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O BRASIL SABE O QUE OS MILICOS FIZERAM
Eduardo Guimarães
Aos 68 anos, a jornalista Rose Nogueira é contemporânea do general Gilberto Pimentel, presidente do Clube Militar, reduto de militares de alta patente da reserva que integraram a ditadura militar que se abateu sobre o Brasil entre 1964 e 1985, ainda que este país só tenha começado a se redemocratizar mesmo a partir de 1989, quando pôde eleger livremente seu primeiro presidente após mais de um quarto de século.
Em dezembro do ano passado, no âmbito da divulgação final dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, Rose, de quem este blogueiro ficou amigo, deu entrevista ao diário espanhol El País na qual relatou os horrores que homens como seu contemporâneo Pimentel ajudaram a infligir a jovens idealistas que, como ela, lutavam contra o arbítrio, a censura, os horrores que aquele regime infame impôs ao país.
Em seu relato ao jornal estrangeiro, Rose revelou que ainda se preocupa se o filho Cacá, de 45 anos, está passando frio. Ainda acorda no meio da noite com pesadelos em que acredita estar sendo perseguida. E, depois de passar nove meses presa, entre os anos de 1969 e 1970, não conseguiu engravidar novamente.
Segundo relatou ao El País, Rose ficou no DOPS por 50 dias. A todo momento, ouvia dos policiais que buscariam seu filho recém-nascido para torturá-lo. Teve uma infecção que só foi tratada tarde, motivo pelo qual desconfia nunca mais ter podido engravidar. Bonita, foi apelidada pelos guardas de Miss Brasil. “Diziam: acabou de ter um filho e como tem esse corpo? É uma vaca. Uma vaca terrorista”, lembra.
Assim como muitas outras mulheres que passaram pelo DOPS, Rose foi violentada. Por diversas vezes foi colocada em uma sala e despida. “O policial João Carlos Tralli me colocava debruçada e enfiava o dedo em mim. E como eu estava fedida por causa do leite ele me beliscava, me batia, por eu atrapalhar o prazer dele.” Algum tempo depois, um médico aplicou nela uma injeção que cortou o leite.
As investigações da Comissão Nacional da Verdade (CNV) sobre os métodos de tortura durante o regime militar apontam que, além de usarem pedaços de madeira e choques elétricos, os torturadores chegaram a usar animais vivos para obter informações de militantes de esquerda. Os métodos de tortura mapeados nos últimos meses chocaram os membros da comissão. Pelas informações coletadas, animais como cobras, ratos e jacarés teriam sido utilizados nas casas da morte, entre outros locais de tortura no Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo.
Trinta formas de tortura foram inventariadas pela Comissão Nacional da Verdade. A lista inclui violências já conhecidas, como a aplicação de choques elétricos e palmatórias, cadeira do dragão (assento que dava choque), “pau de arara”, afogamento, telefone (tapas nos dois ouvidos ao mesmo tempo), sufocamento e espancamentos. Muitas vezes eram combinados vários deles.
Integrantes de um regime que praticou todos esses crimes contra a humanidade, se tivessem um mínimo de decência, seria de se esperar que ansiassem pelo ostracismo, no mínimo. Mas não é o que se vê. Além de pessoas como o general Pimentel negarem o que a CNV provou com centenas e centenas de depoimentos inclusive de integrantes da ditadura, bem como de suas vítimas, põem-se a vituperar, grandiloquentes, contra o governo de uma das mulheres que eles covardemente seviciaram e contra aquele que talvez mais tenha ajudado a livrar o país daquele regime infame: Luiz Inácio Lula da Silva.
Infame também é a nota que o general Pimentel assinou na última quarta-feira contra o discurso de Lula no ato em defesa da Petrobras que os paus-mandados do clube de generais de pijama foram fustigar com provocações cuidadosamente planejadas.
Em tom de ameaça, a nota assinada pelo general (eleitor declarado de Aécio Neves) em nome do Clube Militar não esbofeteia o país apenas por distorcer o fato de que seus correligionários premeditaram “não deixar Lula falar” e causarem confusão no ato público de trabalhadores diante da Associação Brasileira de Imprensa, na última terça-feira (24/2). A nota infame esbofeteia o país por aqueles que o calaram e torturaram durante duas décadas terem a coragem suprema de abrir a boca para acusar o governo Dilma de “incompetência” e Lula, um dos que mais lutaram para reinstalar a democracia brasileira, de “inconsequente”.
Se o general quiser falar de “incompetência” governamental, deveria falar do desastre econômico que os militares legaram ao deixarem o poder, em 1985. Quem viveu aquele período trágico da história nacional lembra da inflação galopante, do desemprego generalizado, dos baixíssimos indicadores sociais, da altíssima mortalidade infantil, da maior concentração de renda do mundo que aquela ditadura aterradora legou. Isso sem falar de uma dívida externa impagável, edificada ao longo dos vinte anos sombrios que se abateram sobre o país.
Em 1985, último ano da ditadura militar, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC) foi de 242,23% e a dívida externa, então considerada “impagável”, bateu em 105 bilhões de dólares. A ditadura começou a cair em 1983, quando cerca de 5 mil desempregados marcharam sobre o Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo. Desesperados com a penúria social, derrubaram a grade que circunda o Palácio.
Naquele ano, nasceu o movimento Diretas Já, quando milhões de brasileiros foram às ruas pedir a volta da democracia.
Essa juventude que o general Pimentel e outros mistificadores como ele ludibriam e arrastam para movimentos que pedem a volta daquela era de horrores não lembra, pois não viveu tudo aquilo. Mas qualquer brasileiro que não tenha nascido ontem sabe muito bem quanto este povo sofria quando os militares, após afundarem o país, largaram o abacaxi para José Sarney, o PMDB e o PFL descascarem.
E o general Pimentel vem acusar o homem que tirou dezenas de milhões da pobreza, distribuiu renda como nunca ocorreu no país e pagou a dívida externa – já que temos mais reservas cambiais do que dívida – que os militares legaram e que era considerada “impagável”? Será que este mundo está de cabeça para baixo?
E ainda fazendo ameaças, pois é disso que se trata quando o general filhote da ditadura lembra que o Brasil “só tem um exército”. Graças a Deus que só tem um, apesar de que os militares da ativa são, quase todos, inocentes dos crimes pretéritos dessa corporação. Afinal, apesar de os militares de hoje não serem culpados, se o Brasil tivesse tido mais de um exército (incluindo Marinha e Aeronáutica) talvez não tivesse sobrado nada de si.
O Brasil sabe muito bem o que os milicos já fizeram neste país, general Pimentel. Os jovens não têm memória, alguns velhos – ou velhacos – fingem amnésia, mas a história está registrada. Todas as atrocidades e todos os erros crassos de governança que vocês cometeram estão eternizados. O senhor pode enganar alguns tolos, pouco instruídos ou muito cínicos, mas o regime que o senhor exalta está condenado à lata de lixo de história.
Os trabalhadores não se deixarão intimidar, general Pimentel. E muito menos Lula. Vocês não vão tomar as ruas sozinhos, sem resistência pacífica e democrática, e nunca mais vão impedir ninguém de falar, como exorta a convocação dos que foram provocar e insultar trabalhadores diante da sede da Associação Brasileira de Imprensa. Conforme-se com a democracia, general. É inexorável. Aceite que doerá menos.
www.brasil247.com 28.02.2015
Eduardo Guimarães
Aos 68 anos, a jornalista Rose Nogueira é contemporânea do general Gilberto Pimentel, presidente do Clube Militar, reduto de militares de alta patente da reserva que integraram a ditadura militar que se abateu sobre o Brasil entre 1964 e 1985, ainda que este país só tenha começado a se redemocratizar mesmo a partir de 1989, quando pôde eleger livremente seu primeiro presidente após mais de um quarto de século.
Em dezembro do ano passado, no âmbito da divulgação final dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, Rose, de quem este blogueiro ficou amigo, deu entrevista ao diário espanhol El País na qual relatou os horrores que homens como seu contemporâneo Pimentel ajudaram a infligir a jovens idealistas que, como ela, lutavam contra o arbítrio, a censura, os horrores que aquele regime infame impôs ao país.
Em seu relato ao jornal estrangeiro, Rose revelou que ainda se preocupa se o filho Cacá, de 45 anos, está passando frio. Ainda acorda no meio da noite com pesadelos em que acredita estar sendo perseguida. E, depois de passar nove meses presa, entre os anos de 1969 e 1970, não conseguiu engravidar novamente.
Segundo relatou ao El País, Rose ficou no DOPS por 50 dias. A todo momento, ouvia dos policiais que buscariam seu filho recém-nascido para torturá-lo. Teve uma infecção que só foi tratada tarde, motivo pelo qual desconfia nunca mais ter podido engravidar. Bonita, foi apelidada pelos guardas de Miss Brasil. “Diziam: acabou de ter um filho e como tem esse corpo? É uma vaca. Uma vaca terrorista”, lembra.
Assim como muitas outras mulheres que passaram pelo DOPS, Rose foi violentada. Por diversas vezes foi colocada em uma sala e despida. “O policial João Carlos Tralli me colocava debruçada e enfiava o dedo em mim. E como eu estava fedida por causa do leite ele me beliscava, me batia, por eu atrapalhar o prazer dele.” Algum tempo depois, um médico aplicou nela uma injeção que cortou o leite.
As investigações da Comissão Nacional da Verdade (CNV) sobre os métodos de tortura durante o regime militar apontam que, além de usarem pedaços de madeira e choques elétricos, os torturadores chegaram a usar animais vivos para obter informações de militantes de esquerda. Os métodos de tortura mapeados nos últimos meses chocaram os membros da comissão. Pelas informações coletadas, animais como cobras, ratos e jacarés teriam sido utilizados nas casas da morte, entre outros locais de tortura no Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo.
Trinta formas de tortura foram inventariadas pela Comissão Nacional da Verdade. A lista inclui violências já conhecidas, como a aplicação de choques elétricos e palmatórias, cadeira do dragão (assento que dava choque), “pau de arara”, afogamento, telefone (tapas nos dois ouvidos ao mesmo tempo), sufocamento e espancamentos. Muitas vezes eram combinados vários deles.
Integrantes de um regime que praticou todos esses crimes contra a humanidade, se tivessem um mínimo de decência, seria de se esperar que ansiassem pelo ostracismo, no mínimo. Mas não é o que se vê. Além de pessoas como o general Pimentel negarem o que a CNV provou com centenas e centenas de depoimentos inclusive de integrantes da ditadura, bem como de suas vítimas, põem-se a vituperar, grandiloquentes, contra o governo de uma das mulheres que eles covardemente seviciaram e contra aquele que talvez mais tenha ajudado a livrar o país daquele regime infame: Luiz Inácio Lula da Silva.
Infame também é a nota que o general Pimentel assinou na última quarta-feira contra o discurso de Lula no ato em defesa da Petrobras que os paus-mandados do clube de generais de pijama foram fustigar com provocações cuidadosamente planejadas.
Em tom de ameaça, a nota assinada pelo general (eleitor declarado de Aécio Neves) em nome do Clube Militar não esbofeteia o país apenas por distorcer o fato de que seus correligionários premeditaram “não deixar Lula falar” e causarem confusão no ato público de trabalhadores diante da Associação Brasileira de Imprensa, na última terça-feira (24/2). A nota infame esbofeteia o país por aqueles que o calaram e torturaram durante duas décadas terem a coragem suprema de abrir a boca para acusar o governo Dilma de “incompetência” e Lula, um dos que mais lutaram para reinstalar a democracia brasileira, de “inconsequente”.
Se o general quiser falar de “incompetência” governamental, deveria falar do desastre econômico que os militares legaram ao deixarem o poder, em 1985. Quem viveu aquele período trágico da história nacional lembra da inflação galopante, do desemprego generalizado, dos baixíssimos indicadores sociais, da altíssima mortalidade infantil, da maior concentração de renda do mundo que aquela ditadura aterradora legou. Isso sem falar de uma dívida externa impagável, edificada ao longo dos vinte anos sombrios que se abateram sobre o país.
Em 1985, último ano da ditadura militar, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC) foi de 242,23% e a dívida externa, então considerada “impagável”, bateu em 105 bilhões de dólares. A ditadura começou a cair em 1983, quando cerca de 5 mil desempregados marcharam sobre o Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo. Desesperados com a penúria social, derrubaram a grade que circunda o Palácio.
Naquele ano, nasceu o movimento Diretas Já, quando milhões de brasileiros foram às ruas pedir a volta da democracia.
Essa juventude que o general Pimentel e outros mistificadores como ele ludibriam e arrastam para movimentos que pedem a volta daquela era de horrores não lembra, pois não viveu tudo aquilo. Mas qualquer brasileiro que não tenha nascido ontem sabe muito bem quanto este povo sofria quando os militares, após afundarem o país, largaram o abacaxi para José Sarney, o PMDB e o PFL descascarem.
E o general Pimentel vem acusar o homem que tirou dezenas de milhões da pobreza, distribuiu renda como nunca ocorreu no país e pagou a dívida externa – já que temos mais reservas cambiais do que dívida – que os militares legaram e que era considerada “impagável”? Será que este mundo está de cabeça para baixo?
E ainda fazendo ameaças, pois é disso que se trata quando o general filhote da ditadura lembra que o Brasil “só tem um exército”. Graças a Deus que só tem um, apesar de que os militares da ativa são, quase todos, inocentes dos crimes pretéritos dessa corporação. Afinal, apesar de os militares de hoje não serem culpados, se o Brasil tivesse tido mais de um exército (incluindo Marinha e Aeronáutica) talvez não tivesse sobrado nada de si.
O Brasil sabe muito bem o que os milicos já fizeram neste país, general Pimentel. Os jovens não têm memória, alguns velhos – ou velhacos – fingem amnésia, mas a história está registrada. Todas as atrocidades e todos os erros crassos de governança que vocês cometeram estão eternizados. O senhor pode enganar alguns tolos, pouco instruídos ou muito cínicos, mas o regime que o senhor exalta está condenado à lata de lixo de história.
Os trabalhadores não se deixarão intimidar, general Pimentel. E muito menos Lula. Vocês não vão tomar as ruas sozinhos, sem resistência pacífica e democrática, e nunca mais vão impedir ninguém de falar, como exorta a convocação dos que foram provocar e insultar trabalhadores diante da sede da Associação Brasileira de Imprensa. Conforme-se com a democracia, general. É inexorável. Aceite que doerá menos.
www.brasil247.com 28.02.2015
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