terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Santuário indígena é ameaçado por bairro de alto padrão em Brasília

ESPECULAÇÃO

Santuário indígena é ameaçado por bairro de alto padrão em Brasília

"Quando a gente não se vende, morre. O branco é assim: ou compra o índio ou manda matar", denuncia liderança Guajajara

Brasil de Fato | Brasília (DF)
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Construído há mais de 40 anos, Santuário dos Pajés é considerado lugar sagrado para as três comunidades indígenas que hoje vivem no local / Fotos: Mídia Ninja
Na capital federal, no coração do cerrado, uma comunidade indígena resiste ao avanço da especulação imobiliária que tomou conta do país especialmente na última década. Localizada no chamado "Santuário dos Pajés", a comunidade vive hoje sob intenso aliciamento por parte de construtoras que avançam sobre o território para expandir um bairro de classe alta conhecido como Noroeste. A região tem o metro quadrado mais caro da cidade, orçado em R$ 9,4 mil.
Para retirar os indígenas da terra, os especuladores têm feito de tudo: desde prometer bens como carros e imóveis em outras áreas da cidade até promover invasões de fato, com o objetivo de provocar uma migração dos três grupos  Guajajara, Fulni-Ô e Kamuu  que hoje habitam o terreno. Para o indígena Kamuu Dan Wapishana, a atitude ignora o valor dado pela comunidade à terra. "Nós não nos enquadramos na destruição do cerrado pra virar via pra carro. Nós precisamos do carro — eu tenho um carro velho porque eu preciso sair —, mas, se for preciso eu plantar uma árvore e deixar o carro, prefiro plantar a árvore", afirma.
O avanço da especulação imobiliária compromete não só a cultura indígena, mas também a preservação da natureza. Para se ter uma ideia, a área, que no passado já teve 180 hectares, hoje é alvo de um impasse judicial para o reconhecimento de pelo menos 51 hectares.
Representante do Santuário, Márcia Guajajara
A medição consta numa ação — ainda sem sentença judicial — movida pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2003 para que a área seja reconhecida como terra tradicional indígena. O local tem cerca de 3 mil espécies vegetais catalogadas. Uma riqueza de grande estima para a representante do Santuário, Márcia Guajajara: "Pra mim, isso tem muito mais valor do que um saco de dinheiro que o governo me oferece todo dia", diz. 
A área também já foi rica em mananciais, mas sofreu grave redução do volume de água por conta da construção do bairro Noroeste. O luxo dos prédios vizinhos contrasta com a situação precária em que vivem os indígenas, que não têm água encanada e contam apenas com uma ligação improvisada para o abastecimento da comunidade.
Cerca de 150 pessoas vivem no local, sendo 69 crianças. Os moradores contam que a história do Santuário remonta à criação de Brasília: no final da década de 1950, um grupo de indígenas Tapuya chegou à cidade juntamente com a leva de trabalhadores que veio ajudar na construção da nova capital.
Indígenas refazem cerca de território invadido pela Novocap
Por conta da tradição, eles precisavam ter uma "casa de reza" e, de acordo com a cosmovisão indígena, a área onde hoje fica o Santuário é um local sagrado e apropriado para a instalação da casa. Assim, os recém-chegados deram início ali à construção do Santuário.
O local hoje é ameaçado, entre outras coisas, pela construção de uma estrada reivindicada pelos moradores do novo bairro. O conflito de interesses envolvendo construtoras e indígenas teve início há cerca de dez anos, quando o Governo do Distrito Federal (GDF) começou a anunciar a criação do Noroeste, inaugurado com a promessa de ser o primeiro bairro ecológico do país. Para Kamuu Dan Wapishana, a iniciativa carrega uma contradição. "É uma sociedade que a gente vê que está destruindo o planeta. E nós fazemos o contrário: estamos defendendo o território", compara.
O conflito envolvendo o Santuário dos Pajés conta com mais de 30 processos na Justiça. Uma disputa sentida à flor da pele pelos indígenas no cotidiano da comunidade. O episódio mais recente se deu na última quarta-feira (29), quando 11 funcionários da Novacap, empresa de construção de obras do GDF, desmataram cerca de 1,5 hectare do terreno. Segundo os moradores, eles teriam agido com violência e ameaçado os dois indígenas que estavam no local, entre eles Márcia Guajajara.
"Todos nós indígenas sabemos que, quando a gente é liderança de uma terra e não se vende, você morre, porque o branco é assim: ou compra o índio ou manda matar", desabafa a representante, ao falar sobre o episódio. 
Veja a galeria de fotos do Santuário:

Os moradores sustentam que a área desmatada está no perímetro protegido por uma sentença cautelar da Justiça Federal de 2013. A decisão resulta de uma ação movida pela própria comunidade para proteger o Santuário enquanto a ação do MPF não tem decisão final. O advogado dos indígenas, Ariel Foina, destaca que a ação da Novacap pode ser considerada ilegal. "É uma desobediência direta à ordem judicial expressa que proibia exatamente aquilo que foi feito", pontua.
Em nota enviada à imprensa, a Novacap negou as acusações e disse que a área desmatada não pertence ao terreno que é objeto de disputa judicial. Questionada pelo Brasil de Fato sobre o motivo da obra, a empresa respondeu apenas que agiu a mando da Terracap, agência de terras do GDF. A reportagem também procurou a Terracap com o mesmo questionamento, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. O episódio está sendo investigado agora pelo MPF.
Edição: Vanessa Martina Silva

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