A degradação do
Judiciário
É certo que, ao compactuar com o golpe
de 1964 e, assim, com a ditadura militar que durante mais de duas décadas
assolou o Brasil, o Judiciário perdeu a identificação que parecia ter com o
Estado de direito. Mas, ainda assim, especialmente depois do fim da ditadura,
permanecia uma aura de respeitabilidade com o Judiciário brasileiro, uma
expectativa de que fosse o guardião da Constituição democrática, dos direitos
das pessoas, da democracia.
Junto com a perda da continuidade do
processo democrático, o Brasil perdeu também, com o golpe
de 2016, o respeito pelo Judiciário, a começar pela sua instância máxima, o Supremo
Tribunal Federal. O mínimo que se pode dizer é que, diante da mais grave
decisão tomada pelo Congresso brasileiro, a do impeachment, com versões
polêmicas sobre os seus fundamentos, o Supremo Tribunal Federal assistiu tudo
como se não tivesse nada a ver com ele. Como se não tivesse a responsabilidade
de zelar pela Constituição, decidindo sobre se houve ou não crime de
responsabilidade. Se não serve para isso, para que serve o Supremo Tribunal Federal?
Pior ainda. O silêncio foi acompanhado
da vergonhosa negociação do aumento de 41% para o Judiciário. A Folha de São Paulo
noticiou que, nos intervalos das gravíssimas sessões do Senado, que tomava a
mais grave decisão da sua história, a do impeachment, o então presidente do Supremo
Tribunal Federal fazia lobby a favor daquele aumento com os senadores, sem
pudor, num troca-troca explícito. Buscava aumentar ainda mais os salários
inconstitucionais de marajás que eles tinham recebido das mãos de Eduardo
Cunha, em pleno processo de impeachment na Câmara de Deputados. Personagem
poupado pelo Supremo Tribunal Federal até que ele tivesse feito o trabalho sujo
de promover o impeachment da Dilma na Câmara.
Depois, uma vez aprovada a infundada
decisão do impeachment pelo Congresso, o Supremo Tribunal Federal não se
pronunciou sobre a sua constitucionalidade, questionada por tantos advogados.
Seu papel, minimamente, de zelador da Constituição, seria o de abrir esse texto
e definir se houve ou não crime de responsabilidade. Poderia até concordar com
a decisão do Congresso, mas o que não poderia fazer, era ficar calado,
deixando, com o seu silêncio cúmplice, que se terminasse com o mandato de uma
presidente recém-reeleita pelo voto popular, sem nenhum fundamento que
justificasse esse ato de violência contra a democracia.
Mas o fez e, com seu silêncio,
sacramentou sua responsabilidade com a ruptura da democracia no Brasil, da qual
deveria ser o zelador. Porém, mais do que isso, demonstrando que não se trata
de um episódio fortuito, o Supremo Tribunal Federal participa ativamente do
projeto do golpe. Impediu que Lula, sem ser réu em qualquer processo, assumisse
um cargo no governo de Dilma, mas permite que 15 ministros do governo Temer
façam isso.
Aceita que a escandalosa parcialidade de
Moro e dos seus comparsas, na ação unilateral contra Lula, seja considerada "imparcial",
permitindo que ele monte os processos contra Lula, façam as acusações, julgue e
provavelmente condene o ex-presidente. O Supremo Tribunal Federal aceita
silenciosamente as monstruosidades cometidas contra Lula, o único líder popular
no Brasil, demonstrando que deseja romper qualquer traço de legitimidade do
sistema político brasileiro, compactuando com sua exclusão.
Um Supremo Tribunal Federal como esse
tornou-se uma vergonha para a democracia brasileira. Desonra a função que
deveria ter de guardião da Constituição, violada semanalmente pelo governo
golpista e por seu Congresso corrupto. Degrada a função do Judiciário. Provoca
a necessidade de que a restauração democrática promova a reforma profunda do
Judiciário brasileiro, sob o risco de impedir que a democracia volte a reinar
no Brasil, através da decisão soberana do povo.
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