Antifascismo
Como nasce o neofascismo no Brasil
Uma legião de pessoas frustradas com a crise, desemprego e escândalos de corrupção deseja mudança. Assim está plantada a semente do neofascismo.
17/12/2018 10:20
Créditos da foto: (Paulo Whitaker/Reuters)
No início existia um Sonho (Americano)
O linguista e filósofo Noam Chomsky define o sonho americano como uma expectativa de mobilidade de classe: você nasce pobre, trabalha muito e fica rico. Apesar de o conceito ser americano podemos falar de um sonho de melhorar de vida no Brasil. Esta visão da sociedade se apoia em hipóteses sobre o funcionamento da sociedade e da economia que são muito irracionais. Primeiro é preciso uma economia que funcione próximo da perfeição: sem crises, sem corrupção, mercados produzindo e vendendo em crescimento, etc. Segundo devem existir mecanismos de mobilidade social que funcionem; e terceiro, oportunidades para todos que querem trabalhar e crescer. Sem me alongar nessas hipóteses que devem ser respeitadas ao pé da letra, podemos dizer que deve existir uma sociedade hierárquica onde quem trabalha pode subir na pirâmide social e ter uma vida melhor.
Existe uma versão abrasileirada deste sonho. Não muda muita coisa em termos teóricos, mas em termos práticos vemos que em pouquíssimas épocas as pessoas melhoraram as condições de vida no Brasil devido essa suposta sociedade hierárquica. Nos EUA também foram poucas épocas como o pós-guerra. Aqui podemos citar o “Milagre” econômico que durou entre 1968 e 1973. No Brasil tem a ideia do eterno gigante adormecido ou que somos uma grande potência que ainda não emergiu devido seus vários problemas estruturais sempre esteve no imaginário popular.
O ovo da serpente.
Deixando de lado as teorias sobre a economia politica podemos perceber que o povo sofre ao longo do tempo com todos os problemas estruturais como educação precária, impostos sobre o consumo, corrupção, falta de industrialização, desemprego, etc. E esses problemas não são resolvidos concretamente, apenas medidas parciais são tomadas ao longo da história. A partir deste cenário político e econômico nascem consequências na psicologia das massas.
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche dizia que o problema não é sofrimento em si, mas a falta de sentido do sofrimento que nos revolta. Com a crise aumentou o número de desempregados e pessoas que passaram para o setor informal. Pelo menos 8 milhões de pessoas se arrastam desempregadas desde 2015. E este número vem aumentando desde 2014 quando a crise começa a se aprofundar no Brasil. Isso significa que algumas pessoas ficaram sem renda por mais de um ano e depois de alguns meses desempregadas essas pessoas passam para o setor informal (sem carteira) ou viraram trabalhadores por conta própria. E os que já estavam no setor informal reduzem ainda mais sua renda e aumentam a chance de ficarem abaixo da linha da pobreza. Do outro lado as pessoas que mantiveram seus empregos perderam outra coisa: as esperanças de um futuro melhor.
O filho que iria terminar a faculdade não terá um emprego garantido, a compra do carro novo será adiada, o parente desempregado precisa ser mantido, etc. Todo esse movimento de retrocesso cria uma legião de pessoas frustradas. Até então essa legião de frustrados acreditava que sofria por causa da crise. Contudo os diversos escândalos de corrupção e a repetida acusação da esquerda como causadora da crise e envolvida em escândalos feita pela grande mídia mudou a forma de pensar. Com a eleição de 2014 e o golpe consecutivo contra a Presidenta Dilma pode-se perceber que a ideia que quem criou a crise foi o PT se consolidou.
O Fascismo
Essa legião de pessoas frustradas é um terreno fértil para a ascensão do fascismo. Foi assim na Alemanha na década de 1930 com uma população frustrada no meio de uma crise econômica internacional. E assim como na Alemanha as pessoas precisam de um culpado pela sua frustração; naquela época eram os imigrantes (judeus) que tomavam o emprego dos alemães. No Brasil é um partido dito como corrupto que favorece apenas seus dirigente e as minorias. Assim os “esquerdistas” e os beneficiados pelas políticas assistencialistas são culpados pela crise.
É possível perceber a passagem de um ente abstrato - A CRISE - para um ente concreto – Lula, Dilma, Haddad, o PT. Agora eles têm um ser real para onde direcionar a frustração, o sofrimento e a raiva. Agora tem um sentido e um culpado pelo sofrimento. Melhor ainda, por ser um ano eleitoral é possível uma ação de vingança votando contra o PT e fazendo campanha para seu opositor (Bolsonaro). Esse sentimento foi trabalhado durante esses quatro anos entre uma eleição e outra (2014-2018). Assim foi um processo de vingança pelo sofrimento nas urnas. Foi uma tarefa colossal direcionar esses afetos por se tratar de um partido enorme como o PT. Assim como a tarefa de desconstruir esse sentimento foi grande demais para a militância do PT na campanha. Pode-se perceber que o crescimento de Bolsonaro como alternativa é natural e uma explicação para sua expressiva votação e vitória. Com o inimigo definido começa um policiamento por pequenos grupos que vai perseguir e agredir esses esquerdistas já durante a campanha.
Entretanto, a onda neofascista que vem a reboque da ascensão da direita no mundo e no Brasil não se resume a derrota de uma eleição, mas a legitimação de uma forma de sociedade hierárquica e autoritária. Pela exigência das hipóteses mostradas acima é normal que essa sociedade não funcione, por isso precisa ser feita de forma autoritária. E para essa sociedade funcionar é preciso tirar os elementos que atrapalham. Para os alemães eram os judeus, aqui são os esquerdistas (petistas, feministas, mst, movimento negro, nordestinos, etc.). O perigo fica visível a partir do momento que uma figura fascista chega ao poder executivo e de carona propostas que tendem ao fundamentalismo religioso e ao avanço do neoliberalismo.
José Jaime da Silva é economista formado pela UFPE e mestre em estatística pela ENCE (Escola Nacional de Ciências Estatísticas), atualmente é assistente de pesquisa no IPEA
O linguista e filósofo Noam Chomsky define o sonho americano como uma expectativa de mobilidade de classe: você nasce pobre, trabalha muito e fica rico. Apesar de o conceito ser americano podemos falar de um sonho de melhorar de vida no Brasil. Esta visão da sociedade se apoia em hipóteses sobre o funcionamento da sociedade e da economia que são muito irracionais. Primeiro é preciso uma economia que funcione próximo da perfeição: sem crises, sem corrupção, mercados produzindo e vendendo em crescimento, etc. Segundo devem existir mecanismos de mobilidade social que funcionem; e terceiro, oportunidades para todos que querem trabalhar e crescer. Sem me alongar nessas hipóteses que devem ser respeitadas ao pé da letra, podemos dizer que deve existir uma sociedade hierárquica onde quem trabalha pode subir na pirâmide social e ter uma vida melhor.
Existe uma versão abrasileirada deste sonho. Não muda muita coisa em termos teóricos, mas em termos práticos vemos que em pouquíssimas épocas as pessoas melhoraram as condições de vida no Brasil devido essa suposta sociedade hierárquica. Nos EUA também foram poucas épocas como o pós-guerra. Aqui podemos citar o “Milagre” econômico que durou entre 1968 e 1973. No Brasil tem a ideia do eterno gigante adormecido ou que somos uma grande potência que ainda não emergiu devido seus vários problemas estruturais sempre esteve no imaginário popular.
O ovo da serpente.
Deixando de lado as teorias sobre a economia politica podemos perceber que o povo sofre ao longo do tempo com todos os problemas estruturais como educação precária, impostos sobre o consumo, corrupção, falta de industrialização, desemprego, etc. E esses problemas não são resolvidos concretamente, apenas medidas parciais são tomadas ao longo da história. A partir deste cenário político e econômico nascem consequências na psicologia das massas.
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche dizia que o problema não é sofrimento em si, mas a falta de sentido do sofrimento que nos revolta. Com a crise aumentou o número de desempregados e pessoas que passaram para o setor informal. Pelo menos 8 milhões de pessoas se arrastam desempregadas desde 2015. E este número vem aumentando desde 2014 quando a crise começa a se aprofundar no Brasil. Isso significa que algumas pessoas ficaram sem renda por mais de um ano e depois de alguns meses desempregadas essas pessoas passam para o setor informal (sem carteira) ou viraram trabalhadores por conta própria. E os que já estavam no setor informal reduzem ainda mais sua renda e aumentam a chance de ficarem abaixo da linha da pobreza. Do outro lado as pessoas que mantiveram seus empregos perderam outra coisa: as esperanças de um futuro melhor.
O filho que iria terminar a faculdade não terá um emprego garantido, a compra do carro novo será adiada, o parente desempregado precisa ser mantido, etc. Todo esse movimento de retrocesso cria uma legião de pessoas frustradas. Até então essa legião de frustrados acreditava que sofria por causa da crise. Contudo os diversos escândalos de corrupção e a repetida acusação da esquerda como causadora da crise e envolvida em escândalos feita pela grande mídia mudou a forma de pensar. Com a eleição de 2014 e o golpe consecutivo contra a Presidenta Dilma pode-se perceber que a ideia que quem criou a crise foi o PT se consolidou.
O Fascismo
Essa legião de pessoas frustradas é um terreno fértil para a ascensão do fascismo. Foi assim na Alemanha na década de 1930 com uma população frustrada no meio de uma crise econômica internacional. E assim como na Alemanha as pessoas precisam de um culpado pela sua frustração; naquela época eram os imigrantes (judeus) que tomavam o emprego dos alemães. No Brasil é um partido dito como corrupto que favorece apenas seus dirigente e as minorias. Assim os “esquerdistas” e os beneficiados pelas políticas assistencialistas são culpados pela crise.
É possível perceber a passagem de um ente abstrato - A CRISE - para um ente concreto – Lula, Dilma, Haddad, o PT. Agora eles têm um ser real para onde direcionar a frustração, o sofrimento e a raiva. Agora tem um sentido e um culpado pelo sofrimento. Melhor ainda, por ser um ano eleitoral é possível uma ação de vingança votando contra o PT e fazendo campanha para seu opositor (Bolsonaro). Esse sentimento foi trabalhado durante esses quatro anos entre uma eleição e outra (2014-2018). Assim foi um processo de vingança pelo sofrimento nas urnas. Foi uma tarefa colossal direcionar esses afetos por se tratar de um partido enorme como o PT. Assim como a tarefa de desconstruir esse sentimento foi grande demais para a militância do PT na campanha. Pode-se perceber que o crescimento de Bolsonaro como alternativa é natural e uma explicação para sua expressiva votação e vitória. Com o inimigo definido começa um policiamento por pequenos grupos que vai perseguir e agredir esses esquerdistas já durante a campanha.
Entretanto, a onda neofascista que vem a reboque da ascensão da direita no mundo e no Brasil não se resume a derrota de uma eleição, mas a legitimação de uma forma de sociedade hierárquica e autoritária. Pela exigência das hipóteses mostradas acima é normal que essa sociedade não funcione, por isso precisa ser feita de forma autoritária. E para essa sociedade funcionar é preciso tirar os elementos que atrapalham. Para os alemães eram os judeus, aqui são os esquerdistas (petistas, feministas, mst, movimento negro, nordestinos, etc.). O perigo fica visível a partir do momento que uma figura fascista chega ao poder executivo e de carona propostas que tendem ao fundamentalismo religioso e ao avanço do neoliberalismo.
José Jaime da Silva é economista formado pela UFPE e mestre em estatística pela ENCE (Escola Nacional de Ciências Estatísticas), atualmente é assistente de pesquisa no IPEA
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