terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Mangabeira Unger attacks again

Mangabeira Unger attacks again. Por Valter Pomar

 
Magabeira Unger (Foto: Agência Brasil)
Publicado originalmente no blog do autor
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POR VALTER POMAR, historiador
No dia 15 de dezembro de 2018, o jornal Folha de S.Paulo publicou uma interessante entrevista com o professor Mangabeira Unger.
Mangabeira é professor em Harvard. Sua trajetória política inclui uma passagem pelo governo Lula e o apoio à candidatura de Ciro Gomes a presidente em 2018.
Logo no início da entrevista, Mangabeira afirma que a eleição de 2018 foi “um plebiscito sobre a volta do PT”, no qual uma “maioria decisiva dos brasileiros estava disposta a pagar quase qualquer preço para evitar o retorno do PT”.
Por quais motivos teria surgido esta suposta disposição, veremos adiante.
De toda forma, é a partir desta premissa que Mangabeira afirma que o PT e o Lula “deveriam ter tido a grandeza de reconhecer que a maioria dos brasileiros não aceitaria a volta do PT”.
Não captei a lógica matemática de Mangabeira, pois os 57 milhões que votaram em Bolsonaro não são a maioria dos eleitores, muito menos a “maioria dos brasileiros”.
Mas entendi a lógica política de Mangabeira: ao afirmar que a eleição estava perdida desde o início, ele se dá ao direito de não falar do golpe, da interdição da candidatura Lula, dos crimes eleitorais cometidos pela campanha de Bolsonaro, da atitude dos que lavaram as mãos no segundo turno.
Nada disto importa, pois segundo Mangabeira “não havia qualquer chance de vitória do candidato do PT, mesmo que Lula pudesse ter sido candidato”.
Esta afirmação de Mangabeira contradiz todas as pesquisas que foram publicadas ao longo de 2018, antes da interdição de Lula.
Mas é muito útil para os que defendem a performance do juiz Moro, da maioria do TRF4, do STF e do TSE.
Afinal, se não havia “qualquer chance” de Lula vencer, então a condenação, a prisão e a interdição não teriam influído no resultado da campanha.
E que conclusão Mangabeira tira dessa “narrativa”?
Bidu: a de que o “natural” é que o PT “desde o início tivesse apoiado Ciro”.
A palavra “natural” faz sentido, pois o que Mangabeira está efetivamente sugerindo é que o PT deveria ter “naturalizado” o golpe, “naturalizado” a interdição de Lula, “naturalizado” a retirada da disputa política de um Partido que recebeu 31 milhões de votos no primeiro turno, demonstrando ter várias vezes mais votos que Ciro.
A falta de lógica no raciocínio de Mangabeira é tão evidente, que a Folha pergunta: “E por que Ciro não venceu?”.
A resposta de Mangabeira é reconhecer que Ciro e seus aliados cometeram um erro.
Registro que acho admirável esta capacidade de síntese: um erro, um único erro.
E qual erro teria sido?
O de ter ficado no “meio termo” entre “dois caminhos”.
Um caminho teria sido aceitar ser vice de Lula, para depois virar cabeça de chapa.
Outro caminho teria sido romper desde o início com o PT.
Se Ciro não tivesse ficado no “meio termo”, ele teria conseguido vencer?
Mangabeira dá a entender que sim. Ou seja: se Ciro tivesse se aliado ao PT, poderia ter vencido. E se tivesse rompido totalmente com o PT, poderia ter vencido.
Que Ciro acreditava nisso, todos sabemos. Ele chegou até mesmo a se apresentar, durante uma entrevista, como o “futuro presidente do Brasil”.
Qual a base racional dessa certeza, Mangabeira não deixa claro.
Não devem ser algumas pesquisas publicadas ao longo do primeiro turno, pois afinal se as pesquisas forem aceitas para estimar as chances de Ciro, deveriam ser aceitas, também, para estimar as chances de Lula, aquele que segundo Mangabeira não teria “qualquer chance”.
Ciro teria vencido, segundo Mangabeira, se tivesse adotado uma de duas posições antagônicas.
Noutros termos: se fosse o candidato do PT contra a direita, ou se fosse o candidato da direita contra o PT.
Deixemos de lado os sentimentos que nos causam quem admite ser água ou ser azeite, desde que isso lhe permita vencer as eleições.
O que importa é que Mangabeira reconhece que a eleição estava polarizada entre petismo e antipetismo, logo Ciro só poderia vencer se ocupasse um dos polos.
Neste momento, fica claro como a “narrativa” de Mangabeira é generosa com Ciro Gomes.
Afinal, não é exato dizer que Ciro tenha ficado no “meio termo”.
Pois quem estivesse neste lugar não teria atacado o PT e Lula como Ciro atacou. Nem teria se ausentado de todos os atos contrários à condenação e à prisão de Lula.
O fato é que Ciro tentou ser o candidato da centro-direita contra o PT.
Como esta operação não teve êxito, ele tentou ser o candidato da centro-esquerda sem o PT.
E depois de tanto ziguezague, terminou sozinho, abandonado pelos que ele queria como aliados de centro-direita e como aliados de centro-esquerda.
Mais exato, portanto, seria dizer que o ziguezague de Ciro durante a campanha passou, para alguns setores, a impressão de que ele estaria no “meio termo”.
Seja como for, a questão é: segundo Mangabeira, Ciro poderia ganhar a eleição, desde que tivesse o apoio de Lula. Ou seja, o PT poderia ganhar a eleição, desde que tivesse Ciro como candidato a presidente.
Convenhamos que isto enfraquece “um pouco” a tese segundo a  qual o PT perderia a eleição com qualquer um.
Agora, alguém acredita que o “sistema” trataria Ciro Gomes com luva de pelicas, caso ele fosse o candidato apoiado pelo PT?
Voltemos à entrevista: a Folha pergunta se ao não declarar voto em Haddad no segundo turno, Ciro teria buscado consolidar o afastamento do PT.
A resposta de Mangabeira é extremamente reveladora: “Tarde demais para superar os males gerados por essa ambiguidade”.
Ou seja, a resposta é… sim, ao não declarar voto em Haddad, Ciro teria buscado consolidar o afastamento do PT.
Portanto, segundo Mangabeira, a postura de Ciro Gomes no segundo turno era uma versão tardia da postura de “romper com o PT”.
Ajustando as palavras ditas por Mangabeira sobre o povo, no segundo turno Ciro demonstrou estar disposto a “pagar quase qualquer preço para evitar o retorno do PT”.
Na mesma resposta, Mangabeira diz outra coisa muito interessante: “Ciro passou muito tempo explicando-se para as classes ilustradas e endinheiradas, que na maioria jamais votariam nele, em vez de buscar o povão”.
Repito: Ciro não buscou o povão, Ciro gastou tempo com os endinheirados, que “na maioria jamais votariam nele”. Mas para buscar o povão, Ciro precisaria estar com o PT. O que ele não quis.
Aqui vai surgindo a terrível conclusão, que Mangabeira não expressa desta forma, mas que fica implícita em seu raciocínio: para que esta situação vivida por Ciro em 2018 não se repita futuramente, é preciso que antes das próximas eleições o PT seja destruído, ou a partir de dentro, ou a partir de fora.
Esta hipótese parece contraditória com o fato de Mangabeira, segundo ele próprio, ter defendido que Ciro se compusesse com o PT em 2018.
Mas leiamos com atenção a afirmação de Mangabeira: se Ciro escolhesse o acerto com o PT, não havia nenhum risco de que, no poder, Ciro se conduziria como “instrumento do lulismo”, pois Ciro não seria um “poste”.
Se eu entendi direito, o ilustre professor de Harvard está deixando claro que defendia o acordo, como um expediente tático, para ganhar a eleição.
Mas se Ciro ganhasse, Mangabeira defende que Ciro desse uma “rasteira” no PT, atitude embelezada pela afirmação de que haveria uma diferença “substantiva” entre os projetos defendidos pelo PT e por Ciro.
Uma pausa para a reflexão daqueles que defenderam que o PT deveria apoiar Ciro em nome de tentar impedir a direita de chegar ao governo, e que agora são informados sobre o que Mangabeira acha que Ciro faria em seguida contra o PT, e que logo adiante serão informados que o programa de Ciro teria pontos de afinidade com o de Bolsonaro.
Outra pausa para reflexão: de um lado temos um partido com várias lideranças, de outro lado temos uma pessoa. Não surpreende, portanto, a facilidade com que Ciro pode se mover de uma posição a outra. Mas surpreende como se acha possível, com este nível de organicidade, governar um país.
Fim da pausa.
É só neste momento da entrevista que a Folha pergunta como Mangabeira explica “a ascensão de Bolsonaro”.
A resposta de Mangabeira ficaria melhor se dita em inglês: “PSDB e PT juntos, duas cabeças da mesma serpente, conduziram o Brasil por uma lógica de cooptação”. A corrupção teria sido um dos “corolários” disto. “E por trás dessa rejeição ao PT havia o repúdio à lógica da cooptação”.
Aqui está, portanto, a resposta à questão posta no início da entrevista: uma “maioria decisiva dos brasileiros estava disposta a pagar quase qualquer preço para evitar o retorno do PT”, porque repudiava a “lógica da cooptação”.
Portanto, esqueçamos esta ideia de que houve um golpe, articulado por uma coalizão de forças que, em última instância, expressava os interesses dos grandes capitalistas brasileiros e de seus aliados estrangeiros.
Nãnãnãnãninha.
A verdade, segundo Mangabeira, é outra totalmente diferente.
O PT teria sido rejeitado pelos “emergentes”, pela “pequena burguesia empreendedora mestiça morena, que vem de baixo”, por uma multidão de “trabalhadores pobres que vê nos emergentes a vanguarda”, pelo “Brasil profundo”.
Esqueçamos a nomenclatura e vamos ao miolo: é óbvio que parcela das classes trabalhadoras, assalariadas ou pequeno proprietárias, apoiou o golpe e votou contra o PT.
Mas será realista, não digo uma análise, mas uma descrição do ocorrido no Brasil desde o final do segundo turno de 2014, sem falar dos grandes capitalistas e do governo dos EUA??
Mangabeira aponta o dedo para outro lugar, para um setor que estaria “órfão de projeto político”. E a Folha pergunta se “a esquerda abandonou essa população”. E Mangabeira responde: “Chamar de esquerda o PT é muito esquisito”.
Esquisito, segundo Mangabeira, porque o PT defenderia um projeto “nacional consumista”, que “democratizou a economia do lado da demanda e do consumo, não do lado da produção”, não tendo “qualquer projeto de mudança estrutural”.
Mangabeira não diz que o PT não era suficientemente de esquerda, radicalmente de esquerda, coerentemente de esquerda. Não discute qual setor social foi beneficiado pelo projeto que ele imputa ao PT. Diz apenas que era “esquisito” chamar o PT de esquerda, porque o projeto do PT não envolvia “mudança estrutural”.
Lendo isto, fica mais claro o caminho mental percorrido por gente que começou criticando o PT pela esquerda e terminou votando no Ciro.
Mas a pergunta óbvia é: se o PT não seria de esquerda porque o projeto de país proposto pelo PT não envolveria qualquer “mudança estrutural”, que tipo de “mudança estrutural” Ciro defendia?
Na entrevista não é dito.
O dito é que, segundo Mangabeira, Bolsonaro teria sido o “beneficiário acidental” do desejo frustrado de uma parte da população brasileira que não se contentava com o “açúcar” oferecido pelo PT.
Mangabeira elogia o “esforço” que Bolsonaro fez “durante anos de construir um discurso e canais para esse Brasil desconhecido, que é agente decisivo hoje”.
E acrescenta: Bolsonaro “oferece soluções simplistas, mas que no imaginário apelavam para uma ideia de libertação e merecimento. Era a forma simplista e até distorcida e mentirosa de uma aspiração legítima”.
Se a Folha não errou na tradução, nem na transcrição do gravado, o que Mangabeira está dizendo é que Bolsonaro está no caminho certo.
Portanto, a “mudança estrutural” que Bolsonaro e Mangabeira defendem possuem pontos de afinidade.
Até que ponto Mangabeira expressa, nesta questão, o ponto de vista de Ciro? Não sei.
Até porque um candidato que deu destaque ao tema do SPC não pode falar tão grosso contra um modelo “nacional consumista”.
Mas quem conhece as posições defendidas por Mangabeira, em outras ocasiões, sabe que seu elogio a Bolsonaro é coerente com a visão de país defendida pelo professor de Harvard.
Neste sentido, pode parecer “esquisito” que Mangabeira escolha, para desqualificar o PT, a acusação de que não seríamos de esquerda.
Mas a acusação ganha todo sentido, quando Mangabeira afirma o seguinte: “PT não é esquerda. Precisamos de inovação estrutural. Andar demais com o PT é um perigo sob o ponto de vista desta tarefa”.
Ao mesmo tempo, Mangabeira diz que “a esquerda, para chegar ao governo, precisará de eleitores que votaram em Lula, não precisará necessariamente do PT e do Lula. Gostaria que Lula tivesse a grandeza de compreender tudo isso”.
O que entendi foi o seguinte: para ganhar numa próxima eleição, Ciro tem que apresentar-se como alternativa para os eleitores do PT e de Lula. Mas não vale a pena aliar-se com o PT, porque o PT é um obstáculo ao programa que Mangabeira defende, que por sua vez tem semelhanças com o programa que Bolsonaro defende. Neste sentido, o governo Bolsonaro pode abrir terreno para um futuro governo Ciro, seja pelo programa que Bolsonaro implementará, seja porque Bolsonaro contribuiria para destruir o PT, “libertando” seus eleitores para votar em Ciro.
E o cidadão ainda espera que Lula tenha a grandeza de compreender tudo isto!!!
Exagero da minha parte?
Não é não.
Perguntado se Bolsonaro fará um bom governo, Mangabeira responder que “me parece promissor, e falo como opositor, a ideia de impor o capitalismo aos capitalistas”.
Ou seja, o programa ultraliberal de Paulo Guedes virou “impor o capitalismo aos capitalistas”.
Mangabeira faz uma ressalva: isto “nem de longe é condição suficiente para o modelo de desenvolvimento que precisamos, mas é condição preliminar. A radicalização da concorrência, quebra dos carteis, a destruição dos favores dados aos graúdos pelos bancos públicos”.
Como se pode ler, Mangabeira elogia o programa ultraliberal de Paulo Guedes, apresentando-o como condição preliminar para o programa de desenvolvimento que ele, Mangabeira, defende. E que ele diz que Ciro defende, também.
Mas não para por aí.
Mangabeira elogia Bolsonaro por oferecer “aos emergentes um projeto político que responde às aspirações deles”. Ressalva considerar que “a resposta é tosca e irá frustrar parte da população. Mas é melhor do que nada”.
Para Mangabeira, a proposta de Bolsonaro não seria um caminho inaceitável e bárbaro, seria apenas uma forma “tosca e insuficiente” de constituir a “lógica do empoderamento”.
Vou pular as afirmações de Mangabeira sobre a “economia do conhecimento”, sobre o “experimentalismo radical”, sobre a “inovação institucional político e econômica”, assim como a proposta de “burilar nossa vitalidade”, pois fazem parte do blábláblá de 9 em cada 10 tudologos que tentam mascarar com palavreado bonito e vazio sua capitulação frente aos ataques que o grande capital está fazendo contra os direitos das classes trabalhadoras.
Passo direto a conclusão política: Mangabeira acha que o “atalho” defendido por Bolsonaro é uma “primeira onda” que ele julga “útil” ao país e “talvez, retrospectivamente, venhamos a pensar que ela foi necessária”.
Portanto, a postura de Ciro no segundo turno pode envolver muito mais do que parece. E a atitude de Ciro diante do PT pode ser muito mais destruidora do que parece.
Pois quem acredita não existir “qualquer indício concreto de ameaça direta à democracia”, não vê e nem verá nenhuma “ameaça” na continuidade da ofensiva contra o PT, contra o MST, contra o MTST, contra a CUT, contra as ideias da esquerda.
Nem verá qualquer problema no fato de Lula estar preso. Aliás, diz Mangabeira, “Moro pode ser muito bom para o país”, porque contribuiria “para a desorganização dos acertos entra a oligarquia do poder e a oligarquia do dinheiro”.
Um último comentário: Mangabeira foi ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República do Brasil. Não me lembro de, naquela época, ele ter dito algo tão tosco quanto afirmar que a política externa dos governos petistas era uma “sucursal da UNE”.
Mas, vai saber, talvez ele ache que uma crítica tosca seja melhor do que nada.

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