Para entidades, relatório sobre direitos humanos apresentado por Brasil à ONU está distante da realidade
'Apresentação do Brasil não é do Brasil', diz Sônia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas; comunidade internacional chamou a atenção para problemas centrais no país e criticou Emenda Constitucional 95, que congela gastos públicos
Ativistas, membros de movimentos sociais, parlamentares e representantes de organizações da sociedade civil criticaram duramente o relatório sobre a situação de direitos no Brasil, apresentado pelo governo de Michel Temer para a ONU na última sexta-feira (05/05), em sessão que reuniu representantes dos 193 países-membros das Nações Unidas. Para eles, o documento está distante da realidade, assume compromissos vagos e não aborda de maneira efetiva temas críticos do país, como o desastre ambiental de Mariana (MG), a demarcação de terras indígenas e a violência policial.
O grupo de trabalho da Revisão Periódica Universal (RPU) da ONU apresentou relatório sobre direitos humanos no Brasil para a comunidade internacional em Genebra, na Suíça. A Organização das Nações Unidas denunciou temas como falhas nas políticas de combate à discriminação e ao trabalho escravo, além da ineficiência nas ações para garantia de direitos de pessoas presas e do elevado número de pessoas encarceradas no país.
O Brasil recebeu recomendações de 109 países sobre temas importantes relacionados a direitos humanos e a ministra da área, Luislinda Valois, apresentou o relatório oficial do país – que foi redigido duas vezes, devido a críticas de movimentos sociais para a primeira versão. Segundo o documento do governo, o país destacou ações que estão sendo tomadas para garantir segurança alimentar, direitos dos povos indígenas, combate a discriminação, violações do sistema carcerário, entre outros temas, além de assumir o compromisso de reduzir em 10% a população carcerária até 2019.
“Essa redução é tímida diante do encarceramento em massa do país, que tem a quarta maior população carcerária do mundo. Talvez, em 2019, reduzir 10% da população carcerária seja voltar ao total que temos hoje. Além disso, não foram discutidas medidas concretas de como isso vai ser alcançado. O desencarceramento depende da necessidade de uma revisão da lei de drogas, de alternativas penais e do compromisso contra a redução da maioridade penal”, disse a representante da Conectas Direitos Humanos, Pétalla Timo. “Há um descolamento entre discurso diplomático apresentado e a realidade que a gente enfrenta.”
O rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, o mais grave desastre ambiental da história do país, mereceu menos de 15 palavras no relatório oficial do governo brasileiro. Outros temas importantes para o país permaneceram fora do documento final, como a repressão policial em protestos e a aprovação da Emenda Constitucional 95, que congela o investimento público em áreas como saúde e educação pelos próximos 20 anos.
“Vi o relatório apresentado pela ministra e fiquei me questionando: esse documento é do Brasil ou do País das Maravilhas?”, disse o deputado Paulo Fernando dos Santos (PT-AL), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), que assistiu à audiência em Genebra. “Aquele relatório não representa o sentimento do povo brasileiro que no último dia 28 fez a maior greve do país nos últimos 30 anos”, afirmou, em um evento paralelo de avaliação do documento brasileiro, realizado por movimentos sociais após a sessão das Nações Unidas.
Liberdade de expressão
O parlamentar convidou um grupo de relatores da ONU, entre eles profissionais ligados a liberdade de expressão e direitos dos povos indígenas, para uma missão para averiguar a situação de direitos humanos no Brasil. “Como é possível implantar políticas públicas que vários países recomendaram quando políticas de desenvolvimento regional tiveram redução de 81% do orçamento, moradia digna 56%, reforma agrária 52,6% igualdade racial 42,2% e direitos das mulheres 40%? O orçamento dos principais programas sociais reduziu 14%, a educação 10% e o Bolsa Família 7,4%”, destacou o deputado.
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Reprodução

Brasil foi sabatinado em sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra, na Suíça
Brasil foi sabatinado em sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra, na Suíça
A revisão periódica é um processo único que envolve um exame da situação dos direitos humanos de todos os Estados-membros das Nações Unidas a cada quatro anos e meio. Todos os governos apresentaram relatórios mostrando as medidas que tomaram para promover recomendações feitas nas revisões anteriores e quais políticas adotaram para avançar na proteção aos direitos humanos.
A comunidade internacional chamou a atenção para problemas centrais no Brasil e houve menções de diversos países aos programas Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida e Mais Médicos, todos dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Uma das políticas mais mencionadas foi o Plano Nacional de Educação, que prevê a aplicação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a área, mas que tem sua efetividade ameaçada pela Emenda Constitucional 95, que foi criticada por países como Japão, a China e a África do Sul.
“Essa audiência na ONU é um instrumento de pressão social no território brasileiro fazendo com que governo Temer, que não dialoga com sociedade civil, tenha de responder também à comunidade internacional”, disse o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, que esteve em Genebra.
Pelo menos 30 países fizeram recomendações ao Brasil sobre direitos dos povos indígenas. “Os três poderes estão alinhados e aliados entre si para retroceder em direitos e atacar diretamente os povos indígenas, tendo como foco central a briga pelos territórios, além de mudanças na legislação para favorecer o agronegócio”, disse a representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Sônia Guajajara.
“A gente continua pensando que a apresentação do Brasil não é do Brasil. Todos os itens apresentados como avanços são temas que o governo está tentando desconstruir. Um delas é a demarcação de terras indígenas. O governo diz que nós temos gestão plena dos territórios, mas na prática temos a redução orçamento da Funai em 50%, loteamento dos seus cargos, que estão sendo entregues a partidos políticos, e ainda o corte de pelo menos 80 cargos de servidores”, afirmou Sônia.
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