Os projetos conservadores que são ameaças reais às mulheres em 2019
Da Reforma da Previdência ao Estatuto do Nascituro: elas podem pagar o pato
Os direitos reprodutivos das mulheres podem entrar no jogo como moeda de troca no processo de votação de reformas impopulares, como o caso da Previdência, e será feito por uma bancada fundamentalista, cuja agenda prioritária é a criminalização irrestrita do aborto.
O poder de barganha é alto. Os homens ocupam a esmagadora maioria dos cargos no Congresso Nacional, 85% das cadeiras, embora as mulheres representem mais da metade de todo o eleitorado brasileiro (52%).
A bancada religiosa, responsável historicamente por liderar as pautas conservadoras, cresce a cada eleição, com avanço notável dos neopentecostais. O fosso entre as necessidades reais delas e a falta de representatividade tem seus efeitos. A lista de projetos que afrontam diretamente a cidadania e a emancipação feminina é longa, mas alguns, em particular, estão prontos para serem servidos à mesa.
“Desde a concepção”
O Senado desarquivou no início de fevereiro uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretende acrescentar ao documento um dispositivo que classifica o direito à vida como inviolável “desde a concepção”. Com o desarquivamento, a proposta volta a tramitar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
O texto, de autoria do ex-senador Magno Malta (PR-ES), tem por objetivo alterar o artigo 5º da Constituição. Se aprovado, o artigo passaria a ter a seguinte redação: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]”.
A inclusão do termo “desde a concepção” é alvo em diversos projetos que já passaram pelo Congresso, volta e meia reciclados pelos conservadores. A estratégia é encarada como uma maneira de proibir definitivamente o aborto no país, inclusive, nos casos já previstos no Código Penal, como estupro, risco à vida da mulher, e fetos anencefálicos.
Fim da cota de gênero
Hoje, 30% das candidaturas de cada partido devem ser preenchidas por um dos gêneros. Como historicamente os homens prevalecem nas disputas, a cota é o que garante maior participação das mulheres no processo eleitoral. A regra também estabelece uma reserva mínima do fundo eleitoral (financiamento público de campanha) para essas candidaturas, o que garante que elas irão adiante.
O deputado Ângelo Coronel (PSD-BA) quer acabar com essas reservas. Isso porque, segundo ele mesmo, a obrigatoriedade acabou “criando candidaturas laranjas”, em alusão ao escândalo protagonizado pelo PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro.
Aborto legal
Eduardo Cunha (MDB) não está mais em Brasília, mas a sombra de seus projetos paira sobre a Câmara dos Deputados. O mais polêmico deles, o PL 5069, tem por objetivo dificultar o acesso legal ao aborto previsto na lei, especialmente das vítimas de abuso sexual. O texto adiciona condicionantes ao atendimento da vítima, que terá obrigatoriamente que fazer boletim de ocorrência, algo que muitas evitam por medo, pudor ou temor de sofrer constrangimentos.
O projeto também quer dificultar o acesso à pílula do dia seguinte no SUS. Caberá ao médico decidir se o medicamento é ou não é abortivo. A proposta foi aprovada em todas as comissões e está pronta para votação em plenário, bastando ser pautada pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM).
Em 2015 o projeto foi alvo de intensas manifestações contra o então deputado, que culminou no movimento “Mulheres Contra Cunha.”
Estatuto do Nascituro
O projeto, em tramitação na Câmara desde 2007, prevê proteção jurídica à criança ainda não nascida. Mais uma vez, na prática, o projeto restringe as possibilidades de avanço das questões relacionadas ao aborto, uma vez que dá ao feto status de indivíduo. Apesar de manter a possibilidade de aborto no caso de estupro, a proposta estabelece obrigações ao Estado e ao pai (o estuprador, caso seja identificado), em uma tentativa de estimular as mulheres a não abortarem.
O texto diz ainda que “se for identificado o genitor, será ele o responsável pela pensão alimentícia”, criando vínculos entre a mulher e o criminoso que praticou o estupro. O projeto está parado nas comissões e é encarado pela ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos, Damares Alves, como prioridade da pasta.
Reforma da Previdência
A proposta de Reforma de Previdência, se aprovada, irá retirar direitos e aprofundar a desigualdade entre homens e mulheres. A ideia do governo é elevar a idade mínima da aposentadoria das mulheres para 62 anos, além de estipular 20 anos como tempo mínimo de contribuição, igual para homens e mulheres.
A ideia ignora o fato delas ainda fazerem tripla jornada de trabalho, acumulando o serviço doméstico e de cuidados. A transição para um sistema de capitalização privada, onde o cálculo da aposentadoria é feito com base nos salários recebidos, e não em valores fixos, também afetará especialmente as mulheres, levando em conta que elas ainda recebem os menores salários, em especial as mulheres negras.
Posse de armas
A flexibilização no Estatuto do Desarmamento, que estabelece as regras da posse de armas, já sancionada e que pode avançar ainda mais, segundo o próprio ministro da Justiça, Sérgio Moro, é como um agravante às já altas taxas de feminicídio.
Segundo recente levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 80% das agressões contra mulheres são praticadas por alguém próximo, como marido, namorado, pai, ex-companheiro ou até vizinho. E 40% dos casos aconteceram no interior da própria casa.
Especialistas afirmam que a letalidade dessas agressões aumentará com mais armas dentro de casa. O movimento de mulheres acusa o governo de sobrepor a defesa da propriedade privada – justificativa para a medida – à vida das mulheres.
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