21/11/2016 12:04 - Copyleft
Raúl Kollmann, para o Página/12Dos ricos, pelos ricos e para os ricos
Mais de 60% dos argentinos consideram que a economia vai mal: uma maioria que sente que os únicos beneficiados pelas políticas de Macri são os mais ricos.
A economia em seu pior momento e uma raiva cresce cada vez mais entre grande parte dos argentinos. Esta é a síntese do quadro mostrado pelas últimas pesquisas de medição da opinião pública, e que se refletiu na mobilização dos trabalhadores nesta última sexta-feira (18/11), quando boa parte dos dirigentes sindicais tomou distância do governo de Mauricio Macri.
Os números da última pesquisa do Centro de Estudos de Opinião Pública (CEOP) são eloquentes: nada menos que sete de cada dez pessoas avaliam que a situação econômica atual vai “mal” ou “muito mal”. São 70,6% dos argentinos, a maioria considera que o atual governo é o responsável por essa realidade, e são cada vez menos os que atribuem os problemas ao governo anterior.
Assim, vai se estabelecendo uma tendência de mudança na opinião dos argentinos, embora algumas percepções venham sendo uma constante: dois de cada três argentinos acredita que o governo atual favorece os mais ricos e a porcentagem dos que pensam que governa para todos por igual é mínima.
Esta tem sido tendência os onze meses da atual gestão. Contudo, as medições publicadas em novembro mostram uma maior consolidação dessa percepção. Na questão em que os cidadãos qualificam a gestão do governo com uma nota de 1 a 10, a média das mesmas é de 3,98 – não seria suficiente para passar de ano, se levássemos a lógica universitária a sério. E a média é ainda mais baixa quando se leva em conta apenas a questão econômica.
As conclusões do CEOP foram tiradas de uma pesquisa muito mais ampla realizada no começo deste mês pelo instituto dirigido pelo sociólogo Roberto Bacman. Em total, foram entrevistados 1,2 mil cidadãos em todo o país, respeitando as proporções de idade, sexo, nível socioeconômico e lugar de residência. As entrevistas foram realizadas por telefone, numa mediação que o centro realiza todos os meses, enfatizando sempre os temas políticos e econômicos mais relevantes.
Raiva
Como era de esperar, as opiniões que pesam mais fortemente contra o governo dizem respeito à queda do poder de compra dos salários, à inflação e os cortes que grande parte da população teve que fazer em seus gastos devido ao aumento do custo de vida, à recessão e ao desemprego – ou o medo de perder o emprego. Para Bacman, esses fatores têm um impacto grande nas sensibilidades do cidadão comum, e isso se vêm notando há vários meses, com um agravamento em novembro.
“Se tomamos como exemplo os dados obtidos nesta última medição, é possível afirmar que a economia voltou a ocupar o centro das atenções, de tal forma que a inquietação por causa da inflação e do andar da economia cresceram novamente, e hoje são um problema grave para cerca de 46% das pessoas. Se somamos isso à percepção sobre o desemprego, é possível concluir que as preocupações estritamente relacionadas com os temas econômicos impactam a três de cada quatro argentinos. Nas duas pesquisas anteriores, a economia parecia haver dado um respiro aos argentinos e ao governo, mas foi só um descanso: tudo parece indicar que sua importância continua vigente”.
“É um tema que devemos continuar observando com cuidado, para ver sua evolução ao longo do tempo, especialmente nestes dois últimos meses do ano. A insegurança, que vinha em crescimento, mostrou uma queda neste último mês. Igualmente, se mantém como outra das principais preocupações dos argentinos, com 46,6%. A corrupção também se mantém presente na lista das principais reclamações dos argentinos, com 35,9% das citações – não é algo casual, já que os grandes meios se dedicam primordialmente às denúncias contra o governo anterior, deixando em segundo plano as notícias relacionadas aos problemas sobre o trabalho e o salário dos argentinos. Ainda assim, os números mostram o clima de preocupações que se instala no país nestes últimos meses, deixando em evidência uma sociedade marcada pela questão da economia. Outro semáforo amarelo (ou quase laranja) que se acende é o seguinte: cerca de oito em cada dez jovens manifesta sua raiva contra a realidade econômica destes tempos atuais”.
Herança
Um elemento que vem afetando desfavoravelmente o governo macrista é que entre os que consideram que a situação vai “mal” ou “muito mal”, o conceito de que o cenário é fruto de uma “herança maldita” do governo anterior está se diluindo. “Não me surpreende concluir que esse argumento vai perdendo peso e consistência perante a opinião pública, como o passar dos meses. Um dado que já observávamos nas últimas sondagens. Neste mês, quase seis de cada dez pessoas (57,3% para ser exatos) que avaliaram a atual situação econômica como negativa dizem que o atual governo é o principal responsável por essa realidade”.
Evidentemente, os onze meses de denúncias mediáticas e o quase permanente espetáculo judiciário montado em torno dos casos envolvendo Cristina Kirchner serviram para tentar conter o impacto dos resultados da política econômica na opinião pública. Foram meses nos quais se tentou instalar a ideia de que a inflação, ou a queda no consumo, ou as demissões não foram produzidas pela desvalorização do peso ou pelas altas taxas de juros, nem pelo aumento nos preços dos serviços básicos, como o gás e a eletricidade, e sim um suposto efeito gerado pela corrupção da época kirchnerista. Os números demonstram que, pouco a pouco, foi aumentando a porcentagem de entrevistados que percebe que sua situação está piorando, e que já não podem culpar aqueles que já deixaram o governo há quase um ano, no dia 10 de dezembro de 2015. Ainda assim, ainda há uma boa porcentagem de pessoas que atribui os problemas atuais à gestão de Cristina.
Ricos
Uma pregunta vem se repetindo, cada vez com maior insistência: Macri governa para os ricos? Para 65% dos argentinos a resposta é: sim. Entre agosto e novembro, essa sensação aumentou em cinco pontos percentuais. Poderíamos questionar se a pergunta foi bem formulada ou mal intencionada. No formulário de pesquisa, ela aparece da seguinte forma: “qual é o setor da sociedade que mais se beneficiou durante a gestão de Mauricio Macri?”. As opções para responder foram quatro: “a classe alta”, “a classe média”, “a classe baixa” e “todos por igual”. As respostas mostram um quadro bastante claro: somente 9,6% respondeu que foram “todas por igual”, enquanto as classes média e baixa somadas reúnem 16,3% das respostas. Para o sociólogo Bacman “os números são tão contundentes que qualquer outro comentário não adiciona nada de mais importante”.
Expectativa
O número que dá maiores esperanças ao governo de Macri, do ponto de vista econômico, é que boa parte da cidadania acredita que as coisas vão melhorar. A partir desse ponto de vista, se expressa uma polarização, já que metade das pessoas consultadas (50% exato) acreditam que a economia vai melhorar nos próximos seis meses, e quase toda a outra metade (46,8%) acha que a situação vai piorar. Essa leve supremacia da percepção otimista vem diminuindo: os esperançados são menos a cada nova consulta, mas ainda são maioria.
“Como explicar esta outra divisão da opinião pública dos argentinos?” – se pergunta Bacman. “É claro que há um núcleo que está mais claramente do lado do governo, e também um núcleo duro da oposição. Depois, observamos algo que também é muito simples: o segmento que mantém as sensações favoráveis é o dos trabalhadores independentes, que são mais resistentes a perder as esperanças. Por esse motivo, seis de cada dez independentes apoiam a ideia de uma melhora da economia para os próximos meses e desta perspectiva de esperança nasce um núcleo periférico de sustentação da atual gestão. Mas não é um grupo que garante uma tranquilidade ao governo, por conforme o tempo passa as opiniões vão mudando, logo virá um fim de ano e depois um 2017 que terá eleições (legislativas), que poderão marcar uma mudança mais brusca nessa opinião”.
A estreita avenida do meio
Os que se declaram opositores ao governo superam em quantidade os que se dizem apoiadores do governo. Entre os entrevistados, 42,8% se considera contrário ao governo, enquanto 30,4% são governistas. Esta é outra brecha que se mostrou maior nos resultados de novembro, superando os 12 pontos percentuais. O quadro mostra um panorama que tem a ver diretamente com a política, pois o CEOP separa as respostas entre os que são apoiadores ou opositores mais decididos, os do chamado “núcleo duro” de um lado e do outro, e os que se inclinam apenas levemente para um dos setores. Neste sentido, a Casa Rosada conta hoje com cerca de 23,5% de pessoal ferreamente contrárias ao seu governo (19,3 de oposição periférica), enquanto o seu apoio mais fiel é muito menos consistente: 13,3% (17,1% de apoio periférico).
“A segmentação com respeito às atitudes políticas é outro dos indicadores que expressa de forma contundente o clima de época. Através desta variável, é possível detectar a profunda divisão da sociedade argentina. Nesta última pesquisa se detecta também 26,9% de independentes pragmáticos, que são aqueles que não se definem nem como governistas, nem como opositores. A onze meses da chegada ao poder da coalizão Cambiemos (`Mudemos´, o nome da aliança partidária macrista), o quadro político do país ainda mostra dois segmentos antagônicos e um terceiro grupo mais orientado por seu pragmatismo, que se transforma numa espécie de ponto de equilíbrio”, analisa Roberto Bacman, diretor do CEOP.
O sociólogo também comenta que “se observamos detalhadamente a evolução deste quesito no último trimestre, a tendência é clara: aquela que alguma vez foi definida como `a larga avenida do centro´ parece ser uma rua cada vez mais estreita. Com o passar dos meses, a sociedade vem mostrando um maior nível de polarização, e vão diminuindo os espaços para um meio termo. Em geral, os independentes estão se dividindo em partes iguais com respeito a diferentes questões quando consultados, e isso tende a se acentuar no futuro”.
Mauricio Macri mantém uma imagem pessoal positiva para pouco mais de 45% dos entrevistados, especialmente graças aos chamados “independentes pragmáticos” que têm uma expectativa de que as coisas melhorem. Do outro lado, os que se dizem opositores sustentam uma opinião também favorável à ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner (40,6%), além de outras figuras destacáveis do peronismo e da esquerda. Contudo, também vai surgindo um outro setor entre os independentes, que é bastante crítico com respeito à situação econômica.
Este panorama é o que vai pesar nas eleições legislativas de 2017, especialmente na Província de Buenos Aires, o maior colégio eleitoral do país onde votam quatro de cada dez argentinos. Uma região cujos setores mais eleitoralmente disputados são os da região metropolitana bonaerense – lembrando que a Cidade Autônoma de Buenos Aires é considerada como um distrito federal, com representantes a parte, e portanto essa região metropolitana considera somente as muitas cidades ao redor da capital argentina – que agrupa uma parte importante dos setores independentes mais socialmente críticos. Se o diagnóstico de Bacman for correto com respeito à tendência de polarização, quem poderia se beneficiar é o ex-presidenciável Sergio Massa, que tentou se impor com a terceira via nas últimas eleições, quando foi o terceiro mais votado no primeiro turno (com 21,4% dos votos).
A insatisfação é geral
A pesquisa do CEOP traz um elemento chamado Índice de Satisfação da Cidadania (ISC), que pede aos entrevistados que classifiquem com uma nota a administração com uma nota de 1 a 10, especificamente em três aspectos: político, econômico e social. Com essas notas, os pesquisadores calculam uma média ISC de cada um dos quesitos, e também um ISC geral. Pela primeira vez desde o início dessa medição, o ISC do governo de Macri mostrou cifra abaixo de 4, sendo este o segundo mês consecutivo de queda. A nota baixa mais destacável é a do quesito econômico.
“O que significa que o ISC geral tenha se mantido dentro da casa dos 4 pontos de agosto a outubro, e que agora esteja pela primeira vez abaixo desse nível (com 3,98)?” se pergunta Bacman. “A resposta é simples, e ao mesmo tempo contundente: até o momento, a coalizão Cambiemos não mostrou, aos olhos da cidadania, sua excelência na gestão. A realidade supera o desejo, e a insatisfação é significativa. Se vamos aos detalhes, os dados são lapidários: 63,4% das pessoas deram notas negativas, mostrando estar abertamente insatisfeitas com o governo, enquanto 18,2% parecem estar mais satisfeitas, e deram notas positivas. O saldo entre as duas categorias é bastante negativo, são 45,2 pontos porcentuais de diferença. Uma luz vermelha intermitente. Por isso insisto em destacar que esses índices de insatisfação são ainda mais eloquentes entre os jovens. É algo muito sério”, comenta Bacman.
“Numa leitura rigorosamente sociodemográfica, os que expressam de sua inconformidade de forma mais determinante, além dos mais jovens, são os de nível socioeconômico baixo. Os independentes, que não se declaram nem a favor do governo nem da oposição, também se dividem nesse aspecto. Isso já não é estranho. Porém, segundo i ISC, já são 54,5% os integrantes desse segmento dando notas negativas ao governo, manifestando uma postura mais crítica”, finaliza o diretor do CEOP.
À primeira vista, tudo vai depender de como evoluirá a economia. Se a redução do poder de compra real dos salários continuar, e diminuir ainda mais o consumo, e se o desemprego também continuar aumentando, as notas ruim se acentuarão.
O que o verão pode trazer
“A realidade é mais forte que as esperanças”, define Roberto Bacman. Ele considera que “se sete de cada dez argentinos dizem que têm dificuldades em chegar no fim do mês, podemos prever um dezembro com incertezas para o comércio e um janeiro no qual as classes média e baixa perceberão graves dificuldades para viajar nas férias. Também temos que ficar atentos aos possíveis cortes de luz. De uma forma geral, se a cifra de pessoas insatisfeitas com a economia se mantém acima dos 70%, se consolidaria um clima que deve ser visto com muita atenção. A situação dos setores que estão abaixo da linha da pobreza é realmente grave. Nos aproximamos do fim do ano e o ambiente vai ficando mais tenso, com os fantasmas da quebra da paz social se fazendo presentes”.
Para Bacman, “a Lei de Emergência Social e Alimentária, que já tem seu trâmite adiantado no Senado, e sua sanção poderia aliviar os problemas socioeconômicos que a Argentina está atravessando. Porém, para os funcionários do governo, esta lei é `pouco clara e incompleta´, superficial demais. Tudo parece indicar que, mesmo que ela chegue a ser alterada na Câmara dos Deputados, o mais provável é que o Executivo a vete. As cartas já estão na mesa: será um final de ano com previsão de tormentas”.
“Para as classes sociais mais acomodadas tampouco se apresenta um panorama realmente alentador: de certa forma, o verão parece que não trará boas notícias. Em primeiro lugar, porque a redução do consumo nas festas poderia significar também uma redução nas férias de janeiro. Por exemplo, o município de Mar del Plata – um dos mais conhecidos balneários da Argentina – não esconde que estão se preparando para uma temporada de números abaixo da média dos últimos anos. O empregado que sente que sua empresa vende menos vê uma luz de alerta se acender, começa a ter incertezas sobre sua estabilidade e pensa que ele pode ser a vítima de uma próxima redução de pessoal. Além disso, também há o temor de uma queda do salário real. Tudo isso se torna as pessoas mais conservadoras e as férias são os primeiros gastos a serem cortados nessas situações. Além disso, também se deve considerar que o calor do verão também pode trazer mais cortes de energia, o que por sua vez pode se traduzir em maior nervosismo social. Eu diria que a nossa pesquisa mostra um cenário complexo, que deveremos ver como se desenvolve os fatos concretos. Os meses de dezembro e janeiro foram difíceis para todos os governos, nas últimas décadas”.
Tradução: Victor Farinelli
Os números da última pesquisa do Centro de Estudos de Opinião Pública (CEOP) são eloquentes: nada menos que sete de cada dez pessoas avaliam que a situação econômica atual vai “mal” ou “muito mal”. São 70,6% dos argentinos, a maioria considera que o atual governo é o responsável por essa realidade, e são cada vez menos os que atribuem os problemas ao governo anterior.
Assim, vai se estabelecendo uma tendência de mudança na opinião dos argentinos, embora algumas percepções venham sendo uma constante: dois de cada três argentinos acredita que o governo atual favorece os mais ricos e a porcentagem dos que pensam que governa para todos por igual é mínima.
Esta tem sido tendência os onze meses da atual gestão. Contudo, as medições publicadas em novembro mostram uma maior consolidação dessa percepção. Na questão em que os cidadãos qualificam a gestão do governo com uma nota de 1 a 10, a média das mesmas é de 3,98 – não seria suficiente para passar de ano, se levássemos a lógica universitária a sério. E a média é ainda mais baixa quando se leva em conta apenas a questão econômica.
As conclusões do CEOP foram tiradas de uma pesquisa muito mais ampla realizada no começo deste mês pelo instituto dirigido pelo sociólogo Roberto Bacman. Em total, foram entrevistados 1,2 mil cidadãos em todo o país, respeitando as proporções de idade, sexo, nível socioeconômico e lugar de residência. As entrevistas foram realizadas por telefone, numa mediação que o centro realiza todos os meses, enfatizando sempre os temas políticos e econômicos mais relevantes.
Raiva
Como era de esperar, as opiniões que pesam mais fortemente contra o governo dizem respeito à queda do poder de compra dos salários, à inflação e os cortes que grande parte da população teve que fazer em seus gastos devido ao aumento do custo de vida, à recessão e ao desemprego – ou o medo de perder o emprego. Para Bacman, esses fatores têm um impacto grande nas sensibilidades do cidadão comum, e isso se vêm notando há vários meses, com um agravamento em novembro.
“Se tomamos como exemplo os dados obtidos nesta última medição, é possível afirmar que a economia voltou a ocupar o centro das atenções, de tal forma que a inquietação por causa da inflação e do andar da economia cresceram novamente, e hoje são um problema grave para cerca de 46% das pessoas. Se somamos isso à percepção sobre o desemprego, é possível concluir que as preocupações estritamente relacionadas com os temas econômicos impactam a três de cada quatro argentinos. Nas duas pesquisas anteriores, a economia parecia haver dado um respiro aos argentinos e ao governo, mas foi só um descanso: tudo parece indicar que sua importância continua vigente”.
“É um tema que devemos continuar observando com cuidado, para ver sua evolução ao longo do tempo, especialmente nestes dois últimos meses do ano. A insegurança, que vinha em crescimento, mostrou uma queda neste último mês. Igualmente, se mantém como outra das principais preocupações dos argentinos, com 46,6%. A corrupção também se mantém presente na lista das principais reclamações dos argentinos, com 35,9% das citações – não é algo casual, já que os grandes meios se dedicam primordialmente às denúncias contra o governo anterior, deixando em segundo plano as notícias relacionadas aos problemas sobre o trabalho e o salário dos argentinos. Ainda assim, os números mostram o clima de preocupações que se instala no país nestes últimos meses, deixando em evidência uma sociedade marcada pela questão da economia. Outro semáforo amarelo (ou quase laranja) que se acende é o seguinte: cerca de oito em cada dez jovens manifesta sua raiva contra a realidade econômica destes tempos atuais”.
Herança
Um elemento que vem afetando desfavoravelmente o governo macrista é que entre os que consideram que a situação vai “mal” ou “muito mal”, o conceito de que o cenário é fruto de uma “herança maldita” do governo anterior está se diluindo. “Não me surpreende concluir que esse argumento vai perdendo peso e consistência perante a opinião pública, como o passar dos meses. Um dado que já observávamos nas últimas sondagens. Neste mês, quase seis de cada dez pessoas (57,3% para ser exatos) que avaliaram a atual situação econômica como negativa dizem que o atual governo é o principal responsável por essa realidade”.
Evidentemente, os onze meses de denúncias mediáticas e o quase permanente espetáculo judiciário montado em torno dos casos envolvendo Cristina Kirchner serviram para tentar conter o impacto dos resultados da política econômica na opinião pública. Foram meses nos quais se tentou instalar a ideia de que a inflação, ou a queda no consumo, ou as demissões não foram produzidas pela desvalorização do peso ou pelas altas taxas de juros, nem pelo aumento nos preços dos serviços básicos, como o gás e a eletricidade, e sim um suposto efeito gerado pela corrupção da época kirchnerista. Os números demonstram que, pouco a pouco, foi aumentando a porcentagem de entrevistados que percebe que sua situação está piorando, e que já não podem culpar aqueles que já deixaram o governo há quase um ano, no dia 10 de dezembro de 2015. Ainda assim, ainda há uma boa porcentagem de pessoas que atribui os problemas atuais à gestão de Cristina.
Ricos
Uma pregunta vem se repetindo, cada vez com maior insistência: Macri governa para os ricos? Para 65% dos argentinos a resposta é: sim. Entre agosto e novembro, essa sensação aumentou em cinco pontos percentuais. Poderíamos questionar se a pergunta foi bem formulada ou mal intencionada. No formulário de pesquisa, ela aparece da seguinte forma: “qual é o setor da sociedade que mais se beneficiou durante a gestão de Mauricio Macri?”. As opções para responder foram quatro: “a classe alta”, “a classe média”, “a classe baixa” e “todos por igual”. As respostas mostram um quadro bastante claro: somente 9,6% respondeu que foram “todas por igual”, enquanto as classes média e baixa somadas reúnem 16,3% das respostas. Para o sociólogo Bacman “os números são tão contundentes que qualquer outro comentário não adiciona nada de mais importante”.
Expectativa
O número que dá maiores esperanças ao governo de Macri, do ponto de vista econômico, é que boa parte da cidadania acredita que as coisas vão melhorar. A partir desse ponto de vista, se expressa uma polarização, já que metade das pessoas consultadas (50% exato) acreditam que a economia vai melhorar nos próximos seis meses, e quase toda a outra metade (46,8%) acha que a situação vai piorar. Essa leve supremacia da percepção otimista vem diminuindo: os esperançados são menos a cada nova consulta, mas ainda são maioria.
“Como explicar esta outra divisão da opinião pública dos argentinos?” – se pergunta Bacman. “É claro que há um núcleo que está mais claramente do lado do governo, e também um núcleo duro da oposição. Depois, observamos algo que também é muito simples: o segmento que mantém as sensações favoráveis é o dos trabalhadores independentes, que são mais resistentes a perder as esperanças. Por esse motivo, seis de cada dez independentes apoiam a ideia de uma melhora da economia para os próximos meses e desta perspectiva de esperança nasce um núcleo periférico de sustentação da atual gestão. Mas não é um grupo que garante uma tranquilidade ao governo, por conforme o tempo passa as opiniões vão mudando, logo virá um fim de ano e depois um 2017 que terá eleições (legislativas), que poderão marcar uma mudança mais brusca nessa opinião”.
A estreita avenida do meio
Os que se declaram opositores ao governo superam em quantidade os que se dizem apoiadores do governo. Entre os entrevistados, 42,8% se considera contrário ao governo, enquanto 30,4% são governistas. Esta é outra brecha que se mostrou maior nos resultados de novembro, superando os 12 pontos percentuais. O quadro mostra um panorama que tem a ver diretamente com a política, pois o CEOP separa as respostas entre os que são apoiadores ou opositores mais decididos, os do chamado “núcleo duro” de um lado e do outro, e os que se inclinam apenas levemente para um dos setores. Neste sentido, a Casa Rosada conta hoje com cerca de 23,5% de pessoal ferreamente contrárias ao seu governo (19,3 de oposição periférica), enquanto o seu apoio mais fiel é muito menos consistente: 13,3% (17,1% de apoio periférico).
“A segmentação com respeito às atitudes políticas é outro dos indicadores que expressa de forma contundente o clima de época. Através desta variável, é possível detectar a profunda divisão da sociedade argentina. Nesta última pesquisa se detecta também 26,9% de independentes pragmáticos, que são aqueles que não se definem nem como governistas, nem como opositores. A onze meses da chegada ao poder da coalizão Cambiemos (`Mudemos´, o nome da aliança partidária macrista), o quadro político do país ainda mostra dois segmentos antagônicos e um terceiro grupo mais orientado por seu pragmatismo, que se transforma numa espécie de ponto de equilíbrio”, analisa Roberto Bacman, diretor do CEOP.
O sociólogo também comenta que “se observamos detalhadamente a evolução deste quesito no último trimestre, a tendência é clara: aquela que alguma vez foi definida como `a larga avenida do centro´ parece ser uma rua cada vez mais estreita. Com o passar dos meses, a sociedade vem mostrando um maior nível de polarização, e vão diminuindo os espaços para um meio termo. Em geral, os independentes estão se dividindo em partes iguais com respeito a diferentes questões quando consultados, e isso tende a se acentuar no futuro”.
Mauricio Macri mantém uma imagem pessoal positiva para pouco mais de 45% dos entrevistados, especialmente graças aos chamados “independentes pragmáticos” que têm uma expectativa de que as coisas melhorem. Do outro lado, os que se dizem opositores sustentam uma opinião também favorável à ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner (40,6%), além de outras figuras destacáveis do peronismo e da esquerda. Contudo, também vai surgindo um outro setor entre os independentes, que é bastante crítico com respeito à situação econômica.
Este panorama é o que vai pesar nas eleições legislativas de 2017, especialmente na Província de Buenos Aires, o maior colégio eleitoral do país onde votam quatro de cada dez argentinos. Uma região cujos setores mais eleitoralmente disputados são os da região metropolitana bonaerense – lembrando que a Cidade Autônoma de Buenos Aires é considerada como um distrito federal, com representantes a parte, e portanto essa região metropolitana considera somente as muitas cidades ao redor da capital argentina – que agrupa uma parte importante dos setores independentes mais socialmente críticos. Se o diagnóstico de Bacman for correto com respeito à tendência de polarização, quem poderia se beneficiar é o ex-presidenciável Sergio Massa, que tentou se impor com a terceira via nas últimas eleições, quando foi o terceiro mais votado no primeiro turno (com 21,4% dos votos).
A insatisfação é geral
A pesquisa do CEOP traz um elemento chamado Índice de Satisfação da Cidadania (ISC), que pede aos entrevistados que classifiquem com uma nota a administração com uma nota de 1 a 10, especificamente em três aspectos: político, econômico e social. Com essas notas, os pesquisadores calculam uma média ISC de cada um dos quesitos, e também um ISC geral. Pela primeira vez desde o início dessa medição, o ISC do governo de Macri mostrou cifra abaixo de 4, sendo este o segundo mês consecutivo de queda. A nota baixa mais destacável é a do quesito econômico.
“O que significa que o ISC geral tenha se mantido dentro da casa dos 4 pontos de agosto a outubro, e que agora esteja pela primeira vez abaixo desse nível (com 3,98)?” se pergunta Bacman. “A resposta é simples, e ao mesmo tempo contundente: até o momento, a coalizão Cambiemos não mostrou, aos olhos da cidadania, sua excelência na gestão. A realidade supera o desejo, e a insatisfação é significativa. Se vamos aos detalhes, os dados são lapidários: 63,4% das pessoas deram notas negativas, mostrando estar abertamente insatisfeitas com o governo, enquanto 18,2% parecem estar mais satisfeitas, e deram notas positivas. O saldo entre as duas categorias é bastante negativo, são 45,2 pontos porcentuais de diferença. Uma luz vermelha intermitente. Por isso insisto em destacar que esses índices de insatisfação são ainda mais eloquentes entre os jovens. É algo muito sério”, comenta Bacman.
“Numa leitura rigorosamente sociodemográfica, os que expressam de sua inconformidade de forma mais determinante, além dos mais jovens, são os de nível socioeconômico baixo. Os independentes, que não se declaram nem a favor do governo nem da oposição, também se dividem nesse aspecto. Isso já não é estranho. Porém, segundo i ISC, já são 54,5% os integrantes desse segmento dando notas negativas ao governo, manifestando uma postura mais crítica”, finaliza o diretor do CEOP.
À primeira vista, tudo vai depender de como evoluirá a economia. Se a redução do poder de compra real dos salários continuar, e diminuir ainda mais o consumo, e se o desemprego também continuar aumentando, as notas ruim se acentuarão.
O que o verão pode trazer
“A realidade é mais forte que as esperanças”, define Roberto Bacman. Ele considera que “se sete de cada dez argentinos dizem que têm dificuldades em chegar no fim do mês, podemos prever um dezembro com incertezas para o comércio e um janeiro no qual as classes média e baixa perceberão graves dificuldades para viajar nas férias. Também temos que ficar atentos aos possíveis cortes de luz. De uma forma geral, se a cifra de pessoas insatisfeitas com a economia se mantém acima dos 70%, se consolidaria um clima que deve ser visto com muita atenção. A situação dos setores que estão abaixo da linha da pobreza é realmente grave. Nos aproximamos do fim do ano e o ambiente vai ficando mais tenso, com os fantasmas da quebra da paz social se fazendo presentes”.
Para Bacman, “a Lei de Emergência Social e Alimentária, que já tem seu trâmite adiantado no Senado, e sua sanção poderia aliviar os problemas socioeconômicos que a Argentina está atravessando. Porém, para os funcionários do governo, esta lei é `pouco clara e incompleta´, superficial demais. Tudo parece indicar que, mesmo que ela chegue a ser alterada na Câmara dos Deputados, o mais provável é que o Executivo a vete. As cartas já estão na mesa: será um final de ano com previsão de tormentas”.
“Para as classes sociais mais acomodadas tampouco se apresenta um panorama realmente alentador: de certa forma, o verão parece que não trará boas notícias. Em primeiro lugar, porque a redução do consumo nas festas poderia significar também uma redução nas férias de janeiro. Por exemplo, o município de Mar del Plata – um dos mais conhecidos balneários da Argentina – não esconde que estão se preparando para uma temporada de números abaixo da média dos últimos anos. O empregado que sente que sua empresa vende menos vê uma luz de alerta se acender, começa a ter incertezas sobre sua estabilidade e pensa que ele pode ser a vítima de uma próxima redução de pessoal. Além disso, também há o temor de uma queda do salário real. Tudo isso se torna as pessoas mais conservadoras e as férias são os primeiros gastos a serem cortados nessas situações. Além disso, também se deve considerar que o calor do verão também pode trazer mais cortes de energia, o que por sua vez pode se traduzir em maior nervosismo social. Eu diria que a nossa pesquisa mostra um cenário complexo, que deveremos ver como se desenvolve os fatos concretos. Os meses de dezembro e janeiro foram difíceis para todos os governos, nas últimas décadas”.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: reprodução
Nenhum comentário:
Postar um comentário