O ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva disse na quinta-feira (19) que o Fundo Monetário Internacional (FMI),
comparado ao governo Temer, se tornou uma "esquerda porreta". Em
discurso durante o lançamento do congresso do PT, em São Paulo, Lula fez
referência à crítica desferida pela presidente do FMI, Christine Lagarde, à
política de ajuste fiscal conduzida no Brasil pelo ministro da Fazenda Henrique
Meirelles.
"Quando o Meirelles começou a falar
do ajuste, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, (Suíça), Christine
Lagarde afirmou que a prioridade das políticas econômicas precisa ser o combate
a desigualdade social. Uma coisa que nós sabíamos desde 2003 quando resolvemos
fazer política social", ironizou.
Em Davos, Christine Lagarde afirmou que
o FMI está revendo seus conceitos e adotou postura crítica a políticas
econômicas concentradas em austeridade fiscal e desconectadas de seus impactos
sociais. "Não sei por que as pessoas não perceberam que a desigualdade é
nociva, mas, certamente, os economistas se revoltaram e disseram que não era
problema deles. Inclusive na minha própria instituição, que agora se converteu
para aceitar a importância da desigualdade social e a necessidade de estudá-la
e promover políticas em resposta a ela", disse a presidente do FMI,
segundo relato da BBC.
Ao desencadear o processo de debates do
congresso que deve levá-lo à presidência do PT, em abril, Lula deu ênfase ao
tema da economia como forma de o partido recuperar sua imagem a partir de seu
legado após 12 anos de governo. "Vamos ter que dedicar um tempo
extraordinário para fazermos um programa em que as pessoas acreditem que é
possível de ser executado. E nós temos moral, já fizemos isso e podemos fazer
outra vez", aumentando o tom contra o governo de Michel Temer.
"Um governo que resolve fazer um
ajuste que coloca educação na rubrica de gastos é um governo que condena este
país a não ter futuro, a não ter inovação. É um governo que não quer
investimento em tecnologia, não quer competitividade internacional, e que quer
continuar sendo exportador de commodities. Se tem um governo que deu razões
para a gente brigar é este", afirmou. "Portanto, nós temos instrumento
para brigar como jamais tivemos."
O ex-presidente sinalizou, ainda, que o
partido deve compor uma frente com movimentos sociais numa campanha pela
antecipação de eleições diretas. "Eu acho que nós temos que brigar agora,
mas nós temos que ter o discurso correto. O discurso correto é aquele que possa
convencer os movimentos sociais a vir junto com a gente. A trabalhar junto. E a
gente não pode esperar 2018. Nós até podemos suportar, mas a sociedade
brasileira vai aguentar? O pessoal que está perdendo emprego vai
aguentar?", provocou, observando que Temer tem pressa em "destruir
aquilo que nós construímos", citando o processo de desmonte da Petrobras e
o recuo na distribuição de recursos do pré-sal para saúde e educação.
"Vamos ao debate com aqueles que não gostam de nós, com aqueles que não
acreditam em nós, com aqueles que foram às ruas para derrubar o PT – porque
essa gente já acreditou em nós."
Até mesmo críticas internas recebidas de
economistas próximos ao partido – de que o modelo do PT no passado teria sido
equivocado ao concentrar a economia baseada no consumo e não no desenvolvimento
industrial – foram abordadas por Lula em tom entre a ironia e a crítica:
"Se alguém me apresentar um segmento industrial que vai fazer investimento
se não houver consumo, eu retiro o que eu disse. Agora vejamos, com o
desemprego chegando na casa dos 12% e com perspectiva de chegar a 14%, com os
empresários devendo os olhos da cara, quem é que vai fazer investimento para
acelerar o desenvolvimento neste país? Como é que a gente vai resolver o
problema? Apenas exportando? Proibindo a entrada dos penduricalhos da China no
Brasil? Como a gente vai fazer se o Estado brasileiro, a partir da União, não
tiver coragem de ser o indutor do crescimento econômico", provocou.
O papel dos bancos públicos e de uma
política monetária anticíclica no momento em que a crise global de 2008 ameaçou
o Brasil foi destacado. Lula argumentou que as instituições financeiras
controladas pelo Estado não têm de ter prejuízo, mas que também não precisam
competir com a lucratividade dos bancos privados. "Temos que ter coragem
de fazer com que os bancos públicos voltem a ser públicos. O BNDES tem que
voltar a fazer investimentos. É preciso liberar mais recursos do compulsório, o
volume de depósitos à vista nos bancos que ficam retidos e não podem ser
empregado em operações de crédito, para financiar o desenvolvimento
industrial."
Ousadia
Com medidas de injeção de recursos na
economia, Lula admite ainda a utilização de parte das nossas reservas cambiais
acumuladas em mais de US$ 370 bilhões desde a década passada, com objetivo de
promover investimentos em infraestrutura. "Eu tenho uma divergência com
nossos amigos economistas porque acho que a gente só tem uma saída: precisamos
voltar a incluir outra vez os mais pobres no orçamento da União. E temos de
voltar a discutir os benefícios trazidos para a economia com o a política de
aumentos do salário mínimo, o que significou a quantidade de políticas macroeconômicas
que nós fizemos neste país", disse.
O endividamento público também foi
abordado com ousadia por Lula, no ponto de vista do pensamento corrente entre
os colunistas e agentes econômicos que pautam o governo Temer. "Se for
necessário, tem de aumentar. Quem está falando fez parte de um governo que
reduziu a dívida pública de 60% para 34% do PIB. A dívida não pode aumentar se
não se estiver construindo ativos produtivos. Mas se fizermos um endividamento
para construir ativos, que significa daqui a dois ou três anos aumentar a disponibilidade
desses ativos, pode fazer", defendeu, observando que os Estados Unidos, em
2007, tinha dívida pública bruta de 64,7% do PIB e, hoje, ela é de 108%. Citou ainda
a Alemanha, a França e o Japão entre as economias desenvolvidas com
endividamento acima de 100% do PIB. "E aqui, no Brasil, optaram por um ajuste
em cima de quem não deveria ter ajuste, que é o povo trabalhador e o povo pobre
desse país.”
Lula considera que o movimento sindical
e social tem ainda de discutir com a sociedade o significado da Operação Lava-Jato
na economia do país. "Está na hora de os economistas do PT produzirem
diagnósticos e propostas. Eu quero saber quais os efeitos. Porque todos nós
queremos que se apure, todos nós queremos que os ladrões sejam presos, aqui
ninguém está defendendo quem praticou corrupção. Agora não dá para, em nome de
combater a corrupção, quebrar a economia brasileira. É preciso separar."
A propósito, Lula voltou a dirigir
críticas ao juiz de primeira instância Sérgio Moro, a quem denunciou junto a
organismos internacionais como inapto a julgá-lo por demonstração de
parcialidade, participação nas acusações e cerceamento ao direito de defesa.
"Não se pode subordinar a apuração de corrupção à imprensa brasileira, que
dita quem é culpado e quem é inocente. Se o juiz precisa que a imprensa acabe
com a imagem de uma pessoa antes de ser julgada, não precisa de juiz. Só da
imprensa", criticou. "E este é um assunto que o PT tem que discutir.
E nós temos que discutir sem medo, porque se tem um partido que batalhou para combater
a corrupção neste país, chama-se Partido dos Trabalhadores. E eu tenho orgulho
de ter participado disso."
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