quarta-feira, 25 de maio de 2016

Democracias golpe a golpe



Democracias golpe a golpe

Adolfo Pérez Esquivel*


O governo democrático do Brasil foi derrocado por intrigas palacianas de deputados e senadores, pela cumplicidade de setores do Judiciário e grupos empresariais. O parlamento criminalizou um ato de governo, público e legal, recorrente em governos anteriores, sem comprovação de delito, como exige a Constituição, afastando, assim, de suas funções a presidenta Dilma Rousseff.

Utilizaram a metodologia do “golpe de Estado brando”, aplicado em Honduras e no Paraguai, ensinando uma séria advertência a governos do continente, atuais e futuros, que tentem ampliar as margens de soberania nacional e aumentar o leque de distribuição de riqueza e renda da população.

Na minha mais recente viagem ao Brasil, tive a oportunidade de fazer o que muitos organismos internacionais não conseguiram: reuni-me com a presidenta Dilma Rousseff, com senadores (governistas e da oposição), com o presidente do Supremo Tribunal Federal, com o secretário da CNBB e com os movimentos sociais. Apresentei os resultados desses encontros em um artigo publicado no jornal Folha de São Paulo. Isso me possibilitou uma visão geral do que acontece nesse país, o que me leva a dizer que há setores que não têm qualquer interesse em resolver a crise política e econômica atual. O que querem, mesmo, é conduzir todo o processo, sem qualquer permissão de outrem, mas guiados por decisões outorgadas a si próprios.

Tão logo ocorreu o afastamento da presidenta Dilma, o Secretário Geral da União das Nações Sul-americanas (UNASUR) disse que esse ato “põe em perigo a estabilidade democrática na região”. Por sua vez, o Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) afirmou que isso gera “insegurança jurídica”, e submeteu o assunto à apreciação da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O governo de El Salvador desconheceu o governo interino e chamou de volta o seu embaixador; os governos dos países integrantes da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA) - Venezuela, Cuba, Nicarágua, Equador e Bolívia – afirmaram que se tratou de um “golpe”; Chile e Uruguai externaram a sua “preocupação”.

O primeiro governo a reconhecer o golpe e pedir que se “respeite o processo institucional” foi o de Maurício Macri, em sintonia com o pedido da administração de Barack Obama de “confiar nas instituições brasileiras”.

O objetivo em pauta é de domesticar governos e recolonizar a América Latina. O que a direita não consegue pelas urnas, procura alcançar através da destituição ilegal de presidentes. O seu propósito é privatizar empresas estratégicas estatais e entregar os recursos naturais.

Não acredito em casualidades. Os documentos revelados por Wikileaks dão conta de que o atual depositária da Presidência, Michel Temer, foi colaborador do serviço de inteligência norte-americana (CIA), entregando documentos sensíveis à sua embaixada. E a atual embaixatriz dos Estados Unidos no Brasil é a mesma que estava no Paraguai quando se deu o golpe de Estado que destituiu o presidente Fernando Lugo.

O presidente interino Michel Temer já anunciou as suas próximas medidas econômicas, não votadas pelo povo brasileiro: aumentar impostos, “privatizar tudo o que puder”, reduzir o gasto público e as despesas com programas sociais. Para tanto, montou um gabinete afinado com essas prioridades: sem mulher, índio ou negro. Todos são homens brancos e milionários. O maior produtor de soja do mundo foi nomeado ministro da Agricultura. Outros ministros nomeados estão envolvidos em casos de corrupção, que diziam combater.

Por certo, nenhuma democracia, nem governo eleito, são perfeitos. Tampouco é menos certo que não se deve permitir que grupos conspiradores violem a Constituição em favor de seus própriosinteresses. Toda democracia é passível de aperfeiçoamentos, se conta com a participação social. O que hoje se questiona é a democracia delegada, em que o povo vota, fica quatro anos em situação passiva e indefesa, enquanto os governantes fazem o que querem, e não o que devem. O desafio que se tem pela frente é o de passar à democracia participativa, onde a sociedade decide sobre os grandes problemas que o país enfrenta, em vez dos grandes núcleos de poder econômico, internos e externos.

Aos povos da Nossa América resta-nos a resistência social, cultural e política, para defender os direitos de todos, inclusive e particularmente de nossas democracias.

* Prêmio Nobel da Paz


Tradução: Ademir Alves de Melo

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