terça-feira, 5 de dezembro de 2017

O Partido Social Democrata na máquina de moer.


O Partido Social Democrata na máquina de moer.

   

 
27/11/2017 17:03
 
Há uma tônica dominante na cultura política hegemônica na Alemanha: imaginar o futuro é cauterizar o passado. Isto implica neutralizar o perigo do retorno nazista, mas também o suposto radicalismo dos que a ele se opuseram. Também há um amálgama em que nazismo e comunismo se confundem, irmanados neste imaginário pelo controle sobre a vida privada das pessoas comuns e também das incomuns.
 
Este karma constante se transformou numa ideologia conservadora que reina na Alemanha e a partir dela se espraia pela Europa, a partir da construção da União Europeia e da Zona do Euro. Tudo sob a batuta da Alemanha e, como num baixo contínuo barroco, dos acordes do Banco Central Alemão através do Banco Central Europeu. No proscênio, quem governa é Angela Merkel, que inegavelmente tem estofo de estadista. Quem reina, no bastidor, é a sólida formação neoliberal que inspira 90% das escolas de economia do país e do continente.
 
Para este caroço central da política alemã e europeia não pode haver ponto fora da curva. É só lembrar o que aconteceu com a Grécia. Eleito um governo de oposição, foi posto de joelhos e obrigado a aplicar o programa que perdera na eleição. A Islândia teve melhor sorte. Por quê? Porque não pertence à Zona do Euro, e tem soberania sobre a própria moeda. Portugal, até agora, com sua “Geringonça” (o nome popular da frente de esquerda), também vem tendo melhor sorte. Claro. Hexa uma diferença: da liquidez da dívida grega dependia a estabilidade dos bancos alemães e também franceses. Portugal teve sorte de escapar desta ‘máscara de ferro”. Vamos ver até quando: a “Geringonça” começa a dar mostras de rachas pela frente.
 
Na última eleição alemã, olhando-se sobre a farândula dos resultados, o ponto fora da curva foi o SPD, o Partido Social Democrata. Nos últimos anos ele se tornara um concorrente ao Óscar de coadjuvante no filme dirigido e protagonizado por Angela Merkel, sua União Democrata Cristã e a sócia bávara e ainda mais conservadora, a União Social Cristã. 
 
Aparentemente, o ponto fora da curva foi o novo partido Alternative für Deutschland, AfD, de extrema direita, que recolheu os votos dos ressentidos com a política de abertura para os refugiados, protagonizada por Merkel. Mas isto segue um padrão europeu: foi assim com Marine Le Pen na França, Gert Wilders na Holanda, Ciudadanos na Espanha. São os neonazis disfarçados na pele de cordeiro do pedigree acadêmico ou do “bom-mocismo” cultural, pregando que a Europa deve permanecer pura, seja lá o que isto queira dizer.
 
O AfD cresceu às expensas da CDU e da CSU. Até aí nada de novo.
 
O problema foi que o SPD rejeitou, com a nova liderança de Martin Schulz, a ideia de permanecer na coalizão governamental dirigida por Merkel. Contados os votos, Merkel ficou com a missão impossível de organizar uma coalizão com a CSU, o liberal FDP e os Verdes, que nesta altura pareciam, de novo, ventoinhas de aeroporto, girando para onde o vento sopre em nome de ocupar cargos no governo. A experiência não é nova: já aconteceu antes, quando os Verdes integraram o governo com o SPD e, em troca de acordos sobre o fechamento das usinas nucleares, concordaram com o envio de tropas alemãs para o Afeganistão. Enquanto isto, o SPD, como o Labour de Tony Blair, soçobrava de vez, entregando-se ao ideário neoliberal e introduzindo uma serie de reformas “modernizados” da economia e da previdência social. Foi o começo de desastre para o SPD, e também para os Verdes, que hoje são partidos em busca de suas identidades perdidas.
 
Contra todas as disposições da mídia mainstream alemã, o SPD começou esta caminhada de reencontro nestas eleições. Rejeitou a coalizão conservadora, em que seria eterno primo pobre, dispôs-se a rever alguns dos postulados neoliberais que antes defendera.
 
Mas ficou numa posição de esquizofrenia: de um lado (Schulz) propunha ser de oposição. Do outro (a velha guarda), ainda integrava o governo de Merkel. Sua votação encolheu, de 25% em 2013 para 20% agora em 2017. Mas tinha a a oportunidade de se reencontrar com seu nome: Partido SOCIAL-DEMOCRATA, porque nos últimos anos o primeiro adjetivo tornou-se esquecido.
 
Como a nova coligação de Merkel se revelou impossível, as possibilidades são: 1. novas eleições; 2. um governo minoritário; 3. o SPD voltar atrás e dispor-se, de novo, a ser o fiador menor do governo conservador. 
 
A partir de hoje (segunda, 27) o tema estará em discussão no partido. Hexa pressões enormes para que ele ceda à “obrigação do dever”, continuando a ser ‘pflichtbewusst’, cônscio dele, impedindo o impasse e a implosão da liderança de Merkel. 
 
Se isto acontecer, vai significar a salvação para a chanceler e a continuação de desastre para o SPD, tudo em nome de cauterizar a imagem do passado,  e seus radicalismos em confronto.  
Fonte: Carta Maior

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