No que e para
quem o golpe deu certo
Emir Sader
Há uma lógica nessa loucura, citando
Shakespeare, para falar do governo do golpe. De certo ponto de vista, tudo
parece uma loucura. O país foi mergulhado numa depressão econômica profunda, o
patrimônio público está sendo rifado a qualquer preço, os direitos da grande
maioria da população estão sendo abolidos, o prestígio externo do país nunca foi
tão baixo, o governo está assediado por acusações de corrupção para grande
parte dos seus membros, o apoio do governo se aproxima rapidamente do zero, a
imagem do ‘presidente’ é a pior possível, suas gafes se sucedem diariamente.
Mas embora muita gente prognostique,
semanalmente, a queda do governo, ele sobrevive. E não apenas por inércia,
embora esta conte. Porque ele está cumprindo com o programa pelo qual o Michel Temer
se candidatou a assumir a presidência.
Mas antes mesmo de abordar os
retrocessos que estão sendo colocados em prática pelo governo surgido do golpe,
está o primeiro objetivo, que uniu toda a direita: tirar o PT do governo. Nisso
o golpe deu certo, pelo menos até aqui, enquanto tenta impedir o retorno de
Lula ao governo.
Mas teve outra vitória política
importante também: a criminalização do PT no bojo da campanha pelo golpe, assim
como, na mesma operação ideológica, a desqualificação do Estado, como espaço
supostamente privilegiado de corrupção – de que a Petrobras seria uma parte importante.
Além dessa mudança no panorama
ideológico, estão as medidas de acelerado retrocesso, pelas quais o governo
paga o preço caro da impopularidade, mas não deixa de avançar, atendendo às
demandas do capital financeiro e da grande mídia.
Os retrocessos nos direitos sociais, com
o ajuste fiscal reorganizando radicalmente o gasto público, penaliza fortemente
quem o governo quer fazer pagar o preço pela crise: os trabalhadores e o
conjunto da população pobre.
O conjunto de iniciativas antipopulares
compõe um pacote que eleva o exploração do trabalho, deixa mais vulneráveis
ainda os trabalhadores para as negociações salariais, pressionadas também pelo
desemprego recorde.
A retirada da rede de proteção social
agudiza fortemente a crise social, com os cenários das nossas cidades de novo
povoados por grande quantidade de pessoas e famílias inteiras dormindo e
vivendo nas ruas. Com o retorno das crianças vendendo balas nas esquinas. A
desigualdade aumenta, assim como a exclusão social e o abandono de camadas cada
vez maiores da população.
Por outro lado, o patrimônio público, em
particular o da Petrobras, vai sendo liquidado a preços vis para empresas
estrangeiras, ao mesmo tempo em que se destrói a indústria naval, terminando
com o conteúdo local e importando plataformas, ao invés de fabricá-las aqui.
O resultado é catastrófico para a massa
da população e para todo o país. Para as condições de vida da população e para
o lugar do Brasil no mundo.
Mas a lógica dessa loucura é que há quem
ganhe com tudo isso.
Aqui dentro, ganham, sobretudo, os
bancos privados – que contam a seu favor também com o enfraquecimento dos
bancos públicos. Lá fora, ganham os EUA, com o enfraquecimento da presença
autônoma do Brasil no mundo e a passagem a uma política de muito baixo perfil e
de subserviência. Se desmontam as políticas de alianças na América Latina e com
os BRICS, que tanto atemorizam aos EUA.
O golpe deu certo para a direita
brasileira, derrotada quatro vezes nas urnas, mas que encontrou a via do golpe
para voltar ao governo.
Deu certo para os inimigos externos de
um Brasil independente e soberano.
Perdem o país, o povo brasileiro, a
democracia, o Estado, os direitos dos trabalhadores, a soberania externa.
É uma loucura para a grande maioria e
uma lógica cruel e seletiva para a ínfima minoria dos mais ricos.
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