domingo, 3 de setembro de 2017

A nova direita é mesmo democrática?

21/08/2017 14:36 - Copyleft

A nova direita é mesmo democrática?

A direita representada pelo macrismo não deve ser subestimada porque representa um amplo setor da sociedade


Martín Granovsky
 
Em recente artigo para o jornal argentino Página/12, o analista político José Natanson escreveu uma interessantíssima análise tanto sobre os votos a favor de Cambiemos (a coalizão política de Macri) nas recentes eleições primárias para o Legislativo argentino (que ocorreu no domingo retrasado, 13 de agosto) quanto do próprio macrismo como construção política. Ele define o bloco como “uma direita democrática e renovada”. Eu me pergunto, ainda sem resposta conclusiva, se a palavra “democrática” pode se aplicar em plenitude neste caso, sem ressalvas, e não sobre Cambiemos como aliança política, e sim como força de governo.
 
No texto, Natanson diz que “o objetivo deste artigo não é denunciar a simulação feita por Cambiemos em seu discurso, nem despir o lado obscuro de sua verdadeira alma, mas entender porque suas propostas se mostram convincentes, indagando os motivos profundos de sua eficácia. Enfim, entender porque funciona”.
 
Minha intenção, simplesmente, é discutir uma parte do parágrafo final, que cito textualmente: “o macrismo não é uma anomalia, um acidente ou um golpe de sorte; é uma força potente que se encontra em avanço, construindo uma nova hegemonia (política). Os resultados socialmente negativos de suas políticas, o ideário individualista promovido através de suas políticas e suas decisões, o conceito liberal de justiça sobre o qual sustenta seu discurso, tudo isso empurra a sociedade para o lado direito do quadrante ideológico, mas é uma direita democrática e renovada, que até o momento estava ausente da nossa cena política. Essa é a grande novidade, a notícia que a oposição deveria registrar se realmente deseja vencer em outubro”.
 
Para mim, parece que há outras novidades, que nos obrigam a não subestimar esta nova direita. E não somente com relação às eleições legislativas de 22 de outubro (na Argentina), mas pensando em termos de qualidade democrática..
 
Quero expressar esta ideia com exemplos:
 
O uso de decretos de urgência para decisões importantes como a integração de membros da Corte Suprema ou a derrubada da antiga regulação audiovisual, que tinha sanção prévia de ambas as câmaras legislativas e uma decisão favorável da Corte Suprema.
 
A resistência em continuar com a tradição de seguir o direito internacional com respeito aos direitos humanos, suas convenções com obrigação constitucional sobre o direito interno e seus organismos, como a Comissão Interamericana.
 
A seleção de novos membros da Corte Suprema após avaliar, entre outros antecedentes, seus questionamentos ao sistema interamericano de direitos humanos. Uma de suas consequências foi a sentença na qual se aplicou a lei “dois por um” (que reduz os anos em prisão) aos genocidas da ditadura. Outra, a decisão do Supremo Tribunal sobre o Caso Fontevecchia, onde se questionou diretamente a jurisdição do sistema interamericano – que condenou a Argentina pela sentença dada aos jornalistas Jorge Fontevecchia e Hector D’Amico, devido a uma publicação, em 1995, de reportagem que desagradou o então presidente do país, Carlos Menem.
 
O discurso de Mauricio Macri dizendo “nunca mais” sobre as violações aos direitos humanos, com vagas alusões aos anos de chumbo, junto com sua impossibilidade em pronunciar o termo “terrorismo de Estado”. No caso de um presidente, o discursivo não fica meramente no plano das palavras. Sempre tem relação com os fatos e as ações.
 
A manipulação de figuras jurídicas, como a acusação de “resistência à autoridade”, usada para restringir a liberdade de manifestação, sobretudo de adolescentes, e sobretudo de adolescentes pobres.
 
A frivolização de um caso de desaparição forçada, como a de jovem indígena Santiago Maldonado, e o possível ato de encobrimento que se viu depois que essa postura se viu exposta.





 
A pressão sobre a Justiça do Trabalho a partir das palavras do próprio presidente Macri, afirmando que é preciso nomear “juízes que nos representem”.
 
O pedido de juízo político a juízes trabalhistas por convalidar a homologação de um acordo como o da Associação Bancária com a patronal do setor.
 
A detenção irregular da dirigente social Milagro Sala, segundo parecer do Grupo de Detenções Arbitrárias da ONU.
 
O estilo barrabrava observado no processo de integração do novo Conselho do Magistério.
 
A designação de um juiz substituto simpático ao seu setor para manejar a Justiça Eleitoral na Província de Buenos Aires.
A forma manhosa com a qual o Executivo difundiu os números oficiais nas primárias legislativas, especialmente nas províncias de Santa Fé e Buenos Aires.
 
Contudo, a direita representada pelo macrismo não deve ser subestimada porque, está claro, representa um amplo setor da sociedade. A prova é que ganhou as eleições de 2015 via voto democrático e conseguiu um bom desempenho nas recentes primárias. Por sua parte, a esquerda não superará essa análise, e tampouco a disputa política, se somente ficar gritando consignas como Macri basura, vos sos la dictadura (“Macri seu lixo, você é a ditadura”). Como todo lema, esse somente busca referências no passado, e não diz nada sobre uma enorme novidade: a direita que governa hoje mostra uma inclinação permanente a produzir fatos que diminuem a qualidade institucional da democracia. E esse talvez seja um dos seus projetos a longo prazo para ter condições de redesenhar a Argentina sem maiores contratempos.

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