terça-feira, 20 de dezembro de 2016

A SOLIDARIEDADE INUSITADA

A solidariedade inusitada

Eugênio Aragão
Há algumas semanas, sugeri que a ministra Carmen Lúcia, na qualidade de presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça, não faria bem em se solidarizar com juiz federal de primeiro grau que ordenara um jabaculê no Senado. Afinal, a iniciativa era mui controversa e não cabia à ministra, que preside um órgão de controle externo do poder judiciário, bater boca com o presidente do Senado, que cumpria seu papel político ao demonstrar sua indignação com a invasão do espaço legislativo, ainda que chamara, o juiz de piso, de “juizeco”. Afinal, um “je suis juizeco” não pegava bem para a ministra.

Hoje se anunciou declaração do senhor procurador-geral da república, em que critica de forma dura a propositura de ação por danos morais pelo Ex-Presidente Lula contra o procurador Dallagnol, de Curitiba, por este ter protagonizado espetáculo deprimente de entrevista coletiva em que exibira um “PowerPoint” simplório, para atribuir ao ex-chefe do Executivo Federal, a qualidade de “comandante do esquema Petrobras”.

Tanto quanto Renan, Lula está no seu direito de indignar-se e o procurador-geral da República não anda bem em atacá-lo por isso. Inusitado é o chefe do parquet se solidarizar com quem é acusado de violar a honra e a reputação de Lula, pois também ele, o procurador-geral da República, preside um órgão de controle externo, o do ministério público, que pode vir a ser chamado a dizer sobre os excessos do procurador integrante da chamada força tarefa da operação “Lava-Jato”. Um “Je suis Dallagnol” é tão despropositado quanto um “Je suis juizeco”.
Não é de hoje que o tom do conflito entre instituições do Estado tem subido muito acima do aceitável. Gritos de juiz em audiência, porque atribui a advogados do réu “abuso de direito de defesa”, quando da insistência em perguntas a testemunhas, são tão grotescos quanto querer sugerir “cerceamento da acusação”, porque o réu não aceita a pornográfica violação da presunção de sua inocência por um membro do ministério público e busque responsabilizá-lo na justiça.

O tom de hostilidade à defesa e a advogados foi inaugurado no famigerado processo do mensalão, com os estribilhos incensurados do então relator, ministro Joaquim Barbosa. Como o exemplo vem de cima, parece que, com essa atitude, abriu-se a temporada de caça aos causídicos defensores. E a ordem dos advogados permanece estranhamente em silêncio.

A investigação da “Lava-Jato” tem sido um festival de abusos contra garantias processuais mais comezinhas, numa conivência entre o complexo policial-judicial e a mídia, com indisfarçável escopo de atingir a reputação de alguns bem escolhidos atores políticos. Quando interessa fazer barulho, investigados são presos ou conduzidos com ostensivo aparato repressivo, sendo mostrados publicamente algemados.

Que se dane a excelsa súmula vinculante Daniel Dantas, que veda o uso de algemas quando não há resistência do detido ou do conduzido! Nem se vê, por sinal, o STF, através de seus eloquentes ministros, exigir o cumprimento de dita súmula. Aliás, como é notório, a operação Lava-Jato tem se excedido, também, nas próprias conduções coercitivas, sem que se desse razão para tanto. Investigados são exibidos de forma constrangedora “de baraço e pregão pelas ruas da villa”, no melhor estilo das Ordenações Filipinas.

Triste é constatar que o senhor procurador-geral da República, ao invés de cumprir com seu papel de chefe da instituição a que incumbe a proteção dos direitos fundamentais, prefere se identificar com quem os fere e bater boca com quem não se conforma. Está claro, desde já, que se o presidente Lula for representar contra esses abusos ao chefe do ministério público federal, como é legitimo, vai encontrar oiças mocas, pois este já declarou: “Je suis Dallagnol”.

Este episódio mostra mais uma vez o quanto é urgente debater na sociedade e no legislativo a responsabilização de agentes públicos por abuso de autoridade, pois se nem o Congresso e nem um ex-presidente da República respeitam, o que se dirá do cidadão comum? Corporativismo e populismo são infelizmente duas pragas que corroem nossas instituições mais caras para a democracia, que, com isso, se tornam incapazes de defender quem delas mais precisa.

Jogam para uma plateia irada, sedenta por assistir a um massacre de gladiadores na arena do Coliseu. E, com isso, nem tanto pelo pão, mas muito pelo circo, as instituições ganham a simpatia das massas, num projeto evidente de poder da respectiva corporação.

Cantem ao povo uma nova canção, senhores procuradores e, quem sabe, consigam reverter sua a desmoralização que não tardará: a democracia não precisa de heroicos salvadores da pátria, mas, sim, de magistrados equilibrados que façam justiça por via da apreciação dos fatos e sua subsunção à lei e não para atender o grito histriônico dos que querem um show de ataque aos direitos fundamentais.


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