Reforma da
Previdência aumenta exploração do trabalho
A Reforma da Previdência apresentada
pelo governo ilegítimo de Michel Temer aumenta a idade mínima e o tempo de
contribuição necessário à aposentadoria, além de reduzir o valor dos
benefícios. Para o economista e pesquisador André Calixtre, a combinação é
“dolorosa e socialmente injusta”, excluirá grande parte da população do
benefício e acarretará o esvaziamento do sistema. Em sua opinião, trata-se de
aprofundar a mercantilização da Previdência e ampliar a exploração do trabalho
ao longo da vida do brasileiro.
Segundo ele, por trás das mudanças
defendidas pelo governo ilegítimo, há uma peleja pelos fundos públicos da
seguridade social, que engloba a Previdência e representa o maior gasto não
financeiro da União.
“Existe uma disputa por esses recursos e
querem jogar boa parte deles para os Fundos de Previdência Complementar, para o
mercado privado. A ideia é aprofundar a mercantilização do sistema
previdenciário brasileiro, ou seja, transferir fundos para a especulação do
mercado. Esse é um ponto muito claro da reforma”, disse Calixtre, em entrevista
ao Portal Vermelho nesta quinta (8).
Mais
exploração
A Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) que o decorativo enviou ao Congresso estabelece que homens, mulheres,
trabalhadores urbanos e rurais, do setor público e privado só poderão se
aposentar a partir dos 65 anos e depois de 25 anos de contribuição. Mesmo
assim, apenas terão direito a 76% do benefício. Para conquistar o direito aos
100%, será preciso contribuir por 49 anos.
De acordo com Calixtre, o endurecimento
das regras postergará e tornará muito mais difícil o acesso ao benefício,
aumentando, assim, o tempo de exploração do trabalho do brasileiro.
“Pouca gente olha esse lado, mas a
Previdência é um sistema criado pelos trabalhadores para impedir que o mercado
de trabalho o explore para além de suas capacidades laborais. Evita que, quando
a pessoa chegue à velhice, no esgotamento de suas capacidades laborais, ela
seja eliminada pelo mercado de trabalho. Com a reforma, haverá a expulsão de
vários trabalhadores do acesso a esse sistema. Isso é, na verdade, uma forma de
ampliar o ciclo de exploração do trabalho ao longo da vida do trabalhador
brasileiro”, ressaltou.
Menos
dinheiro, e descanso só depois dos 70
O economista declarou que o projeto
apresentado pelo governo ilegítimo o surpreendeu porque, além de aumentar a
idade mínima e o tempo de contribuição necessários à aposentadoria, ainda reduz
o valor que será pago aos beneficiários.
A reforma faz isso de duas maneiras.
Primeiro, porque o governo propõe uma mudança no cálculo do valor integral.
Hoje, ao calcular a média dos rendimentos, o INSS descarta os 20% que equivalem
aos salários mais baixos do ciclo de contribuição do trabalhador. Pelas novas
regras, será calculada a média total dos rendimentos, incluindo os salários
mais baixos, o que derrubará o valor do benefício.
Além disso, se as mudanças forem
aprovadas, poucas pessoas conseguirão receber o valor integral da
aposentadoria, já que é muito difícil chegar aos 49 anos de contribuição.
Segundo Calixtre, hoje, a média de contribuição é de 18 a 20 anos.
“Na prática, é quase impossível chegar a
65 anos de idade e 49 de contribuição. A pessoa teria que trabalhar a partir
dos 16 anos. Então você está reduzindo os benefícios de todo o sistema e
jogando as aposentadorias para além da idade mínima de 65. É isso que vai acontecer”,
apontou.
Pelos seus cálculos, muita gente só vai
ter condições de se aposentar com 75, 80 anos. “Isso tem que estar bem claro
para a população. O governo Temer está ampliando significativamente o tempo de
exploração do trabalho do brasileiro”, reiterou.
Risco
de esvaziamento do sistema
No mesmo dia em que foi anunciada a
proposta de reforma da Previdência, várias foram as manifestações de
internautas em sites e redes sociais, reclamando que não valeria mais a pena
contribuir para a Previdência. Talvez já um sinal daquilo que André Calixtre
previu: o esvaziamento do sistema.
“O mercado de trabalho brasileiro,
diferentemente do dinamarquês ou do japonês – que olham como referência –, é
extremamente heterogêneo, desigual entre as regiões, entre homens e mulheres e
com uma alta taxa de rotatividade e informalidade. Isso quer dizer que há uma
variação muito grande na contribuição ao longo da vida. O trabalhador médio
entra e sai do sistema a todo momento”, afirmou.
Por causa dessas características do mercado
de trabalho – e algumas delas deverão se acentuar ainda mais com a anunciada
reforma trabalhista –, será ainda mais difícil chegar a 25 anos de
contribuição. “Só uma parte muito pequena conseguirá. Então se estaria
expulsando essas pessoas do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). É uma
proposta que exclui a maior parte da população. É uma proposta de esvaziamento
do sistema.”
A
maior crueldade é com os mais pobres
Questionado se aqueles que ficarão de
fora migrarão para a previdência privada, o pesquisador projetou um cenário bem
mais perverso. “Esse tipo de trabalhador não necessariamente tem condições de
fazer uma previdência privada. A menos que se comece a criar previdências
complementares populares, que paguem rendimentos abaixo do mínimo”.
Para ele, contudo, o caminho mais
provável seria que muitas dessas pessoas que não conseguirão atingir o tempo
exigido de contribuição migrassem para o Benefício de Prestação Continuada, da
Lei Orgânica da Assistência Social (BPC/LOAS). Hoje, esse benefício garante um
salário mínimo a idosos com mais de 65 anos e deficientes que possuam renda
familiar de até 1/4 do salário mínimo por pessoa.
Ocorre que a reforma também altera as
regras do BPC. Será exigida idade mínima de 70 anos e o valor a ser recebido
será desvinculado do reajuste do salário mínimo. “A parte mais dura da proposta
está aí. É inaceitável, é cruel. Estão dizendo que o sujeito vai ser expulso do
RGPS e, se ele chegar aos 70 anos – porque nessas faixas de renda atendidas
pelo BPC, a esperança de vida não chega a 70 anos –, ele ainda é condenado à
pobreza. Não vai mais ter o rendimento do salário mínimo, que o BPC garantia”,
criticou o pesquisador
“A crueldade maior da proposta é que
pode haver um esvaziamento do RGPS e, ao mesmo tempo, uma impossibilidade
dessas pessoas serem atendidas pela LOAS. Então estão com isso esvaziando os
dois sistemas. Alguns idosos com recursos financeiros vão fazer suas
previdências complementares. Os que não tiverem, ficarão à própria sorte”,
completou, prevendo que será muito difícil aprovar uma reforma deste tipo.
Mascarando
desigualdades
Calixtre chamou a atenção para o fato de
a reforma da Previdência acabar com a aposentadoria especial para determinadas
categorias que têm atividades mais desgastantes e, por isso, pela norma atual,
podem se retirar do mercado de trabalho mais cedo. É o caso do trabalhador
rural.
“Dependendo da atividade que se exerce,
aos 50, 55 anos, a capacidade laboral do trabalhador já se esgotou
completamente. E, com a reforma, não haverá mais nenhum sistema que possa
proteger esse trabalhador dos setores do mercado de trabalho que são mais
intensivos, com piores condições, que não permitem a longevidade que tem um
trabalhador urbano, os da construção civil, das indústrias pesadas,
professores”, sublinhou.
De acordo com ele, a reforma governo
ilegítimo de Temer trata de maneira igual os diferentes. “Iguala todas as
regiões, as camadas da população, os gêneros. Isso é o mascaramento das
desigualdades brasileiras. E pode levar a uma consequência imprevista: as
pessoas vão deixar de contribuir”, completou.
Informalidade
dentro do mercado formal
Outra consequência possível cogitada
pelo pesquisador é o crescimento daquilo que ele chamou de "informalidade
dentro do mercado formal". Ou seja, as regras que tornam difíceis
conquistar o benefício podem provocar uma situação na qual as pessoas serão
registradas ganhando apenas o mínimo e receberão “por fora” o restante do
salário.
“Como o tempo de contribuição vai ser
muito alto, para aqueles que têm salário acima de um salário mínimo pode valer
mais a pena pedir para o patrão declarar apenas o mínimo na carteira de
trabalho e pagar o resto por fora, informalmente. Porque vão ser poucos os benefícios
pagos acima do salário mínimo com as novas regras. Ou seja, é ampliar por
dentro a informalidade. Isso pode se disseminar”, projetou.
Previdência
e desigualdade
Para Calixtre, o único ponto positivo da
reforma foi a manutenção dos benefícios das aposentadorias atrelados ao
reajuste do salário mínimo. Hoje, mais de 70% dos aposentados pelo INSS recebem
um salário mínimo. E a cobertura do sistema previdenciário entre a população
ocupada é de 72%. Entre a população idosa, é acima de 85%.
Nesse sentido, o economista apontou a
Previdência como um poderoso instrumento de distribuição de renda. Dados
apresentados por ele mostram que a seguridade social foi responsável por 23% do
crescimento da renda e por 15% da redução do índice Gini – que mede a concentração
de renda – nos últimos 20 anos.
Por essa razão, foi importante manter o
benefício vinculado ao salário mínimo. Mas, não basta manter o piso, se o
sistema irá se esvaziar.
O pesquisador destacou ainda que a
Reforma da Previdência não vem desacompanhada, ela é consequência da mudança no
regime fiscal estabelecido pela PEC 55. A proposta limita o crescimento dos
gastos públicos e, de acordo com o economista, “vai fazer com que o Brasil, de
um país de renda média, se transforme em um país de renda baixa, porque a gente
não vai ter simplesmente como financiar as políticas públicas nos próximos 20
anos”. “E o gasto previdenciário é metade do gasto social, por isso a
Previdência é a vedete”.
Alternativas
O pesquisador disse ainda que é
favorável a que a Previdência seja reformada, já que o sistema sofre uma
pressão pela dinâmica demográfica. Mas as mudanças poderiam ser feitas em
outros termos.
“Eu acredito que você poderia fazer uma
reforma olhando o lado da receita. Por exemplo, com novas fontes de
financiamento, com um sistema mais rígido de cobrança da dívida ativa, com uma
melhoria radical das distorções no regime próprio dos funcionários públicos -
que é desigual e injusto, especialmente se olharmos a Previdência dos
militares, que é metade do déficit. Inclusive, sou favorável a um aumento da
alíquota de contribuição no regime próprio dos servidores, como forma de
melhorar a captação do sistema”, enumerou.
Para ele, se o foco é apenas o corte de
despesas, trata-se de uma “reforma realmente dolorosa e socialmente injusta”. O
economista, contudo, crê que as novas regras foram apresentadas pelo governo
Temer com margem para negociação. "Não creio que essa reforma seja
considerada ideal nem mesmo por quem propôs. Houve uma tentativa de jogar mais
para cima, para, na negociação, tornar algo mais razoável”, encerrou.
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