Diretas Já!
Gilberto Bercovici*
A substituição do povo por um parlamento
deslegitimado viola o espírito democrático da Constituição. Já a recíproca
nunca poderá ser verdadeira.
Com a consumação do nefasto golpe de
Estado de 2016 e o recrudescimento da crise econômica, social e política que se
abate sobre o País, muitas vozes se levantam em favor das eleições diretas, sob
a evocativa bandeira das “Diretas Já!”.
Engrossamos esse coro. Segundo nos
parece, a solução para o atual dilema brasileiro passa, necessariamente, pela
consulta direta ao povo, único titular da soberania.
A possibilidade de eleição indireta, em
caso de renúncia ou destituição do senhor que ocupa, ilegitimamente, o cargo de
presidente de República, resultaria, mais uma vez, no alijamento do povo em um
momento decisivo da história nacional.
Naturalmente, diversos juristas e
“especialistas” se apressaram em demonstrar o seu inconformismo com a proposta
de alteração da Constituição para consagrar eleições diretas em caso de
vacância nos dois últimos anos do período presidencial.
É curioso observar que muitos deles, há
poucos meses, pisotearam, sem qualquer pudor, o texto constitucional,
legitimando um golpe de Estado, e agora, cinicamente, apresentam-se como
“guardiães da Constituição”.
Não há qualquer obstáculo à reforma do
art. 81, § 1º, da Constituição Federal para converter as eleições indiretas em
diretas.
O art. 60, § 4º, da Constituição
Federal, onde estão estabelecidas as chamadas "cláusulas pétreas”, proíbe,
explicitamente, o amesquinhamento do voto direto, secreto, universal e
periódico.
Jamais o contrário, ou seja, a
transmutação de eleições indiretas em diretas, de modo a reforçar o princípio democrático!
A substituição do povo por um parlamento
deslegitimado, sim, viola o espírito democrático da Constituição.
Já a recíproca nunca poderá ser
verdadeira.
Lamentavelmente, continuamos tendo, nas
palavras de Raymundo Faoro, uma democracia sem povo e os últimos acontecimentos
da vida nacional o comprovam de maneira eloquente.
Já passou da hora de devolvermos o poder
ao seu verdadeiro titular, o povo, fundando-se uma verdadeira República.
* Professor Titular da Faculdade de Direito da
USP
Nenhum comentário:
Postar um comentário