"Moro e Janot
atuam com os EUA contra o Brasil"
Cientista
político é conhecido por dissecar poderio norte-americano na desestabilização
de países.
Eduardo Miranda
Respeitado pela vasta obra em que
disseca o poderio dos Estados Unidos a partir do financiamento de guerras e da
desestabilização de países, o cientista político brasileiro Moniz Bandeira
afirma, em entrevista ao Jornal do Brasil, que representantes da Lava-Jato,
como o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o juiz de primeira
instância Sérgio Moro, avançam nos prejuízos provocados ao país e à economia
nacional. Segundo o professor, os "vínculos notórios" de Moro e Janot
com instituições norte-americanas explicam a situação atual das empresas
brasileiras.
Na entrevista a seguir, o cientista
político, que é autor de mais de 20 obras sobre temas como geopolítica
internacional, Estados Unidos, Brasil e América Latina, faz críticas severas ao
presidente decorativo Michel Temer, que, segundo ele, "não governa",
mas segue apenas as coordenadas do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles,
"representante do sistema financeiro internacional".
Confira a entrevista com o historiador:
·
Jornal do Brasil - Um livro como Quem pagou a
conta?, da historiadora britânica Frances Stonor Saunders, aponta a cultura
como estratégia de dominação e força dos Estados Unidos em relação aos seus
artistas e intelectuais e em relação a outros países durante a Guerra Fria.
Essa dominação ainda se dá da mesma forma? Ela passou por novas configurações?
Moniz
Bandeira - Sim, o inglês é a língua
franca e os Estados Unidos ainda possuem o maior soft power. É através do
controle dos meios de comunicação, das artes e da cultura que influenciam e
dominam, virtualmente, quase todos os povos, sobretudo no Ocidente. E os
recursos financeiros correm por diversas fontes.
·
JB - Como o
senhor vê o modo como os EUA elegem seu presidente da República? É um método
seguro? A Rússia chegou a anunciar que enviaria fiscais para acompanhar o
processo de votação até a apuração do resultado.
MB - Os grandes bancos e corporações, concentradas em
Wall Street, são, geralmente, os grandes eleitores nos Estados. George W. Bush
não foi de fato eleito, mas instalado no governo por um golpe do poder
judiciário. Agora, porém, a tentativa de colocar na presidência dos Estados
Unidos a candidata de Wall Street e do complexo industrial-militar, a democrata
Hillary Clinton, falhou. Elegeu-se Donald Trump, um bilionário outsider, como
franco repúdio ao establishment político, à continuidade da política de guerra,
de agressão. Trump recebeu o apoio dos trabalhadores brancos, empobrecidos pela
globalização, dos desempregados e outros segmentos da população descontentes
com o status quo. E o fato foi que mais de 70 milhões de cidadãos americanos
(59 milhões em favor de Trump e 13 milhões em favor Bernie Sanders, no Partido
Democrata) votaram contra o establishment, contra uma elite política corrupta,
e demandaram mudança.
·
JB - De que
modo os EUA participaram da destituição da presidente Dilma Rousseff? Essas
intervenções se dão em que nível, quando comparadas às do período da ditadura
militar no Brasil?
MB - Conforme o historiador John Coatsworth
contabilizou, entre 1898 e 1994, os Estados Unidos patrocinaram, na América
Latina, 41 casos de “successful” de golpes de Estado para mudança de regime, o
que equivale à derrubada de um governo a cada 28 meses, em um século. Após a
Revolução Cubana, os Estados Unidos, em apenas uma década, a partir de 1960,
ajudaram a derrubar nove governos, cerca de um a cada três meses, mediante
golpes militares, como no Brasil. Depois de 1994, outros métodos, que não
militares, foram usados para destituir os governos de Honduras (2009) e Paraguai
(2012). No Brasil, o impeachment da presidente Dilma Rousseff constituiu,
obviamente, um golpe de Estado. Houve interesses estrangeiros, elite financeira
internacional, aliados a setores do empresariado, com o objetivo de mudança de
regime, através da mídia corporativa, com o apoio de vastas camadas das classes
médias, abaladas com as denúncias de corrupção.
·
JB - E qual
teria sido o papel norte-americano na destituição?
MB - Há evidências, diretas e indiretas, de que os
Estados Unidos influíram e encorajaram a lawfare, a guerra jurídica para
promover a mudança do regime no Brasil. O juiz de primeira instância Sérgio
Moro, condutor do processo contra a Petrobras e contra as grandes construtoras
nacionais, preparou-se, em 2007, em cursos promovidos pelo Departamento de
Estado. Em 2008, ele participou de um programa especial de treinamento na
Escola de Direito de Harvard, em conjunto com sua colega Gisele Lemke. E, em
outubro de 2009, participou da conferência regional sobre “Illicit Financial
Crimes”, promovida no Rio de Janeiro pela Embaixada dos Estados Unidos. A
Agência Nacional de Segurança (NSA), que monitorou as comunicações da
Petrobras, descobriu a ocorrência de irregularidades e corrupção de alguns
militantes do PT e, possivelmente, forneceu os dados sobre o doleiro Alberto
Youssef ao juiz Sérgio Moro, já treinado em ação multijurisdicional e práticas
de investigação, inclusive com demonstrações reais (como preparar testemunhas
para delatar terceiros).
·
JB - O
senhor cita também o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no
desmantelamento de empresas brasileiras...
MB - Rodrigo Janot foi a Washington, em fevereiro de
2015, apanhar informações contra a Petrobras, acompanhado por investigadores da
força-tarefa responsável pela Operação Lava-Jato, e lá se reuniu com o
Departamento de Justiça, o diretor-geral do FBI, James Comey, e funcionários da
Securities and Exchange Commission (SEC). A quem serve o juiz Sérgio Moro,
eleito pela revista Time um dos dez homens mais influentes do mundo? A que
interesses servem com a Operação Lava-Jato? A quem serve o procurador-geral da
República, Rodrigo Janot? Ambos atuaram e atuam com órgãos dos Estados Unidos,
abertamente, contra as empresas brasileiras, atacando a indústria bélica
nacional, inclusive a Eletronuclear, levando à prisão seu presidente, o
almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva. Os prejuízos que causaram e estão a
causar à economia brasileira, paralisando a Petrobras, as empresas construtoras
nacionais e toda a cadeia produtiva, ultrapassam, em uma escala imensurável,
todos os prejuízos da corrupção que eles alegam combater. O que estão a fazer é
desestruturar, paralisar e descapitalizar as empresas brasileiras, estatais e
privadas, como a Odebrecht, que competem no mercado internacional, América do
Sul e África.
·
JB - Levando-se
em consideração a destruição de empresas de infraestrutura no país, projetos
para acabar com a exclusividade da Petrobras na exploração da commodity, o
senhor acredita na tese de que o cérebro da Lava-Jato está fora do país? Se
sim, como se daria isso?
MB - Não há cérebro. Há interesses estrangeiros e
nacionais que convergem. Como apontei, os vínculos do juiz Sérgio Moro e do
procurador-geral Rodrigo Janot com os Estados Unidos são notórios. E, desde
2002, existe um acordo informal de cooperação entre procuradores e polícias
federais não só do Brasil, mas também de outros países, com o FBI, para
investigar o crime organizado. E daí que, provavelmente, a informação através
da espionagem eletrônica do NSA, sobre a corrupção por grupos organizados
dentro da Petrobras, favorecendo políticos, chegou à Polícia Federal e ao juiz
Sérgio Moro. A delação premiada é similar a um método fascista. Isso faz
lembrar a Gestapo ou os processos de Moscou, ao tempo de Stálin, com acusações
fabricadas pela GPU (serviço secreto). E é incrível que, no Brasil, um juiz
determine, a polícia faça prisões arbitrárias, ilegais, sem que os indivíduos
tenham culpa judicialmente comprovada; um procurador ameace processá-los se não
delatarem supostos crimes de outrem, e assim, impondo o terror e medo, obtêm
uma delação em troca de uma possível penalidade menor ou outro prêmio. Não
entendo como se permitiu e se permite que a Polícia Federal, que
reconhecidamente recebe recursos da CIA e da DEA, atue de tal maneira, ao
arbítrio de um juiz de 1ª Instância ou de um procurador, que nenhuma autoridade
pode ter fora de sua jurisdição, conluiados com a mídia corporativa, em busca
de escândalos para atender aos seus interesses comerciais. A quem servem?
Combater a corrupção é certo, mas o que estão a fazer é destruir a economia e a
imagem do Brasil no exterior. E em meio à desestruturação da Petrobras, das
empresas de construção e a cadeia produtiva de equipamentos, com o da
“lawfare”, da guerra jurídica, com a cumplicidade da mídia e de um Congresso
quase todo corrompido. O bando do PMDB-PSDB apossou-se do governo, com o
programa previamente preparado para atender aos interesses do sistema
financeiro, corporações internacionais e outros políticos estrangeiros.
·
JB - O
economista Bresser-Pereira, ex-ministro de FHC, afirma, na apresentação de A Desordem Mundial, que os EUA, segundo
a tese do senhor, passaram por um processo de democracia para a oligarquia. Que
paralelo se pode fazer com o Brasil nesse sentido, tomando como base as últimas
três décadas? O senhor acredita que passamos brevemente por um momento de
democracia e agora voltamos à ditadura do capital financeiro/oligarquia?
MB - Michel Temer, que se assenhoreou da presidência da República,
não governa. É um boneco de engonço. Quem dita o que ele deve fazer é o
ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, como representante do sistema
financeiro internacional. E seu propósito é jogar o peso da crise sobre os
assalariados, para atender à soi-disant, “confiança do mercado”, isto é,
favorecer os rendimentos do capital financeiro, especulativo, investido no
Brasil, e de uma ínfima camada da população - cerca de 46 bilionários e 10.300
multimilionários.
·
JB - O
senhor afirma que onde quer que os EUA entrem com o objetivo de estabelecer a
democracia, eles entram na verdade por interesses políticos e econômicos. É
esse o caso da aproximação dos norte-americanos com Cuba? Fidel Castro é um dos
que compartilhavam dessa visão de interesse.
MB - Sim, havia forte pressão de empresários americanos
para o restabelecimento de relações com Cuba, por causa de seus interesses
comerciais. Estavam a perder grandes oportunidades de negócios e investimentos
devido ao embargo econômico, comercial e financeiro imposto a Cuba desde fins
de 1960, portanto, mais de 50 anos, sem produzir a queda do regime instituído
pela Revolução comandada por Fidel Castro. Era um embargo de certa forma
inócuo, uma vez que outros países, como o Brasil, estavam a investir e fazer
negócios com Cuba. A construção do Complexo Portuário-industrial de Mariel,
pela Odebrecht, com equipamentos produzidos pela indústria brasileira e o apoio
do governo do presidente Lula, contribuíram, possivelmente, para a decisão do
presidente Barack Obama de normalizar as relações Cuba. Essa Zona Especial de Desarrollo de Mariel
(ZEDM), a 45 quilômetros a oeste de Havana, tende a atrair investimentos
estrangeiros, com fins de exportação, bem como opção para o transbordo de
contêineres, a partir da ampliação do Canal do Panamá, ao permitir a atracagem
dos grandes e modernos navios de transporte interoceânicos. Tenho um livro
sobre as relações dos Estados Unidos com Cuba, intitulado De Martí a Fidel – A Revolução Cubana e a América Latina.
·
JB - O
processo de apoio financeiro de instituições políticas às religiões cristãs de
direita, tal como o senhor descreve ao tratar do governo Bush, se assemelha de
alguma forma ao contexto do Brasil, levando-se em conta o crescimento da
bancada evangélica no Congresso Nacional e a conquista de cargos do Poder
Executivo por representantes da Igreja?
MB - Sim, o processo é secreto. Ocorre através de ONGs,
muitas das quais são financiadas pela USAID, National Endowment for Democracy,
conforme demonstro em A Segunda Guerra
Fria e A desordem mundial, bem como através de outras agências semioficiais
e privadas. Essas igrejas também coletam muito dinheiro dos crentes, acumulam
fortunas. E as bancadas de deputados recebem dinheiro de empresas não
nacionais, mas de grandes empresas estrangeiras, muitas das quais apresentam no
Brasil balanços com prejuízos, conquanto realizem seus lucros nas Bahamas e em
outros paraísos fiscais. Tais empresas multinacionais não foram investigadas
pelo juiz Sérgio Moro, o procurador-geral Rodrigo Janot e a força-tarefa da
Operação Lava-Jato et caterva. A quem
eles servem? Racine, o dramaturgo francês, escreveu que “não há segredo que o
tempo não revele”. Não sabemos exatamente agora, porém podemos imaginar.
Fonte: Jornal do Brasil
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