• Judiciário : Desvios de verbas, vendas de sentenças e contratos irregulares são alguns dos problemas apurados
CNJ traça mapa da corrupção na Justiça
Juliano Basile e Maíra Magro | De Brasília
08/08/2011
Valor Econômico
O Judiciário convive com casos de desvios de verbas, vendas de
sentenças, contratos irregulares, nepotismo e criação de entidades
vinculadas aos próprios juízes para administrar verbas de tribunais.
Esse retrato de um Poder que ainda padece de casos de corrupção e de
irregularidades foi identificado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
a partir de inspeções realizadas pela sua Corregedoria em quase todos
os Estados brasileiros.
"Há muitos problemas no Judiciário e eles
são de todos os tipos e de todos os gêneros", afirmou ao Valor a
ministra Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça. Para ela,
diante de tantas irregularidades na Justiça é difícil identificar qual é
o Estado com problemas mais graves. Há centenas de casos envolvendo
supostos desvios de juízes, entre eles, venda de sentenças, grilagem de
terras e suspeita de favorecimento na liberação de precatórios. Além
disso, o Conselho identificou dezenas de contratos irregulares em vários
tribunais do país.
No Espírito Santo, a contratação de serviços pelo Judiciário chegou
ao cúmulo quando o TJ adquiriu os serviços de degustação de café. O CNJ
mandou cancelar o contrato de "análise sensorial" da bebida, que vigorou
até junho de 2009. O Conselho também descobriu casos de nepotismo e de
servidores exonerados do TJ que recebiam 13º salário.
Em Pernambuco e na Paraíba, associações de mulheres de magistrados
exploraram diversos serviços, como estacionamento e xerox, dentro do
prédio do TJ. Na Paraíba, o pagamento de jeton beneficiou não apenas os
juízes mas a Junta Médica do tribunal.
Pernambuco ainda teve casos de excessos de funcionários contratados
sem concurso público nos gabinetes. O CNJ contou 384 funcionários
comissionados no TJ, a maioria nos gabinetes dos desembargadores, onde
são tomadas as decisões.
No Ceará, a Justiça local contratou advogados para trabalhar no TJ. É
como ter agentes interessados em casos de seus clientes diretamente
vinculados a quem vai julgá-los. Ao todo, 21 profissionais liberais
trabalharam no TJ de Fortaleza e custaram R$ 370 mil aos cofres do
Estado.
No Pará, o CNJ determinou o fim de um contrato com empresa
de bufê que chegou a fazer 40 serviços por ano para o TJ - em ocasiões
como posses, inaugurações, confraternização natalina e na tradicional
visita da imagem peregrina de Nossa Senhora de Nazaré. Além disso, o
Conselho identificou sorteios direcionados de juízes para decidir casos.
Num desses sorteios, participou um único desembargador.
Decisões que levam à liberação de altas quantias de dinheiro também
estão sob investigação do CNJ. No Maranhão, sete juízes de São Luís
foram afastados após o Conselho verificar que eles estavam liberando
altas somas em dinheiro através da concessão de liminares em ações de
indenização por dano moral. Uma delas permitia a penhora on-line de R$
1,9 milhão e sua retirada, se necessário, com apoio de força policial.
No Mato Grosso, dez juízes foram aposentados compulsoriamente pelo
CNJ, após acusação de desvio de R$ 1,5 milhão do TJ para cobrir
prejuízos de uma loja maçônica.
Um sistema de empréstimos contraídos por magistrados do Distrito
Federal levou o CNJ a abrir investigação contra a Associação dos Juízes
Federais da 1ª Região (Ajufer). De acordo com as denúncias, um
magistrado da Ajufer usava o nome de outros juízes para fazer
empréstimos bancários para a entidade. Sem saber, muitos juízes se
endividaram em centenas de milhares de reais. Os conselheiros Walter
Nunes e Felipe Locke Cavalcanti identificaram que o esquema da Ajufer
era, em tese, criminoso, pois indica a prática de fraude e de
estelionato.
Mas o caso da Ajufer está longe de ser o mais conhecido
esquema de administração de verbas por magistrados. Entre as entidades
ligadas a juízes que gerenciaram recursos e serviços no Judiciário, a
mais famosa foi o Instituto Pedro Ribeiro de Administração Judiciária
(Ipraj), que funcionou por mais de 20 anos na Bahia e foi fechado pelo
CNJ. O Ipraj cuidou da arrecadação de recursos para o Judiciário baiano e
administrou tanto dinheiro que chegou a repassar R$ 30 milhões para a
Secretaria da Fazenda da Bahia.
Casos de favorecimento na liberação de verbas de precatórios também
chamam a atenção. Ao inspecionar o TJ do Piauí, o CNJ concluiu que não
havia critério para autorizar o pagamento desses títulos para
determinados credores. No TJ do Amazonas, foram identificados "indícios
veementes da total falta de controle sobre as inscrições e a ordem de
satisfação dos precatórios."
Situação semelhante foi verificada no
Tocantins. A ex-presidente do TJ Willamara Leila e dois desembargadores
foram afastados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), após operação
da Polícia Federal que identificou um suposto esquema de venda de
sentenças e de favorecimento no pagamento de precatórios. O TJ
tocantinense também padece de investigação de empréstimos consignados em
excesso para desembargadores. Um magistrado chegou a ter 97% de sua
remuneração comprometida.
Em Alagoas, a equipe do CNJ identificou dezenas de problemas na
administração da Justiça local. "Verificamos situações inadmissíveis,
como a de um magistrado que, em 2008, recebeu 76 diárias acumuladas, de
diferentes exercícios", diz o relatório feito pelo Conselho. Outro caso
considerado grave envolveu o pagamento em duplicidade para um
funcionário que ganhava como contratado por empresa terceirizada para
prestar serviços para o mesmo tribunal em que atua como servidor.
A troca de favores entre os governos dos Estados, as assembleias
legislativas e os TJs é outro problema grave. Depois que o CNJ mandou
cancelar o jeton na Paraíba, a Assembleia Legislativa aprovou uma lei
para torná-lo válido. Há uma troca constante de funcionários entre os
três Poderes na Paraíba. Ao todo, 34,3% da força de trabalho da Justiça
vem do Executivo Estadual e Municipal, fato que, para o CNJ, "se
configura como desvio da obrigatoriedade de realização de concurso
público".
Essa situação chegou ao extremo no Amazonas, onde um juiz de
Parintins reclamou que não tinha independência para julgar porque
praticamente todos os servidores eram cedidos pelo município. "Quando
profere uma decisão contra o município o prefeito retira os
funcionários", diz o relatório do CNJ.
Das 3,5 mil investigações em curso no CNJ, pelo menos 630 envolvem
magistrados. Entre abril de 2008 até dezembro de 2010, o Conselho
condenou juízes em 45 oportunidades. Em 21 deles, foi aplicada a pena
máxima: o juiz é aposentado, mas recebe salário integral. Simplesmente,
para de trabalhar.
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