mocas, pois
este já declarou: “Je suis Dallagnol”.
Este episódio mostra mais uma vez o
quanto é urgente debater na sociedade e no legislativo a responsabilização de
agentes públicos por abuso de autoridade, pois se nem o Congresso e nem um
ex-presidente da República respeitam, o que se dirá do cidadão comum?
Corporativismo e populismo são infelizmente duas pragas que corroem nossas
instituições mais caras para a democracia, que, com isso, se tornam incapazes
de defender quem delas mais precisa.
Jogam para uma plateia irada, sedenta por
assistir a um massacre de gladiadores na arena do Coliseu. E, com isso, nem
tanto pelo pão, mas muito pelo circo, as instituições ganham a simpatia das
massas, num projeto evidente de poder da respectiva corporação.
Cantem ao povo uma nova canção, senhores
procuradores e, quem sabe, consigam reverter sua a desmoralização que não
tardará: a democracia não precisa de heroicos salvadores da pátria, mas, sim,
de magistrados equilibrados que façam justiça por via da apreciação dos fatos e
sua subsunção à lei e não para atender o grito histriônico dos que querem um
show de ataque aos direitos fundamentais.
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