20/01/2017 21:11 - Copyleft
Camilla Costa, BBC Brasil'Será que investigado pode indicar investigador?', diz jurista sobre Temer nomear sucessor de Teori
Podem o Senado e Temer, que são citados nas delações premiadas, indicar quem os investigará?", questiona Joaquim Falcão, professor de Direito da FGV-RJ
A morte do ministro Teori Zavascki cria uma lacuna na operação Lava Jato, da qual ele era relator no Supremo Tribunal Federal, e a necessidade da nomeação de um novo integrante da corte por parte do presidente Michel Temer. Este ministro, diz a lei, automaticamente seria o novo relator destes processos, uma figura que tem poder sobre os rumos da maior investigação de corrupção da história recente do país.
"O problema é: pode o investigado indicar o investigador? Podem o Senado e Temer, que são citados nas delações premiadas, indicar quem os investigará?", questiona Joaquim Falcão, professor de Direito da FGV-RJ e especialista na atuação do STF.
"Há duas indicações a fazer neste momento: uma é o novo ministro, que será feita por Temer e aprovada pelo Senado. Outra é quem será o relator da Lava Jato, que Cármen Lúcia (atual presidente do Supremo), terá que decidir", explica à BBC Brasil.
Neste momento, a ministra pode redistribuir cada uma das ações que fazem parte da operação, caso elas necessitem de decisões urgentes, ou nomear logo um novo relator. Mas também tem a opção de aguardar a nomeação da Presidência da República, e deixar que o novo ocupante da vaga de Zavascki, vítima de acidente aéreo na quinta-feira, assuma os processos.
O dilema colocado por Falcão é apenas um aspecto da importância da decisão de Carmem Lúcia, segundo o professor de Direito da FGV-SP e coordenador do projeto Supremo em Pauta, Rubens Glezer (assista à entrevista com Glezer na íntegra aqui).
"Deixar que um governo interino faça uma indicação para o STF de um ministro que só precisa se aposentar com 75 anos e precisa ser aprovado por um Senado que está altamente implicado na operação Lava Jato é deixar o Supremo suscetível a uma perda de confiança por parte da população e a um risco de aparelhamento muito grande", disse Glezer à BBC Brasil.
"De outro lado, você tem a ministra do STF tendo que tomar a decisão de deixar isso acontecer, com base na interpretação literal do artigo 38 (do regimento interno do STF), ou proteger o tribunal desse abalo sísmico político. Está nas mãos dela, mas o Direito ampararia as duas interpretações."
A decisão, diz ele, também poderia "moldar" uma nova relação entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário que, até agora, tem sido próxima.
"Cármen Lúcia tem indicado uma proximidade e uma interlocução com o mundo político. Boicotar uma nomeação política é proteger o tribunal, mas é romper esse diálogo que existe hoje."
Nesta sexta-feira, um interlocutor próximo a Michel Temer disse à BBC Brasil que o presidente não tem a expectativa de que a relatoria da Lava Jato caia nas mãos do novo ministro a ser indicado por ele para a vaga de Zavascki.
"Não pode parar o processo. Afinal de contas, seria como não reconhecer a competência dos outros dez (ministros)", afirmou.
Exemplo de Teori
Para além da Lava Jato, Joaquim Falcão diz que a morte de Teori Zavascki deixa outros dois desafios importantes para o Supremo Tribunal Federal: a união e a imparcialidade.
"O Supremo está fragmentado em 11 Supremos. É preciso colocar lá um substituto (de Zavascki) que ajude a unir os magistrados. Quando a juíza da Suprema Corte americana Ruth Ginsberg foi indicada, foi pela qualidade de unir facções", diz.
Ao falar em fragmentação, Falcão se refere ao fato de que o percentual de decisões individuais no STF tem aumentado em relação às decisões coletivas, que são tomadas em plenário ou nas turmas de cinco ministros.
De acordo com levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo, em 2016 o Supremo teve 18% menos decisões coletivas do que em 2015, e 3% mais julgamentos individuais.
"O segundo desafio é seguir a norma do Teori: tomar decisões com efeito político que não sejam políticas", afirma o jurista.
Segundo Falcão, a "invisibilidade" política de Teori, que preferia não dar declarações à imprensa sobre suas decisões, era "um dever dele e um direito do Brasil, que está sendo desrespeitado por vários ministros do Supremo. E isso é mau para a democracia".
"Ele dizia que não gostava de ser chamado de ministro técnico, mas que não gostaria de ser um ministro político. Todo Supremo do mundo toma decisões políticas, mas ele distinguia o ministro político, um ativista, das decisões que têm efeitos políticos. Um ministro não tem que ser imparcial, ele também tem que parecer imparcial. E esse é um problema do Supremo atual."
Em 2015, o jurista havia dito à BBC Brasil que a imagem de Zavascki, então com três anos como ministro do STF, ainda estava "em construção". Agora, o define como "uma surpresa".
"Ele foi uma surpresa, porque as pessoas esperavam que devesse respeito ou obediência a quem o indicou, que foi Dilma. Ele estava em Paris, em uma viagem de férias, quando Dilma ligou para ele. Nunca tinham se encontrado antes. E desde então, ele nunca demonstrou qualquer deferência à Presidência e ao Senado que aprovou sua indicação."
"Diziam que ele era indicado para conturbar o Mensalão. Não conturbou. E na Lava Jato, diziam que ele preferia o PT. Não demonstrou isso. Estou citando fatos."
'Jurista e CEO'
O estilo de Zavascki no Supremo também ilustra, segundo Falcão, características que são necessárias a juízes no Brasil atual.
"Só no caso da Odebrecht, em princípio são 77 fazendo a delação e 134 investigados. Dada a complexidade da administração da Justiça no Brasil, um juiz deve ser não só um jurista, mas um CEO. Dos ministros do STF, são poucos os que têm essa dupla qualificação."
Falcão cita um levantamento feito pela FGV-RJ, apontando que Zavascki era um dos ministros que mais rapidamente devolvia os pedidos de vistas de processos entre todos do Supremo.
"Ele mostrou que tinha capacidade e agilidade. Esse é um problema que vai se colocar na sucessão. Porque não precisamos apenas de um juiz imparcial e honesto, mas com capacidade de gerir casos complexos", afirma.
A "noção de Justiça" e de política do próximo relator da Lava Jato também serão cruciais para o país, diz o professor.
"Teori confirmou mais de 90% das decisões do (juiz Sergio) Moro. Existia uma sintonia não política, mas de compreensão de que a corrupção faz mal ao Brasil", afirma.
"Essa semana, em Davos, (o procurador-geral da República) Rodrigo Janot disse que Lava Jato era importante para a estabilidade dos negócios no Brasil. Eu concordo. Com a corrupção, você não tinha um sistema capitalista de concorrência leal e, sim, um sistema de concorrência para quem dá mais propina. Enquanto prevalecer esse ambiente de negócios, o Brasil não cresce."
"O problema é: pode o investigado indicar o investigador? Podem o Senado e Temer, que são citados nas delações premiadas, indicar quem os investigará?", questiona Joaquim Falcão, professor de Direito da FGV-RJ e especialista na atuação do STF.
"Há duas indicações a fazer neste momento: uma é o novo ministro, que será feita por Temer e aprovada pelo Senado. Outra é quem será o relator da Lava Jato, que Cármen Lúcia (atual presidente do Supremo), terá que decidir", explica à BBC Brasil.
Neste momento, a ministra pode redistribuir cada uma das ações que fazem parte da operação, caso elas necessitem de decisões urgentes, ou nomear logo um novo relator. Mas também tem a opção de aguardar a nomeação da Presidência da República, e deixar que o novo ocupante da vaga de Zavascki, vítima de acidente aéreo na quinta-feira, assuma os processos.
O dilema colocado por Falcão é apenas um aspecto da importância da decisão de Carmem Lúcia, segundo o professor de Direito da FGV-SP e coordenador do projeto Supremo em Pauta, Rubens Glezer (assista à entrevista com Glezer na íntegra aqui).
"Deixar que um governo interino faça uma indicação para o STF de um ministro que só precisa se aposentar com 75 anos e precisa ser aprovado por um Senado que está altamente implicado na operação Lava Jato é deixar o Supremo suscetível a uma perda de confiança por parte da população e a um risco de aparelhamento muito grande", disse Glezer à BBC Brasil.
"De outro lado, você tem a ministra do STF tendo que tomar a decisão de deixar isso acontecer, com base na interpretação literal do artigo 38 (do regimento interno do STF), ou proteger o tribunal desse abalo sísmico político. Está nas mãos dela, mas o Direito ampararia as duas interpretações."
A decisão, diz ele, também poderia "moldar" uma nova relação entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário que, até agora, tem sido próxima.
"Cármen Lúcia tem indicado uma proximidade e uma interlocução com o mundo político. Boicotar uma nomeação política é proteger o tribunal, mas é romper esse diálogo que existe hoje."
Nesta sexta-feira, um interlocutor próximo a Michel Temer disse à BBC Brasil que o presidente não tem a expectativa de que a relatoria da Lava Jato caia nas mãos do novo ministro a ser indicado por ele para a vaga de Zavascki.
"Não pode parar o processo. Afinal de contas, seria como não reconhecer a competência dos outros dez (ministros)", afirmou.
Exemplo de Teori
Para além da Lava Jato, Joaquim Falcão diz que a morte de Teori Zavascki deixa outros dois desafios importantes para o Supremo Tribunal Federal: a união e a imparcialidade.
"O Supremo está fragmentado em 11 Supremos. É preciso colocar lá um substituto (de Zavascki) que ajude a unir os magistrados. Quando a juíza da Suprema Corte americana Ruth Ginsberg foi indicada, foi pela qualidade de unir facções", diz.
Ao falar em fragmentação, Falcão se refere ao fato de que o percentual de decisões individuais no STF tem aumentado em relação às decisões coletivas, que são tomadas em plenário ou nas turmas de cinco ministros.
De acordo com levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo, em 2016 o Supremo teve 18% menos decisões coletivas do que em 2015, e 3% mais julgamentos individuais.
"O segundo desafio é seguir a norma do Teori: tomar decisões com efeito político que não sejam políticas", afirma o jurista.
Segundo Falcão, a "invisibilidade" política de Teori, que preferia não dar declarações à imprensa sobre suas decisões, era "um dever dele e um direito do Brasil, que está sendo desrespeitado por vários ministros do Supremo. E isso é mau para a democracia".
"Ele dizia que não gostava de ser chamado de ministro técnico, mas que não gostaria de ser um ministro político. Todo Supremo do mundo toma decisões políticas, mas ele distinguia o ministro político, um ativista, das decisões que têm efeitos políticos. Um ministro não tem que ser imparcial, ele também tem que parecer imparcial. E esse é um problema do Supremo atual."
Em 2015, o jurista havia dito à BBC Brasil que a imagem de Zavascki, então com três anos como ministro do STF, ainda estava "em construção". Agora, o define como "uma surpresa".
"Ele foi uma surpresa, porque as pessoas esperavam que devesse respeito ou obediência a quem o indicou, que foi Dilma. Ele estava em Paris, em uma viagem de férias, quando Dilma ligou para ele. Nunca tinham se encontrado antes. E desde então, ele nunca demonstrou qualquer deferência à Presidência e ao Senado que aprovou sua indicação."
"Diziam que ele era indicado para conturbar o Mensalão. Não conturbou. E na Lava Jato, diziam que ele preferia o PT. Não demonstrou isso. Estou citando fatos."
'Jurista e CEO'
O estilo de Zavascki no Supremo também ilustra, segundo Falcão, características que são necessárias a juízes no Brasil atual.
"Só no caso da Odebrecht, em princípio são 77 fazendo a delação e 134 investigados. Dada a complexidade da administração da Justiça no Brasil, um juiz deve ser não só um jurista, mas um CEO. Dos ministros do STF, são poucos os que têm essa dupla qualificação."
Falcão cita um levantamento feito pela FGV-RJ, apontando que Zavascki era um dos ministros que mais rapidamente devolvia os pedidos de vistas de processos entre todos do Supremo.
"Ele mostrou que tinha capacidade e agilidade. Esse é um problema que vai se colocar na sucessão. Porque não precisamos apenas de um juiz imparcial e honesto, mas com capacidade de gerir casos complexos", afirma.
A "noção de Justiça" e de política do próximo relator da Lava Jato também serão cruciais para o país, diz o professor.
"Teori confirmou mais de 90% das decisões do (juiz Sergio) Moro. Existia uma sintonia não política, mas de compreensão de que a corrupção faz mal ao Brasil", afirma.
"Essa semana, em Davos, (o procurador-geral da República) Rodrigo Janot disse que Lava Jato era importante para a estabilidade dos negócios no Brasil. Eu concordo. Com a corrupção, você não tinha um sistema capitalista de concorrência leal e, sim, um sistema de concorrência para quem dá mais propina. Enquanto prevalecer esse ambiente de negócios, o Brasil não cresce."
Créditos da foto: AFP
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