terça-feira, 19 de março de 2019

BATENDO CONTINÊNCIA Em viagem aos EUA, Bolsonaro continua com retórica da campanha eleitoral



BATENDO CONTINÊNCIA

Em viagem aos EUA, Bolsonaro continua com retórica da campanha eleitoral

Para Reginaldo Nasser, Trump e Bolsonaro dão a impressão de que política externa se faz no Twitter. Na opinião de Rodrigo Gallo, discurso de alinhamento com Estados Unidos não é produtivo para o Brasil
por Eduardo Maretti, da RBA publicado 18/03/2019 20h12, última modificação 18/03/2019 21h26
ALAN SANTOS/PR
Bolsonaro e Bannon
Em jantar no domingo sem nenhuma autoridade do governo, Bolsonaro (à dir.) aparece ao lado de Bannon
São Paulo – A visita de um presidente brasileiro aos Estados Unidos pode não passar despercebida. Afinal, trata-se do chefe de Estado do país mais importante da América do Sul sendo recebido pelo colega que comanda a maior potência econômica e militar do mundo. No entanto, para Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), sempre “há certo exagero” ao se avaliar visitas diplomáticas. O presidente brasileiro Jair Bolsonaro chegou ontem (17) aos Estados Unidos.
“Habituou-se a dar peso imediatista às visitas, e, na verdade, política externa, política comercial e de segurança internacional não se decidem a partir de declarações, ou desses pequenos encontros entre presidentes, mas, sim, a partir de uma série de variáveis que envolvem muitos atores de ambos os países”, diz.
Se é sempre recomendável avaliar visitas como a do presidente brasileiro aos Estados Unidos com certa precaução, isso é ainda mais notório no caso de Bolsonaro. “Tanto ele como Donald Trump são de um estilo para o qual parece que a política externa se faz no Twitter, com bravatas. Ninguém faz política externa assim”, diz Nasser.
Na opinião do professor da PUC-SP, não é a retórica que terá peso para mudar relações históricas. “Os Estados Unidos começaram a ter uma política comercial com a China em 1894. Então, é Bolsonaro que vai lá dizer o que é a China?” Ele lembra que, na década de 70, com Richard Nixon e Henry Kissinger, um de seus governos mais conservadores, os Estados Unidos se aproximaram da China de Mao Tsé-Tung. “Toda essa retórica de hoje não tem efeito nenhum, só nos tuítes do Olavo de Carvalho e deputados aliados por aí.”
Considerando que se está falando de questões diplomáticas, para Rodrigo Gallo, professor de pós-graduação em Política e Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), é digno de nota o quase nulo protagonismo do chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, na viagem, pelo menos até esta segunda-feira (18).
“É interessante que ministro das Relações Exteriores, numa missão diplomática desse porte, que teoricamente seria o mais habilitado para lidar com essas questões, quase não fala a respeito”, diz Gallo. “O mais tradicional seria termos um ministério das Relações Exteriores mais ativo.”
Os discursos de Bolsonaro continuam parecendo campanha eleitoral. Ao chegar aos Estados Unidos, o presidente afirmou que sempre sonhou “em libertar o Brasil da nefasta ideologia da esquerda” e acrescentou: “Nosso Brasil caminhava em direção ao socialismo, ao comunismo.” Informou ainda aos americanos que "o nosso país" se desviou desse caminho pela “vontade de Deus”.
Para Nasser, a ida do mandatário brasileiro aos Estados Unidos “tem um tom muito mais para eleitores e seguidores de ambos, nos seus respectivos países, do que uma sinalização mais forte de algo concreto”. Executivos da área comercial e investidores, por exemplo, não dão importância a variáveis ideológicas como as colocadas por Bolsonaro e seus auxiliares entre ontem – quando o grupo chegou aos Estados Unidos – e hoje.
Não havia nenhum representante influente do governo dos Estados Unidos no jantar do qual Bolsonaro participou no domingo, na residência do embaixador do Brasil em Washington, Sergio Amaral. A “celebridade” mais importante no jantar foi Steve Bannon, ex-assessor de Donald Trump que foi defenestrado do governo pelo ex-chefe e assessorou a própria campanha eleitoral do brasileiro. “Não tinha ninguém com influência no governo ou na economia americana nesse jantar”, lembra Nasser.

Alcântara e Venezuela

Entre as questões a serem discutidas estão a Venezuela e a base de Alcântara. Bolsonaro assinou nesta segunda um acordo pelo qual autoriza os Estados Unidos a lançar foguetes da base no Maranhão. 
Para Gallo, a questão de Alcântara é sensível. “É uma base estratégica de lançamento de foguetes. Acho que nem todo mundo dentro do Exército, nem a base de apoio militar do Bolsonaro, concorda, porque é ceder uma área estratégica a outro país. Um acordo desse tipo vale por décadas.”
Sobre a Venezuela, os dois presidentes devem reutilizar a retórica “pró-democracia” no país vizinho, reforçando o apoio a Juan Guaidó contra o presidente Nicolás Maduro. 
Nos últimos cerca de 15 anos o Brasil priorizou uma política externa multilateral. “Esse discurso de alinhamento com os Estados Unidos não é produtivo para a política externa. O ideal é dar continuidade ao debate sobre multilateralismo”, defende o professor da Fespsp. “Mesmo no regime militar, o governo Geisel aproximou o Brasil de países africanos como Angola. Temos uma tradição de multilateralismo que não pode ser perdida.”

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