domingo, 23 de julho de 2017

A CRISE BRASILEIRA NO CONTEXTO DA NOVA GUERRA-FRIA

A crise brasileira no contexto da nova guerra-fria

O centro da questão é a disputa no quadro da nova guerra-fria entre USA e China: quem vai controlar a sétima economia mundial

Leonardo Boff

O problema fundamental da crise brasileira não está na corrupção que é endêmica e tolerada pelas instâncias oficiais, porque dela se beneficiavam. Se fossem resgatados os milhões e milhões de reais que anualmente os grandes bancos e as empresas deixam de recolher ao INSS, tornaria  supérflua uma reforma da Previdência.

O problema não é Lula nem Dilma e muito menos Temer.  O centro da questão é a disputa no quadro da nova guerra-fria entre USA e China: quem vai controlar a sétima economia mundial e como alinhá-la à lógica do Império norte-americano, impedindo a  penetração da China nos nossos países, especialmente no Brasil pois ela precisa manter seu crescimento com recursos que  nós possuímos.

Esta estratégia começou a ser implementada com a Lava-Jato e seu juiz Sérgio Moro e a entourage de promotores, vários preparados nos USA. Prosseguiu com o impeachment da presidenta Dilma via parlamento, incorporou, setores do ministério público, da polícia federal, parte do STF e dos partidos conservadores, claramente neoliberais e ligados ao mercado.

Todas estas instâncias servem de forças auxiliares ao projeto maior do Império. Com uma vantagem: esse submetimento vem ao encontro dos propósitos dos herdeiros da Casa Grande que jamais toleraram que alguém da senzala ou filho da pobreza, chegasse à Presidência e inaugurasse políticas sociais de inclusão das classes subalternas, capazes de por em xeque seus privilégios. Preferem estar seguros ao lado dos USA, como sócios menores, do que aceitar transformações no status quo favorável a eles.

Para os USA, o Brasil é um espaço no Atlântico Sul, a descoberto. Não pode continuar, pois consoante  uma das ideias-força do Pentágono: o “full spectrum dominance”(a dominação de todo espectro territorial), o Brasil deve estar sob  controle. Daí a presença da quarta frota próxima a nossas águas territoriais e do pré-sal. A visão imperial e belicista  se expressa pelas 800 bases militares pelo mundo afora também na América Latina.

A China, em contrapartida, segue outra estratégia. Escolheu o caminho econômico e não o belicista. Por aí pensa ter chances de triunfar. O grande projeto da Eurásia, “O caminho da Seda” que envolve 56 países com um orçamento de ajuda ao desenvolvimento de 26 trilhões de dólares, faz com que marque sua presença também no Brasil e na América Latina. 

Nesse jogo de titãs, a estratégia norte-americana conta no Brasil com fortes aliados: os que perpetraram o golpe parlamentar, jurídico e mediático contra Dilma. Estão impondo um neoliberalismo mais radical que nos países centrais. Ele implica liquidar politicamente com a liderança popular de Lula através dos vários processos movidos contra ele pelo juiz justiceiro Sergio Moro da Lava-Jato. Eles todos seguem o figurino imperial imposto. Por isso, Moro se viu obrigado a condenar Lula, mesmo sem base jurídica suficiente, como o tem revelado eminentes juristas, do quilate de Dalmo Dallari, Fábio Konder Comparato e por outra via, o grande analista político Moniz Bandeira.

Em termos gerais, para os USA trata-se de impedir que governos progressistas cheguem ao poder com um projeto  de soberania e que e reforcem um novo sujeito politico, vindo debaixo, das periferias, com políticas antissistêmicas mas que implicam a inclusão de milhões na sociedade, antes comandada por elites retrógradas, excludentes e inimigas de qualquer avanço que venha a ameaçar seus privilégios. Precisamos ter clareza: partidos com projetos claramente neoliberais, que colocam todo valor no mercado e todos os vícios no Estado que deve ser diminuído, como tem mostrado com vigor Jessé Souza e que freiam até com violência a ascensão das classes subalternas, são representantes subalternos desta estratégia imperial norte-americana e  contra a China, envolvendo o Brasil  nesta trama, que para nós, no fundo, é antipovo e antinacional.

Às nossas oligarquias não interessa um projeto de nação soberana com um governo que com políticas sociais  diminua a nefasta desigualdade social (injustiça social) e que aproveite nossas virtualidades seja da riqueza ecológica, da criatividade do povo e da posição estratégica geopoliticamente. Basta-lhes ser aliados agregados do Império norte-americano com o suporte europeu, pois assim veem garantidos seus privilégios e salvaguardada a natureza de sua acumulação absurdamente concentradora e antissocial. Daí que reeleger Lula seria a maior desgraça para o projeto imperial e aos oligopólios nacionais internacionalizados.


Essa é a real luta que se trava por debaixo das lutas politico-partidárias, do combate à corrupção e à punição de corruptos e corruptores. Esta é importante, mas não acaba em si mesma. Não podemos ser ingênuos. Importa ter claro que ela se ordena ao alinhamento imperial norte-americano de costas  ao povo, negando-lhe o direito de construir o seu próprio caminho e de, com outros, dar uma feição menos malvada à globalização, impondo limites ao Grande Capital em escala mundial.

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