quinta-feira, 11 de maio de 2017

Sobre o depoimento de Lula


De Francisco Horta
Vi as cinco horas do depoimento do Lula ao Moro e é preciso que se
registrem algumas coisas:

1) Moro foi extremamente cortês no trato e inflexível em sua tese. Na
história aprendemos a reconhecer os meta-textos, que são ideias
subjacentes ao que se diz abertamente, que o sujeito deixa
transparecer em suas ações ou falas. Moro se arroga o direito de
avaliar moralmente e politicamente Lula. Um advogado mais velho se
esganiçou dizendo que o "juiz tem direito de medir até moralmente o
réu" ... talvez tivesse, quando este advogado se formou. Estamos no
século XXI e hoje se sabe que julgamento moral é quase como uma
condenação sumária. É não jurídico, portanto.

2) O ministério público é rizível. Fiquei chocado de saber que o
primeiro procurador é sustentado pelo país para fazer aquele papel. E
recebe muitíssimo bem. O segundo procurador foi melhor e mais
profissional. Penso que fez bem o seu papel. Ele tem que apertar mesmo
o Lula. É a função.

3) a defesa de Lula fez o bom combate. Criminalizada como é sempre por
Moro. Já assisti outros depoimentos e Moro faz sempre a mesma coisa.
Ele parece não conhecer teoria jurídica, pois a defesa nunca ATRAPALHA
o processo jurídico (como ele afirma). A defesa é PARTE integrante do
próprio veredicto. É no jogo dialético entre acusação e defesa que o
juiz DEVERIA se pautar. Assim, é do interesse DO JUIZ ouvir a defesa.
E quanto mais aguerrida ela for, maior será a convicção do juiz para
condenar ou absolver. Isto, claro, contando que o juiz não tenha
convicção a priori. Se ele já se convenceu, aí sim a defesa atrapalha.

4) Moro faz uso, com polidez, de três grandes erros que nós,
historiadores, aprendemos a reconhecer de pronto: a) Moro faz
afirmações anacrônicas e procura confundir a temporalidade dos fatos
para o acusado. As relações de causa e efeito são sempre datadas. É
preciso que a defesa atente a isto. b) A causa de um evento ocorrido
em X momento é uma, e o evento ocorrido adiante no tempo não tem
NECESSARIAMENTE relação. Trocando em miúdos, não é porque A aconteceu
antes de B que A é causa de B. E pode-se dizer que o que causou B pode
não ter efeito em A e vice versa. Não é possível PRESUMIR uma
causalidade operante ao longo de período tão longo, senão por
convicção anterior de culpa.
Dou um exemplo prático. Um casal era casado por dez anos e numa briga
decide se separar. Um dos indivíduos envolvidos sai naquela noite e
encontra outra pessoa. Ficam juntos. Quem enxerga a história pode
dizer que a separação ocorreu porque tal indivíduo JÁ tinha a relação
com a outra pessoa. Mas isto não necessariamente é correto. Ele pode,
realmente, ter conhecido a pessoa naquela noite e os fatos apenas
serem sequência temporal um do outro e não terem correlação causal. Na
ciência, no primeiro semestre de qualquer disciplina de introdução
científica, ensinamos que "correlação não é causação". E para o crime
é preciso provar a causa. c) Moro é teleológico. E talvez este seja o
pior dos seus defeitos. Ele tentou montar uma narrativa explicando o
passado através dos desembaraços que este passado teve. Acontece que
ele Moro conhece os desdobramentos porque está adiante no tempo, mas o
sujeito que toma a decisão não. Ele tenta culpabilizar o presidente
por indicar a pessoa A ou B. Sabendo - hoje - que a pessoa foi pega em
corrupção. E quando ele pergunta ao Lula se o presidente sabia (e esta
é a pergunta-chave) o presidente nega. A questão é que NÃO HÁ COMO
provar que o presidente sabia. Por isto o direito exige culpa objetiva
em processo criminal. Mas se Moro se convencer que sim (e acho que nem
precisamos ser gênios para vermos que ele já tomou a decisão) Lula
será condenado. E será condenado teleologicamente por uma Teoria do
Dominío do Fato camuflada com um julgamento moral, que reproduz
exatamente o argumento de senso comum dos fascistas: "Não tinha como o
presidente não saber". Baseado numa impossibilidade lógica de
comprovação, comprova-se a tese por negação. Um absurdo lógico que
arrepia.

Por fim, Lula transforma tudo o que o atinge em palanque. Isto é uma
habilidade rara. Poucos líderes conseguiam fazer isto. Ouvindo Lula,
recordei-me das acusações que fizeram a Roosevelt no final da sua
vida, quando disseram que ele era "soft with commies" (amigo dos

comunistas). Esta acusação era o que de mais absurdo existia nos EUA
na época. Roosevelt disse que se ele tivesse que ser "soft" com quem
quer que fosse para que os EUA fossem grandes e estivessem seguros
"ele faria este supremo esforço". Roosevelt invertia a acusação se
fortalecia. Fidel, em uma entrevista, foi perguntado se era verdade
que Cuba era um país tão pobre que universitárias precisavam se
prostituir. O velho líder comunista disse "não! Em Cuba a educação é
tão universal e um valor tão importante, que até mesmo nossas
prostitutas tem nível universitário".
Lula é assim. Isto não tem lado político. Isto é qualidade pessoal.
Penso que Lula sai maior do que entrou. Mas acho que Moro já o
condenou. Desde 2009. Precisa apenas achar o crime. Qualquer um serve.
Ainda que imaginário.

Edit 1: Uma coisa que me chama a atenção é Moro fazer PRIMEIRO as
perguntas. Me parece um protagonismo que fala muito. Primeiro, eu
quero ouvir a acusação. Ele fez tanta pergunta que chegou a dizer ao
promotor que tal pergunta ele, Moro, já tinha feito. Ora, se isto não
é uma comprovação de quem efetivamente está no polo ativo da ação
então não sei mais nada.
De Francisco Horta

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