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Por Fernando Horta
Em junho de 2001, o Jornal Nacional veiculava uma série de reportagens
que viria a ser premiada. Marcelo Canellas e Lucio Alves apresentavam a
"Fome no Brasil". O dado revelado era que uma criança morria de fome no
Brasil a cada cinco minutos. Em pleno "milagre neoliberal", como gostam
de citar alguns intelectuais e políticos de direita no Brasil, uma
criança morria a cada cinco minutos no Brasil. Vou repetir, porque
penso que o número deveria ser usado em qualquer discussão sobre
política e economia de agora em diante. Ao começar a ouvir qualquer
argumento dos defensores desta hipocrisia de direita, pare e escreva "em
2001, aos sete anos do governo FHC, uma criança morria de fome a cada
cinco minutos no Brasil". Repita ou escreva, não importa, mas sempre
comece por esta informação. Em seguida, olhe a ginástica retórica
que o interlocutor fa rá e avalie se ela se encontra no campo da
ignorância ou da mácula moral insanável. Qualquer das duas opções,
é uma conversa que não vale à pena.
Não sei se já mencionei, mas em 2001, uma criança morria de fome a
cada cinco minutos no Brasil. O fato, chocante, inaceitável, inumano,
é irrisório perto da pergunta de um pai, quando confrontado pelo
jornalista se não havia como o seu filho "ganhar um pouco mais de
peso". Ana Cláudia dos Santos, a mãe, e Evangelista dos Santos, o pai,
com a sabedoria de quem luta para sobreviver, respondem ao repórter "o
que você acha que eu devia fazer?" Este diálogo reflete o Brasil do
neoliberalismo. O repórter, obviamente não sabia sobre o que
perguntava e não conseguia compreender o que via e ouvia. Provavelmente
foi dilacerado a cada entrevista, eis que humano. O pai entrevistado,
sequer com tempo de tirar a enxada das costas para falar, desfere a
pergunta fatídica que separava os brasis de forma tão evidente. "O que
você acha que eu deveria fazer?" para salvar a vida da minha filha que
não tem o que comer ...Eu me recordo de assistir esta reportagem e chorar, copiosamente. Eu
não choro com hino, bandeira ou camiseta verde amarela. Não choro por
cântico religioso fervoroso. Não choro por ver alguém "atingir a
meta" de malhar todo dia e perder peso. Não sou de reconhecer heróis
em ações ordinárias e totalmente comuns. Eu chorei como criança
vendo aquela série. O olhar de Evangelista para o repórter era a
demonstração de que nada, absolutamente nada naquele país, poderia
estar dando certo.O que não consigo entender é como Ana Cláudia dos Santos, a mãe, e
Evangelista dos Santos, o pai, se tornaram "vagabundos que se aproveitam
do Estado para não trabalhar". Ou ainda como a fome de sua filha
poderia ser um reflexo "da meritocracia" que levaria - em um livre
mercado - a sociedade brasileira a ser produtiva e rica. Não entendo
como Ana Cláudia e Evangelista se tornaram o "problema das contas
públicas do Brasil", tendo contra si os dedos da classe média
(saciada) e da maioria dos que apertam botões no parlamento, e que hoje
defendem o fim dos programas sociais, dos direitos do trabalho e a
redução de vencimentos para os mais pobres.
Apenas uma sociedade doente, ignorante e hipócrita pode acreditar que
Ana Cláudia e Evangelista estão sofrendo assim por que não se
esforçaram o suficiente. Apenas uma sociedade lunática, cínica e
monstruosa pode se convencer de que eles sofrem desta forma por não
terem fé suficiente ou por não terem depositado algum valor numa conta
em nome de algum deus.E eu não falei ainda da sua bebê, que padece da fome.
Certamente quando ela crescer, depois de ter lutado para sobreviver, vai
saber evitar as mazelas da sociedade. Vai se esforçar numa escola
pública de algum sertão poeirento e seco e vai concorrer "de igual
para igual" com alguém que comeu na infância toda e que "não aceita
privilégio" de quem quer que seja.
Também não falei de você, que se "revoltou" com o conto das
"pedaladas" e saiu a bater panelas vazias - de barriga cheia - querendo
o "seu país de volta". Pois a ONU informa que a fome voltou ao Brasil.
O seu país, finalmente, voltou. E se você a ele reivindicar as cores
verde e amarela, fique com elas. Não me farão falta as cores de um
país em que uma criança morria a cada cinco minutos de fome. Um país
hipócrita que não aceita vidraça quebrada, mas nunca se importou com
as muitas Anas Cláudias e Evangelistas a enterrarem seus filhos em
caixas de sapato, como "querubins sem pecado", no único consolo
possível.
Que bom que as cores nos diferem. Você fica com a hipocrisia em verde
amarelo e eu procuro qualquer outra que dê guarida a um país sem fome.
Quem nos olhar saberá de pronto que não me misturo com quem prefere o
cassetete à cabeça do estudante, quem prefere o privilégio da gravata
à comida da criança, quem tem força física para bater em panela, mas
padece de inanição a cada cinco minutos de fome, no Brasil.
Este país voltou ...
De fome ...
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