O Esquerda Diário esteve em Brasília com
o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. O diplomata, com longa trajetória no
Itamaraty, foi vice-chanceler no governo Lula e ministro da pasta de Assuntos
Estratégicos durante o mesmo governo.
·
Leandro Lanfredi: Como avalia o papel do Judiciário, da Lava-Jato em particular, já que
existem muitos analistas que apontam a semelhança com o golpe paraguaio, como
justificativa do golpe, e os próprios procuradores, o Sérgio Moro, comparam
mais com a “Mãos Limpas”, que seriam mudanças mais profundas que um “golpe
paraguaio”.
Samuel
Pinheiro: Bem, eu acho que desde que
o presidente Lula tomou posse começou uma campanha de desestabilização, cuja
primeira operação foi a chamada AP 470, o “mensalão”, onde tentaram ali
criminalizar as pessoas, criminalizar o próprio presidente, e ele reagiu
politicamente e sobreviveu, e atingiu “apenas” 87% de popularidade no último
dia de mandato. Aparentemente isso refletiria satisfação do povo com o governo
e sua gestão. Essa campanha prosseguiu de uma forma mais leve até que surgem os
processos da Lava-Jato. Eles têm um objetivo político.
O objetivo político não é a luta contra
a corrupção, é a luta contra a esquerda. Tanto é que a maior parte dos
envolvidos nesses processos era de outros partidos que não o PT. Aí foi um
conluio da imprensa com a Lava-Jato, com a Lava-Jato usando a imprensa e a
imprensa usando a Lava-Jato para sua campanha política tradicionalmente
conservadora. Então, os vazamentos seletivos… e o Judiciário em geral foi
conivente, porque a delação premiada é um criminoso confesso que se oferece
para delatar outras pessoas, tanto menor será sua pena quanto mais revelações
ele fizer e, inclusive, se ele percebe que há um viés político se ele acusar
determinadas pessoas como houve.
Tanto é que o vazamento é seletivo e
programado, cronometrado. No último dia da eleição municipal em São Paulo,
prenderam Antonio Palocci. Isso é extremamente grave porque houve um conluio do
Judiciário.
O Judiciário a que me refiro é o Supremo
Tribunal Federal, porque qualquer ministro do Supremo poderia ter disciplinado
e é o que deveria ter feito o juiz Sérgio Moro e os procuradores, para garantir
o sigilo. Porque no final os processos serão anulados. Porque eles são tão irregulares,
como disse o Temer, os vazamentos permitem a anulação dos processos das
delações. É uma operação política. Aliás, é preciso notar, outro dia vi um
pôster da época do nazismo, uma mão de ferro com uma suástica esmurrando a
corrupção, a campanha da direita é sempre essa: olhar os mais corruptos, mas
eles são os mais corruptos.
Tem uma coisa interessante, é minha
opinião, posso estar enganado, mas ninguém vai abandonar seus funcionários.
Ninguém vai abandonar esses que estão implementando esse programa, simplesmente
abandoná-los, inclusive porque eles sabem muita coisa. Então, vão salvá-los.
Eduardo Cunha está sendo salvo. Você pode observar que o nome dele não aparece
mais na imprensa, esse é o primeiro passo.
O nome desaparece da imprensa, com o
tempo a população vai esquecendo e ele eventualmente será libertado. Ele
cumpriu uma função fundamental para as classes hegemônicas que era encaminhar e
promover o impeachment da Dilma que era o primeiro passo, para ocupar o poder e
implementar um programa que ela estava resistindo…um pouco, pouco né, mas
estava resistindo, e não era de confiança e já tinha cometido pecados, por
exemplo reduzido os juros. Redução de juros não é permitido. É como o aluno que
ofende o professor, estuda e no dia seguinte responde bem a arguição, mas ele
ofendeu o professor, ele será colocado de castigo.
·
Leandro Lanfredi: Como avalia o porquê agora a operação tem levantado mais suspeitas
sobre membros do governo golpista?
Samuel
Pinheiro: Porque a operação lá no
fundo não é do Temer. O Temer assumiu, o PMDB assumiu, porque ele era o
vice-presidente. Isso é uma operação do PSDB.
·
Leandro Lanfredi: Mas também aparecem membros do PSDB ainda que a mídia mostre menos…
Samuel
Pinheiro: Menos? Muito menos, não é
“menos” não. Olha há um helicóptero com 450 kg de cocaína que foi apreendido
pela Polícia Federal e nada ocorreu. É preciso lembrar o seguinte, a mídia não
é um poder independente. Ela é um instrumento da classe hegemônica. Os donos da
mídia fazem parte da classe hegemônica. Eles não são pessoas que estão ali e de
vez em quando dizem algumas coisas e está tudo combinado. O editorial de quinta-feira
(15/12) do Estado de São Paulo pede para que Temer demita Padilha e Moreira
Franco. É o fim do governo. Não pedem ainda para Temer renunciar, mas pedem
para demitir. Editorial do Estado de São Paulo, segue certa partitura, não é
nada por acaso. Tem ali certos procuradores que são pessoas messiânicas, que
estão convencidas que vão salvar a sociedade na luta contra a corrupção.
·
Leandro Lanfredi: Muitos desses procuradores “messiânicos” têm ligações com o
imperialismo, seja por vias de treinamentos, seja por atacar interesses
nacionais. Como avalia isso relacionando com o papel do Judiciário em outros
golpes. Seria uma reconfiguração do chamado soft Power Point?
Samuel
Pinheiro: É uma nova modalidade de
golpe. Ela segue em curso. Há um livro, que sem ser muito interessante, intitulado
“Da Ditadura à Democracia”, de um tal professor Gene Sharp, que é distribuído
pela CIA pelo mundo. Então começam a organizar ONGs e a insuflar manifestações
de rua. Há sempre alguma insatisfação. Levanta certas bandeiras, aparenta ser
apolítico. É claro que não é apolítico, mas faz questão de aparentar que são
apolíticos, uma luta contra a corrupção, pela saúde, pela educação. Isso é
orquestrado, há ali certa estratégia. Uma estratégia que visa recuperar o
poder. O Brasil, e outros países da América do Sul, tem classes hegemônicas
extremamente ricas, que controlam esses países, os seus sistemas econômicos, que são processos de
extorsão de riqueza da maioria da população inclusive para mandar para fora.
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