Na FUNAI e no INCRA,
governo aposta em pastores e ruralistas
Em poucos dias, o governo de Michel
Temer atropelou direitos indígenas e camponeses e provocou um pesadelo
histórico: nomeou um pastor para a FUNAI, indicou um ruralista para o mesmo
órgão no Mato Grosso do Sul e, por fim, indicou um grileiro para o INCRA.
Felipe Milanez
Placa da FUNAI queimada na entrada do
Parque Indígena do Xingu, fotografada em agosto de 2016Placa da FUNAI queimada
na entrada do Parque Indígena do Xingu, fotografada em agosto de 2016 Dando
seguimento ao programa Ponte para o Futuro, que falava em “racionalização de
procedimentos burocráticos” para favorecer empresas, “com ênfase nos
licenciamentos ambientais”, o governo de Michel Temer realizou tais nomeações
estratégicas essa semana.
Entregou
a FUNAI ao PSC e loteou o INCRA.
As nomeações de um pastor para a FUNAI
(que tradicionalmente, desde os tempos do SPI, sempre se posicionou de forma
republicana em respeito às religiões indígenas); de um ruralista para a FUNAI
no Mato Grosso do Sul e de um grileiro para o INCRA, significam entregar os
direitos de populações vulnerabilizadas justamente para aqueles que representam
o maior risco contra a sua existência. Essas medidas do golpe que atingem a
reforma agrária e os povos indígenas são, antes de tudo, cruéis.
Depois de meses em silêncio e duas
tentativas frustradas de militarizar a FUNAI, o governo Temer nomeou um
presidente civil para a fundação: Antônio Toninho Costa.
Costa é dentista, apresenta-se como
especialista em saúde indígena, trabalhou na Secretaria de Saúde Indígena, e,
atualmente, era assessor parlamentar do deputado Marco Feliciano (PSC-SP) e
pastor evangélico em uma igreja Batista. Ele trabalhou também na Missão Caiua,
que tem convênio de saúde com o Ministério da Saúde.
A FUNAI, desde 1991, não realiza
convênios com missões religiosas, data em que expulsou as missões das terras
indígenas. A maioria de missionários em missões evangélicas, segundo
levantamento da Associação de Missões Transculturais e publicado em reportagem
(leia aqui) que escrevi em 2010, é batista.
O PSC ainda emplacou nessa semana o
general do exército Franklimberg Ribeiro de Freitas, também evangélico, como
novo Diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável.
Ele assume no lugar de Arthur Nobre
Mendes, funcionário de carreira da FUNAI, e que era presidente substituto até
setembro, quando a FUNAI emitiu uma carta de repúdio por ofensa e desrespeito
aos povos indígenas no encerramento dos jogos Paraolímpicos no Rio.
Como presidente substituto, Temer havia
nomeado o advogado Agostinho Netto. Por trás desse episódio no Rio estava
justamente os interesses das missões evangélicas que patrocinam a Lei Muwaji
(Projeto de Lei 1057/07), sob o falso pretexto de “combater o infanticídio
praticado por povos indígenas”, mas que, na verdade, apenas reforça o racismo,
visa favorecer missões proselitistas que atuam nas aldeias e regulariza o
tráfico de crianças indígenas roubadas das aldeias.
Essa diretoria, entregue ao militar
evangélico, é estratégica: é onde se define investimentos em parcerias (como
com ONGs ou, justamente como se teme agora, com missões religiosas) e,
sobretudo para os interesses econômicos por trás do golpe, é onde se opera os
licenciamentos ambientais.
Nesse sentido, também a diretoria é quem
articula a participação da FUNAI no Congresso em temas como a mineração em
terras indígenas, que tem um projeto de lei 1610/96, em andamento, de autoria
do senador Romero Jucá, e com possibilidades de ser colocado em votação em
breve.
Esse projeto de Jucá, uma das
prioridades e Temer e da Agenda 10 de Renan Calheiros, autoriza a mineração em
grande escala nas terras indígenas sem o direito à consulta, atinge direitos
constitucionais e fere tratados internacionais.
Com a justificativa de acelerar o
licenciamento ambiental de obras que afetam terras indígenas, conforme noticiou
a Globonews, Temer determinou “resolver essa questão em relação ao comando da FUNAI”
enquanto discutia obras com ministros em reunião de infraestrutura.
Ele tinha sido informado que “algumas
obras tinham conflitos com grupos de índios” — como se as “obras” fossem
pessoas e sujeitos de direito, e seus direitos estivessem acima dos direitos
indígenas.
O general Franklimberg, que será
responsável por, suspostamente, defender os direitos indígenas no caso dos
licenciamentos, é considerado fraco e despreparado por indígenas.
Na primeira tentativa do PSC de
emplacá-lo como presidente, conforme relatei nessa coluna, houve uma grande
manifestação contrária do movimento indígena, e ele não soube responder uma
pergunta sobre a reestruturação da FUNAI feita por indígenas:
“Agora essa reestruturação da FUNAI eu
posso dizer para você com certeza: eu não a conheço com profundidade para fazer
uma análise e dizer agora para todos.” E o importante xamã do povo Yanomami,
Davi Kopenawa, que esteve com ele, me disse: “Ele é muito fraco. Eu não vou
falar nada porque ele não vai aguentar a palavra de um xamã Yanomami. Vai
desmaiar”
Ao mesmo tempo, Michel Temer nomeou no INCRA
um diretor envolvido em escândalos de grilagem de terra e denunciado pelo MPF.
Clovis Cardoso, que é presidente do PMDB no Mato Grosso, assume também uma
diretoria estratégica, a de Obtenção de Terras e Implantação de Projetos de
Assentamento.
O INCRA responde diretamente à Casa
Civil desde 30 de maio. Alexandre Conceição, do MST, declarou que “vê com
preocupação esse loteamento do INCRA, órgão responsável pela reforma agrária,
agora sendo ocupado pelos ruralistas e seus agentes de negócios”.
Essa mudança ao mesmo tempo no INCRA e
na FUNAI não deve ser vista como mera coincidência, mas como um plano
articulado para favorecer o agronegócio.
Conforme noticiou a agencia Amazônia
Real, Temer pretende transferir para a Casa Civil a Diretoria de Proteção
Territorial, responsável pelas demarcações das terras indígenas.
Essa mudança viria dentro por um
decreto, cuja minuta circulou em 2016 e cujo conteúdo é extremamente agressivo
aos direitos territoriais dos povos indígenas. A ação é considerada o “Decreto
do Genocídio” por praticamente inviabilizar novas demarcações e abrir a
possibilidade de retrocessos e revisões de demarcações realizadas.
Essas mudanças em Brasília tem sido
acompanhadas também por mudanças nos estados, onde situações de conflitos são
mais acentuadas. Logo no início do ano, servidores da FUNAI em Campo Grande
divulgaram uma carta aberta contra “interferências político-partidárias” nos
cargos de chefia da fundação.
Eles criticavam a indicação para assumir
a coordenação regional de um assessor do deputado Carlos Marun (PMDB/MS),
parlamentar abertamente anti-indígena, que integra a bancada ruralista, é
contra as demarcações e ainda integra a polêmica CPI da FUNAI e do INCRA.
“Lidamos com todo tipo de violência,
ameaças e assédios, mas continuamos empenhados no cumprimento de nossas
obrigações e permaneceremos leais ao projeto institucional da FUNAI”,
escreveram os servidores.
O Mato Grosso do Sul é o estado com os
maiores índices de violências contra os povos indígenas e mais intensidade de
conflitos por terras, onde a violência do agronegócio é mais visível e
escandalosa.
Marun indicou seu ex-assessor, Paulo
Rios Junior. Antes, ele havia indicado o coronel Renato Vidal Sant’Anna, que
pediu demissão em dezembro, sem ter assumido o cargo, diante de protestos e
mobilizações do movimento indígena. Aos indígenas, Marun teria dito que o cargo
da FUNAI lhe pertencia e que caberia a ele fazer a nomeação que bem entendesse.
Expor indígenas a seus algozes e
inimigos, como os ruralistas, parece ser mais uma estratégia cruel do atual
governo.
Para Lindomar Terena, liderança do
movimento indígena no Mato Grosso do Sul, a situação no estado é extremamente
difícil, um verdadeiro “trator em cima dos direitos indígenas”.
“O Marun diz que a pasta é dele, e
depois disse que o Conselho Terena fez um acordo com ele sobre o nome com uma
indicação de um vice. Isso não e verdade. Não temos como negociar com quem é
abertamente anti-indígena e o Marun é declaradamente anti-indígena. Como é que
nos poderíamos confiar nas suas palavras?”
Luiz Henrique Eloy, outra liderança
Terena, advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e
doutorando no Museu Nacional/UFRJ, afirma que a pressão do agronegócio no Mato
Grosso do Sul tem desgastado o movimento indígena, mas ainda assim os caciques
Terena não aceitam a indicação: “a tradição do cargo é ser ocupado por um
terena, um direito que foi conquistado com luta e os caciques não querem abrir
mão”, diz ele.
Vivendo no Rio de Janeiro para a
realização do doutoramento, Eloy vai acompanhar o desfile da escola de samba
Imperatriz Leopoldinese, que justamente durante esse período turbulento de
mudanças na FUNAI provocou a ira do agronegócio com o lindo samba-enredo em
defesa dos povos indígenas e em homenagem ao Xingu.
Para Eloy, o samba da Imperatriz vai
permitir a sociedade brasileira conhecer a realidade dos povos indígenas, e
conhecer denúncias que os indígenas vêm fazendo há tempos.
“Caraíba não mede consequências.
Acredita na sua ciência, buscando o que chama de progresso. Derruba floresta,
espalha veneno e acha o mundo pequeno para semear tanta arrogância. Invade
nossas terras, liga a motosserra e no lugar dos troncos sagrados, planta
ganância”, canta o samba.
Temer, aliado da bancada Boi, Bíblia e
Bala (BBB), tem seguido o script da destruição e, no carnaval, poderia
certamente desfilar nas alas “Chegada dos Invasores”, “Olhos da Cobiça”;
“Fazendeiros e seus Agrotóxicos”, da Imperatriz Leopoldinense.
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