Parte de quem apoiou o impedimento da
presidenta Dilma Rousseff partiu da premissa de que a ascensão de um novo
governante imporia o fim da recessão. Bastaria a equipe econômica considerada dream team do rentismo entrar em campo
para o placar imediatamente ser revertido.
Márcio Pochmann*
De certa forma, uma expectativa fundada
no passado anterior, quando a recessão econômica no governo Collor,
interrompido em 1992, ficou para trás por força do novo impulso associado ao presidente
Itamar Franco. Em 1992, a economia brasileira registrou retração de 0,5% ante a
expansão de 1% no ano anterior. Mas em 1993, sob a condução de Itamar, o
Produto Interno Bruto saiu da recessão para a expansão de 4,8% e, em 1994, o
crescimento de 5,9%.
Para tanto, não houve reformas contra a
administração anterior, mas simplesmente a vontade do governante de interromper
a recessão e apostar no crescimento econômico fundamental para o enfrentamento
do desemprego e da queda no rendimento médio da população. Com o Plano Real,
também implementado por Itamar no segundo semestre de 1994, a baixa taxa de
inflação voltou a ser uma realidade nacional.
Duas décadas após, a situação do Brasil
parece ser completamente diferente. Se a desaceleração e a recessão da economia
brasileira podem ser creditadas ao governo da presidenta Dilma, a depressão
gestada desde o segundo semestre de 2016 resulta da opção exclusiva do mandato
Temer. Isso porque a recente reorientação neoliberal de ataque às bases da
economia social montadas desde a Constituição Federal de 1988 altera parcela
significativa do comportamento geral da demanda agregada nacional e desconstrói
consideravelmente a elevação do padrão de vida dos brasileiros, sobretudo
daqueles situados na base da pirâmide social.
Entre 2011 e 2014, a economia nacional
cresceu 1,5% como média anual, inegável desaceleração se comparada à expansão
de 4,6% ao ano no período de 2007 a 2010. Durante o primeiro mandato de Dilma,
a ascensão dos princípios de economia da oferta (supply side), substitutiva da
conduta keynesiana anterior de estímulos à demanda agregada, contraiu
parcialmente as fontes internas de dinamismo ainda mais diante da piora do
contexto econômico internacional. A taxa de investimento decresceu 0,25% como média
anual de 2011 a 2014 ante a expansão de 10,1% entre 2007 e 2010.
Em 2015 e 2016, a adoção da política
recessiva reduziu o nível geral da atividade econômica em cerca de 8%. A queda
acentuada no comportamento do Produto Interno Bruto deveu-se tanto ao choque de
custos imposto ao setor produtivo (elevação combinada de juros, preços
administrados e câmbio) quanto à contração dos gastos e investimentos no setor
público.
A entronização de Temer com a
interrupção do segundo governo Dilma não levou ao abandono da orientação
recessiva. Ao contrário. Indica a liquidação da base da economia social
assentada nos grandes complexos do Estado de bem estar social, especialmente no
âmbito da seguridade social (saúde, previdência e assistência social) e
educação, que havia se mostrada favorável ao avanço do gasto social relativo ao
PIB.
Atualmente, o gasto social agregado se
aproxima de 23% do PIB, quase dez pontos percentuais a mais do que o verificado
em 1985, equivalente a 13,5%. De cada quatro reais gastos no País, um
vincula-se diretamente à economia social. Se for contabilizado o seu efeito
multiplicador (elasticidade de renda de 0,8) pode-se estimar que quase a metade
da produção de riqueza nacional se encontra relacionado direta e indiretamente
dinâmica da economia social.
De maneira geral, registra-se também que
o rendimento das famílias depende, em média, de quase um quinto das
transferências monetárias derivadas das políticas previdenciárias e
assistenciais da seguridade social brasileira. Antes da Constituição Federal de
1988, as famílias não chegavam a deter, em média, 10% dos seus rendimentos com
transferências monetárias. Enquanto na base da pirâmide social, o peso das
transferências monetárias no rendimento das famílias cresceu 4,1 vezes em quase
três décadas (de 7% para 29%), no cume aumentou 2,4 vezes (de 8% para 19%).
Indústria
A aprovação da emenda constitucional
241/55, aquela do teto aos gastos públicos não financeiros, eleva a
instabilidade política com a ruptura do acordo político de 1988 e dissolve
parcela significativa do dinamismo possível da produção pela economia social. A
receita da depressão econômica combinada do salve-se quem puder.
Resumidamente, sabe-se hoje que Temer
não é Itamar Franco, por várias razões, embora os dois tenham sido
vice-presidentes que alçaram a condição de presidente em virtude de
impeachment. Em 2017 isso será mais evidente, quando ao invés do crescimento, a
economia evidenciar ainda mais os sinais da depressão com o encolhimento da
capacidade de produção (desinvestimento).
Quem viver, verá!
*Professor do Instituto de Economia e
pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Nenhum comentário:
Postar um comentário