segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Tribunal do juri sobre ataque

Tribunal do juri sobre ataque

A julgar pelas medidas relacionadas à legitima defesa, ao que parece, essa proposta só servirá para beneficiar os agentes de segurança públicas

 
11/02/2019 11:38
(Arquivo pessoal)
Créditos da foto: (Arquivo pessoal)
 
Em 1937, Sebastião e Joaquim Naves foram acusados pela morte do primo Benedito que estava desaparecido da cidade de Araguari, em Minas Gerais, após desconto de um cheque referente à compra da produção de arroz. Ambos foram levados à júri após procedimento cuja prova principal é o testemunho obtido mediante tortura. Os jurados absolveram, no primeiro júri realizado em 1938. Ainda assim os réus permaneceram presos para fins de apelação. No mês de março de 1939, outra absolvição. O MP recorreu, a Constituição de 37 retirara a soberania do Júri e o tribunal de justiça condenou os irmãos a 25 anos de prisão. Joaquim, após concessão de Livramento Condicional, morreu em 1948. Sebastião foi absolvido em 1952 quando Benedito, o primo, reapareceu “vivinho da silva” na fazenda de seus pais![1]

Por muito pouco, o mesmo destino não teve Júlio Alberto Guimarães, réu no processo criminal que apurava a morte de Fernanda e seu filho Pedro de 1 ano em 2010[2]. O crime aconteceu de madrugada. O assassino entrou pela janela do quarto, esganou Fernanda e esfaqueou a criança. A polícia investigativa ouviu um vizinho que havia sido furtado em sua casa horas antes. Ele disse, em um primeiro depoimento, que vira um vulto já pulando o muro e que não tinha condições de auxiliar na confecção do retrato falado. Essa mesma testemunha, dias depois, foi à delegacia e reconheceu no senhor Júlio – conhecido andarilho da cidade - a pessoa que havia pulado sua casa. prisão temporária foi decretada. Júlio, preso. A temporária foi convertida em preventiva. Júlio ficou preso até a data do julgamento. Defendido pela Defensoria, foi absolvido. O Ministério Público recorreu. O Tribunal anulou o julgamento sob o argumento de que erram os jurados. Júlio foi a novo júri-com pouquíssimas chances de ser absolvido! 

Mas, nesse caso, sua “sorte” foi a prisão em flagrante e a confissão de Sailson, em 2014, mais tarde conhecido como o “serial killer” da Baixada Fluminense, que afirmou ser o autor daquelas mortes[3].

E o que há de comum num e em outro caso? Acertaram os jurados, erram os funcionários do Sistema de Justiça- promotores e juízes.

Para que injustiças desse tamanho não voltem a acontecer, existem as garantias judiciais! No Sistema Interamericano de Direitos Humanos[4], por exemplo, a Convenção assegura a pessoa tem direito ao tempo e aos meios adequados para preparar sua defesa. Fato que reforça o estado de exceção da prisão preventiva. Ainda mais quando o crime é apenado com penas graves, como no caso do homicídio qualificado, cuja pena mínima é de 12 anos e que tem os direitos de execução penal limitados pela LEP.

Fato é que essas garantias e outras mais (especificamente o direito a ser tratado como inocente até sentença penal firme), têm sido sistematicamente violadas pelos Estado-Juiz ou pelo Estado-Acusação quando se trata de réus pobres (e quase todos pretos). As leis podem até existir, mas as práticas são outras. Veja-se, por exemplo, o mandado de busca e apreensão coletivo nas favelas. Há uma anedota no Rio de Janeiro: ordenar expedir este mandado de prisão na favela é fácil, difícil é a busca num conhecido condomínio da Barra da Tijuca.

Essas situações demonstram que as leis não são suficientes para evitar comportamento discriminatório por parte dos órgãos de conformam o sistema de justiça- continuam sendo para “inglês ver”.

A novidade agora é que o próprio tratamento discriminatório quer virar lei!

A comunidade jurídica assiste estarrecida a entrega do chamado “pacote anti-crime” do Ministro-Juiz. E usuários da Defensoria Pública gritam de dentro das cadeias/navio negreiros para que sejam salvos da morte-pena que é a prisão- executada de forma lenta e dolorosa...

O pacote deixa claro que a “Casa-Grande” está determinada e ela não tem coração (e nem poderia ou alguém já perguntou a Sergio Moro quantas prisões ele visitou em nosso país??). Herdeira da crueldade dos primeiros colonizadores, atualizam o genocídio das populações originais: querem dizimar os pobres - maioria dos “clientes” do sistema penitenciário.

O caminho sempre foi muito fácil: arrumar mil motivos para manter as pessoas na cadeia. Agora, deixa de ser uma prática e passa a ser lei! Ainda que não tenham nem sua culpa formada ficam até com o direito de deixar de trabalhar para provar sua defesa, precisam se sujeitar ao julgamento pelo tribunal do júri de decisão que pode ser modificada com a exclusão, por exemplo, de qualificadoras manifestamente improcedentes... 

Assim, por exemplo, pela nova redação do art. 421 do “projeto”, a interposição de Recurso contra a sentença de pronúncia não obsta do julgamento em plenário.

Qual o sentido do júri julgar um caso cuja acusação pode ser completamente modificada pelo recurso da pronuncia? 

Quantos plenários de júri o Ministro-Juiz presidiu? A julgar pela proposta, poucos. Não levou em consideração, por exemplo, que o acusado condenado pelo júri e posteriormente impronunciado, leva o Sistema de Justiça a movimentar sua máquina para um júri que não precisaria ser feito!

Mesmo caminho será aquele cujo recurso em sentido estrito visa a combater as qualificadoras manifestamente improcedentes. Muitas vezes a denúncia aponta uma ou outra qualificadora. O promotor da vara resolve aditar a denúncia para incluir outras. A defesa contesta. O sujeito é pronunciado. Dessa forma, é só o juiz – presidente incluir em pauta que o sujeito será julgado por uma acusação que pode ser modificada. Outra sessão plenária deverá ser preparada.

Outro ponto muito preocupante no “projeto” são as modificações do art. 492 do Código de Processo Penal, CPP. Muito se fala em violação ao direito a ser tratado como inocente. Essa violação grita! Mas, outras também estão implícitas e que precisam ser analisadas.

Por exemplo, o argumento para a execução provisória da pena é gravidade do crime. Ocorre que também é preciso olhar para a gravidade da pena. E isso significa que quando a gravidade da pena é alta, mais altos deverão ser os estandares de proteção, em especial o direito de produzir prova e confrontar as testemunhas que acusam. Como fazer isso de dentro da cadeia? 

E na situação de ser condenado com pendência de recurso de pronúncia, o efeito suspensivo da apelação deverá ser requerido no Tribunal de Apelação em relação a matérias que podem resultar absolvição/anulação/novo julgamento/substituição da pena. Ora, como clausula pétrea, a Constituição Federal instituiu a soberania dos veredictos. Dessa forma, os tribunais só poderiam se manifestar sobre situações que levariam a um novo julgamento.

A julgar pelas medidas relacionadas à legitima defesa, ao que parece, essa proposta só servirá para beneficiar os agentes de segurança públicas... 

Por outro lado, parece que Ministro-Juiz quer priorizar a decisão de primeira instância em detrimento da razão de ser dos recursos processuais: o reconhecimento da falibilidade humana. 

Para concluir, são medidas que de forma direta e indireta apostam no encarceramento e reforçam o estágio lamentável de degradação humana que se encontra nosso sistema penitenciário- fato reconhecido pelo próprio STF[5].

São medidas que terão um impacto desproporcional visto que servirão para aumentar a terceira maior população carcerária do planeta! Num sistema penitenciário que é a expressão mais atualizada das senzalas...

O processo penal existe para proteger pessoas como Sebastião, Joaquim e Júlio. Histórias que não podem ser esquecidas, memória que precisam ser resgatas para que não se repitam. NUNCA MAIS! 

Renata Tavares da Costa é Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro. Titular do Tribunal do Júri de Duque de Caxias.

Referências Bibliográficas:
Brasil. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Proc nº 0015909-41.2015.8.19.0038.

GARCIA, Luis M. El derecho del Imputado a la Asistencia Legal en los Instrumentos Internacionales de Derechos Humanos. Una Visión Americana. Nueva Doctrina Penal. Pág. 465.

G1. Homem Confessa ter matado mais de 40 no RJhttp://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/12/homem-confessa-ter-assassinado-mais-de-40-pessoas-no-rj.html. Acesso em: 9 de fev. 2019.

Silva, Camila Garcia da. O caso dos irmãos naves, <http://www.revistaliberdades.org.br/site/outrasEdicoes/outrasEdicoesExibir.php?rcon_id=58> Acesso em: 9 de fev. 2019
 
[1]Silva, Camila Garcia da. O CASO DOS IRMÃOS NAVES: tudo o que disse foi de medo e pancada..., <http://www.revistaliberdades.org.br/site/outrasEdicoes/outrasEdicoesExibir.php?rcon_id=58> Acesso em: 9 de fev. 2019
[2] Brasil. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Proc nº 0015909-41.2015.8.19.0038.
[3] G1. Homem Confessa ter matado mais de 40 no RJhttp://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/12/homem-confessa-ter-assassinado-mais-de-40-pessoas-no-rj.html. Acesso em: 9 de fev. 2019.
[4] Sistema este que o Brasil é signatário não só da Convenção Americana, mas também, da Corte Interamericana.
[5] Brasil. STF. ADPF nº 347

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