Frei Leonardo Boff
Se você já não enxerga
perspectiva de futuro, despreza políticos e a política, recolhe-se à sua esfera
privada, é sinal de que lhe roubaram a esperança.
Se já não suporta o
noticiário, acredita que a espécie humana deu errado e todas as libertações
resultam em opressões, saiba que lhe roubaram a esperança.
Se destila ódio nas redes
digitais, desconfia de todos que proferem discursos sobre ética e preservação
do meio ambiente, e confia apenas em sua conta bancária, esteja certo,
roubaram-lhe a esperança.
Se não curte mais sonhos de
um futuro melhor, não injeta utopia na veia e não assume seu protagonismo como
cidadão, preferindo se isolar em sua redoma de cristal, é sinal de que lhe
roubaram a esperança.
Os amigos de Jó tudo
argumentaram para que ele abdicasse da esperança. Como teimava em mantê-la
acesa se havia perdido terras, riquezas e família? Jó não introjetou a culpa,
não jogou sobre os ombros de outrem os males que o afligiam, não abominou os
revezes que o acometeram.
Reza o poema de Franz Wright,
inspirado na prece da poetisa persa Rabi'a al-Adawiyya:
Deus, se pronuncio meu amor
por você por medo do inferno, incinere-me nele;
Se
pronuncio meu amor por ansiar pelo paraíso, feche-o em minha face.
Mas
se com você eu falo apenas porque você existe, pare
De
esconder de mim sua
Infinita
beleza.
Nessa gratuidade da fé, da
esperança e do amor é que Jó se sentiu recompensado ao contemplar a infinita
beleza: "Te conhecia só por ouvir dizer. Mas, agora, meus olhos te
viram" (42,5).
Como escreveu Spinoza em seu
"Tratado teológico político", "um povo livre se guia pela
esperança mais do que pelo medo; o que está oprimido se guia mais pelo medo do
que pela esperança. Um almeja cultivar a sua vida. O outro, suportar o
opressor. Ao primeiro, eu chamo livre. Ao segundo, chamo servo."
Você, como eu, é vítima de
promessas que se transformaram em ilusões que desembocaram em frustrações. Nem
por isso admito que me roubem a esperança.
O segredo? Simples. Não me
prendo ao aqui e agora. Olho as contradições do passado, marcado por
retrocessos e avanços. Quantas batalhas perdidas resultaram em guerras
vitoriosas? E quantos imperadores, senhores da vida e da morte, dos Césares a
Átila, o huno; de Napoleão a Hitler; acabaram enxovalhados pela história?
Encaro o futuro em longo
prazo. Sei que não participarei da colheita, mas faço questão de morrer
semente.
Não creio em discursos nem
amarro a minha esperança no paraquedas de algum Avatar que promete salvação em
curto prazo. Exijo programas e projetos, e julgo seus portadores por critérios
rígidos. Procuro conhecer-lhes a vida pregressa, o compromisso com os
movimentos sociais, sua ética e valores.
Sei que o futuro será o que
fizermos no presente. Não espero milagres. Arregaço as mangas, convicto de que
"quem sabe faz a hora, não espera acontecer".
A esperança é uma virtude
teologal. A fé crê; o amor acolhe; a esperança constrói. Assim como o caminho
se faz ao caminhar, a esperança se tece como o alvorecer no poema de João
Cabral de Melo Neto:
Um galo sozinho não tece a
manhã:
Ele
precisará sempre de outros galos.
De
um que apanhe esse grito que ele
E o
lance a outro: de outro galo
Que
apanhe o grito que um galo antes
E o
lance a outro; e de outros galos
Que
com muitos outros galos se cruzam
Os
fios de sol de seus gritos de galo
Para
que a manhã, desde uma tela tênue,
Gosto do verbo esperançar –
estender o fio de Ariadne que nos conduz a todos para fora do labirinto. É um
esforço coletivo, uma ação comunitária, um mutirão que nos irmana na certeza de
que de dentro da pedra corre o filete de água que forma o córrego, faz o
riacho, vira rio e rasga a terra, rega campos, alimenta ribeirinhos, até se
somar ao leito do oceano.
Como diz Mário Quintana em
"Das utopias",
Se as coisas são
inatingíveis... ora!
Não
é motivo para não querê-las...
Que
tristes os caminhos, se não fora
A
mágica presença das estrelas!"
Fonte: Brasil247
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