Por que se
sonega tantos impostos no Brasil?
Enquanto o governo federal aposta na
austeridade para recompor as contas públicas, pouco se fala no montante de
recursos que deixa de entrar nos cofres devido à sonegação de impostos e
tributos. No ano passado, segundo cálculos do Sindicato Nacional dos
Procuradores da Fazenda Nacional (SINPROFAZ), foram cerca de 500 milhões de
reais, ou cerca de 13% do PIB brasileiro.
Dimalice Nunes
Os maiores montantes são devidos à União
– Previdência e Imposto de Renda – e aos estados, na forma de ICMS. Os números
colocam o Brasil no nada honroso segundo lugar no mundo em sonegação, atrás
apenas da Rússia, de acordo com o Banco Mundial.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
(PGFN), órgão responsável pela cobrança de débitos não quitados à União,
calcula que o estoque total da dívida seja de 1,8 trilhão de reais, ou 1,41
trilhão de reais excluindo débitos com o INSS. No ano passado, apenas 14,54
bilhões de reais foram recuperados, sendo 8,4 bilhões de reais em débitos
tributários.
Mas por que se sonega tanto no Brasil?
Especialistas divergem em alguns pontos,
mas a impunidade é uma razão apontada por todos eles.
Sonegar impostos não é crime. Só passa a
ser crime quando há expediente fraudulento. Se o devedor paga o tributo, está
isento de punibilidade, mesmo quando houve fraude, ainda há uma sensação de
impunidade.
A forma como a legislação brasileira
entende a sonegação é vista como branda em relação às experiências
internacionais, onde é comum que a sonegação em si seja crime. É como se alguém
que rouba algo ficasse livre da pena ao devolver o bem. Na prática, se usa o
direito penal não para criminalizar, mas para arrecadar tributos. É a conjunção
perfeita: se o contribuinte quiser fraudar o sistema, mesmo sabendo que está
cometendo um crime, sabe que é um crime que resolve pagando.
Para o presidente da Associação Nacional
dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (UNAFISCO), se o crime de
sonegação, e outros crimes relacionados ao tema, não permitissem que o
pagamento do tributo retirasse a possibilidade de punição, certamente a
sonegação e as fraudes tributárias seriam menores.
O pagamento deveria provocar somente uma
redução da pena e não a falta de punição. O sonegador sabe que o risco de ser
pego é pequeno. E, se for pego, sabe que pagará e não será preso. Assim, está
criado o ambiente perfeito para proliferar a sonegação.
Mas a impunidade é parte do problema. O
tamanho da carga tributária, a disfuncionalidade do sistema e os recorrentes programas
de renegociação de débitos se não incentivam propriamente a sonegação, pelo
menos tiram o pagamento de impostos do topo da lista de prioridades entre as
obrigações financeiras de empresas e pessoas físicas.
O fator preponderante para a tomada de
decisão do empresário de sonegar é a carga tributária. O empresariado entende
que a carga é extremamente alta e o empresário tem que fazer opções ou ele não
consegue pagar a folha de salário, pagar fornecedores e, na maioria das vezes,
deixa de pagar os tributos. Dizem que talvez se a carga tributária fosse menor,
não haveria tanta sonegação. Mais pessoas pagariam, a base seria maior, e não
seria tão complicado e pesado no bolso do contribuinte efetuar o pagamento dos
tributos.
Quando se olha para a pessoa física, a
sensação de “falta de retorno” também pesa. Falta de retorno em saúde, educação
e segurança por parte do governo, adequado e proporcional ao que se paga, é o
grande incentivo à sonegação.
A complexidade do sistema tributário
brasileiro também é um fator considerado pelos especialistas quando o assunto é
sonegação. Essa complexidade adiciona custo às empresas, mas isso não é
exclusividade do Brasil. Basta olharmos o código tributário dos Estados Unidos
e de alguns países da Europa que constatamos isso.
Muito da complexidade do sistema
tributário advém de pressões de grandes contribuintes junto aos poderes
executivo e legislativo.
O caso do PIS/COFINS não cumulativo é um
exemplo clássico. Os empresários pressionaram e, para atendê-los, foi criada
uma sistemática de créditos que agravou muito a complexidade desses tributos. Isso
se refere ao regime que permite às empresas descontar certos gastos que tiveram
para produzir seus produtos, modalidade usada predominantemente por grandes
empresas.
Para que os tributos respeitem a
capacidade contributiva de cada cidadão ou empresa, como manda a Constituição,
é preciso olhar os detalhes de cada pessoa. Nosso sistema tributário pode
melhorar nesse ponto, mas a simplificação máxima implicaria numa justiça fiscal
mínima. Temos que tomar o caminho do meio nesse aspecto.
Renegociação
frequente
Teórica e historicamente, o contribuinte
que deixa de pagar seus tributos pode ser multado em até 100% do imposto
devido. Mas desde 2000 o governo tem facilitado a vida das empresas com os
programas de recuperação fiscal.
Esses programas vieram com o intuito de
incentivar as empresas a regularizarem suas dívidas. O efeito, porém, foi de
bola de neve: com a parcela de um programa de financiamento impedindo que o
empresário (notadamente os menores), não conseguisse honrar com os impostos
correntes. E, de tempos em tempos, o governo foi lançando programas de
refinanciamento, muitas vezes com isenção de juros e logos prazos de pagamento.
O aspecto bom do REFIS é permitir que as
empresas não quebrem. O aspecto ruim é que se de três em três anos vem o
governo e dá um desconto de multa, juros e mora, acaba criando no contribuinte
um comportamento de não pagar os tributos e esperar esse benefício. Então é
fato: o REFIS tem esse aspecto anti-isonômico.
Os programas de renegociação não
incentivam a sonegação, mas sim a inadimplência. Como o governo, volta e meia,
edita um programa especial de renegociação de débitos tributários, há
contribuintes que optam por não pagar os tributos no prazo, já contando que
virá mais um programa. Se o governo tratasse esses programas como algo
excepcional, não haveria o desestímulo para os contribuintes pagarem seus
tributos no prazo.
A Unafisco
é enfática: foi criada uma cultura de expectativa por parcelamentos especiais
frequentes. Desde o ano 2000 foi criada na cabeça dos contribuintes a certeza
de que haverá parcelamentos especiais e isso acarreta uma diminuição da
arrecadação de 50 bilhões de reais por ano só em termos federais.
Grandes
devedores
Se são os grandes devedores que têm
poder de fogo até para mudar a regulamentação de tributos, também são eles que
podem arrastar por décadas disputas de cobranças na Justiça. Do total da dívida
ativa, dos 1,84 trilhão de reais citados, 931,2 bilhões de reais, ou 64,5%, é
de responsabilidade de grandes devedores. Importante lembrar que só são
inscritos na dívida da União débitos julgados em todas as instâncias
administrativas, com vitória para a União.
O principal problema que o governo
enfrenta com os grandes devedores não é a sonegação, mas sim o litígio
judicial. São litígios bilionários que se arrastam durante anos ou mesmo
décadas. E quando finalmente ocorrem vitórias em favor do Fisco e o débito é
inscrito na dívida ativa, ao serem executados fiscalmente pelo governo, há
contribuintes que já esvaziaram seus patrimônios e não há como quitar as
dívidas.
São, ainda, os grandes devedores que
mais se beneficiam dos programas de parcelamentos especiais. Segundo a Unafisco, 69% dos que aderem a esses
programas são empresas que faturam mais de 150 milhões por ano.
Os grandes contribuintes são os que mais
investem para estruturar planejamentos tributários agressivos que, em boa parte
dos casos, são enormes esquemas de fraudes. Bancos e outras grandes empresas
estimulam seus executivos a trazerem propostas de “economia” tributária em
troca de bônus milionários. O caso da Enron nos EUA repete-se diariamente no
Brasil.
Fonte: Carta Capital, 29/05/2017
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