A presidência Trump e o Brasil, por Andre Araujo
ENVIADO POR ANDRE ARAUJO DOM, 02/07/2017 - 09:29
ATUALIZADO EM 02/07/2017 - 10:45
As bases que levaram à eleição do empresário e a estrutura do seu governo nesses primeiros meses
Foto: CNN
Por Andre Araujo
Resumo de palestra proferida em evento da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra-ADESG.
Porque Trump foi eleito
A eleição de Donald Trump surpreendeu o mundo e surpreendeu a elite pensante dos EUA que não acreditava que um “outsider” de reputação controversa pudesse ser eleito Presidente dos EUA contra a poderosa máquina eleitoral do Partido Democrata e, pior ainda, sem o apoio fechado de seu próprio partido, onde tinha e tem inimigos poderosos.
A eleição de Trump tem três causas principais:
A primeira foi a FRAGILIDADE da candidatura de Hillary Clinton, uma candidata imposta pelo controle da máquina partidária e não pelo consenso dos eleitores simpáticos ao partido.
Outras candidaturas como, por exemplo, a do Vice Presidente Joe Biden, teriam mais simpatia dos eleitores. Por outro lado, jamais conseguiriam vencer a barragem que o comando do casal Clinton somado a outras poderosas influencias, a do financista George Soros através de sua Open Society, que tinham sobre a máquina eleitoral das primarias do Partido Democrata.
Por outro lado, a candidata Hillary Clinton não apresentou ao país uma visão de futuro e um projeto de governo que não fosse apenas a continuidade do governo Obama.
A candidata era tão autocentrada que julgava que apenas sua figura justificava a candidatura, dispensando um programa de governo com ampla visão de futuro. Hillary sugeria que apenas ela seria “mais do mesmo” do governo Obama, o que foi o insuficiente para entusiasmar os eleitores. A candidata democrata não tinha o apelo do “novo”, abundante em Trump.
A segunda causa foi SOCIAL E ECONOMICA. A economia americana vista de fora parece em bom estado mas é uma visão ilusória. A economia de serviços da Costa Leste, de Boston a Miami e a economia de alta tecnologia da Costa Oeste escondem o fracasso da economia industrial dos Estados do Meio Oeste, especialmente Illinois, Wisconsin, Indiana, Ohio, onde milhares de fabricas medias de maquinas operatrizes, motores de popa, compressores, bombas, motores, empilhadeiras, maquinas de construção, foram vencidas pela concorrência chinesa. Atualmente, o país asiático exporta por ano algo como US$380 bilhões em produtos manufaturados para o mercado americano, exatamente os produtos que eram fabricados no Meio Oeste.
A perda desse “coração industrial” devastou o emprego bem remunerado de milhões de americanos que ficaram em péssima situação. Lembro o caso de um vice-presidente de uma importante firma de equipamentos, pessoa próxima, despedido com 54 anos e que hoje sobrevive como chapeiro de lanchonete. Casos de “downgrade” de empregos são extremamente comuns no Meio Oeste. Os ex-trabalhadores não estão desempregados mas trabalham por muito menos e em posições bem inferiores às que tinham nos anos de ouro da economia americana, de 1945 a 1975, quando um operário tinha vida de classe média.
Esses eleitores votaram em massa naquele que lhes prometia restaurar sua vida anterior.
A terceira causa foi IDEOLOGICA. O Governo Obama foi atrelado a uma visão globalista de mundo, um mundo onde o Estado-Nação se enfraqueceria em benefício de uma GOVERNANÇA GLOBAL baseada em ativismos, causas, movimentos, acordos de cooperação de todos os tipos, inclusive judiciários. Muitos eleitores americanos não gostam desse mundo pastoso onde não existe uma potência no estilo antigo, um PODER IMPERIAL dos EUA. Obama e aqueles grupos que ele representava formavam com minorias, com confrarias politicamente corretas como as de ecologia, de direitos humanos, de transparência, de mocinhos contra bandidos.
Não são poucos nos EUA que veem nesses grupos inimigos da GREAT AMERICA. Trump soube capitalizar esse sentimento que boa parte da classe média branca do Meio Oeste representa.
A estrutura do governo Trump
O Presidente dos EUA pode nomear 4.000 altos funcionários, 700 dessas nomeações têm que ser referendadas pelo Senado. Os currículos para exame do Presidente são organizados pelo Escritório do Pessoal Presidencial da Casa Branca. Esse escritório tinha 120 funcionários no último dia do Governo Obama - hoje tem 19, ou seja, um escritório fundamental reduzido a pó.
Tendo 4.000 cargos para preencher, Trump até hoje conseguiu indicar 100, faltam portanto 3.900. Por que isso acontece? Trump não tem origem no mundo político, não conhece muita gente e não transita por muitos grupos, portanto tem dificuldade em nomear colaboradores, experiência que é comum a candidatos “paraquedistas” que caem no centro do poder sem uma carreira política anterior e sem o “networking” do político antigo.
A experiência de vida de Trump não é a de um executivo de grande corporação e sim a de um empreendedor imobiliário sem sócios, operando individualmente. Tal vivencia gerencial não lhe dá bagagem para atuar em equipe, acostumado em decisões individuais.
Essas credenciais tem um lado mal e um lado bom. Trump costuma atuar sem assessoramento, o que se viu no primeiro decreto sobre limites de imigração, porém o mesmo processo lhe permite ações rápidas como uma viagem na qual se encontrou com líderes de três religiões como o Papa, o Rei da Arábia Saudita e com o Premier de Israel. Esse tipo de viagem que no governo colegiado de Obama levaria um ano de preparo, Trump resolveu de uma semana para outra, no improviso e sem maiores explicações.
A ideologia do governo Trump nas relações internacionais
Trump representa uma visão tradicional de Estado-Nação que vai contra a longa trajetória do Partido Democrata em prol de uma governança global difusa.
O sistema de GOVERNANÇA GLOBAL foi criado por um Presidente Democrata, Woodrow Wilson, que ao fim da Primeira Guerra idealizou a Liga das Nações, primeiro organismo multilateral da Era Contemporânea, depois refutado pelo Congresso americano dominado pelos Republicanos, que não aprovou a entrada dos EUA na Liga.
A Presidência Obama estendeu aos limites máximos o conceito de GOVERNANÇA GLOBAL levado aos seus limites à custa do projeto imperial dos EUA que Trump, hoje, representa na sua forma mais antiga, como aquela que resultou da política isolacionista dos anos 30, do movimento AMERICA FIRST e da visão da América fechada que precedeu ao ataque de Pearl Harbour que forçou os EUA a entrar na Segunda Guerra.
Essa ideologia já teve enormes efeitos, com a rejeição pelo Governo Trump da Aliança Transpacifica e do Tratado do Clima, grandes acordos que tinham o EUA como epicentro.
Se essa ideologia vai ser eficaz na regência da ordem mundial é questão de difícil previsão hoje, porque Trump não tem políticas consistentes para os grandes temas globais.
Trump na América Latina
Em campanha, Trump colocou os acordos comerciais e de imigração com o México como símbolo de erros dos governos anteriores e prometeu rever essas políticas, o que fará em parte. Encontrará muita resistência de grandes corporações industriais americanas que tem fabricas no México e seu plano de negócios dependentes desses suprimentos que não podem ser desmontados por causa do capital já investido no âmbito do NAFTA.
Trump tenderá a esfriar essa parte de sua campanha até por questões orçamentarias, o muro na fronteira mexicana que ele prometeu não deverá ter verba do Congresso.
O Brasil com um governo ativo poderia tirar proveito do governo Trump, enquanto ele existir.
EUA e Brasil são os dois maiores países da América Latina e com longa tradição de boas relações, sem grandes contenciosos. Trump adoraria ter uma renovação de relações bilaterais com o Brasil, mas isso dependerá da iniciativa do Brasil. Trump esta atado a muitos temas complicados que tomam toda sua atenção no dia a dia, não tem radar piscando para tudo.
Dois homens novos da equipe de Trump estão nesse eixo: Juan Cruz, diretor para a América Latina no Conselho Nacional de Segurança, organismo que define a geopolítica da Casa Branca. Ele morou no Brasil recentemente, entre 2009 e 2010, quando foi chefe de estação da CIA, fez curso na PUC Rio, fala português fluente; Além dele, Sergio de La Pena, Subsecretario do Departamento de Defesa para a América Latina, mexicano de nascimento e coronel do Exército reformado. La Pena foi uma escolha surpreendente de Trump, fora do padrão do Pentágono.
O Brasil tem muito a propor e será bem-vindo, mas existe uma política externa brasileira hoje?
Os EUA deve ser tratado como um fato objetivo, não precisa gostar deles, basta reconhecer que a existência dos EUA é uma realidade e que é preciso conviver com ela, tal qual faz a China que não adora os EUA mas sabe operar com a realidade da existência dos EUA e tirar proveito.´
É incompreensível para a diplomacia americana e para a Casa Branca a apatia, a indiferença e a inoperância do Brasil em relação à crise da Venezuela, um país que tem grandes fronteiras com o Brasil, uma situação explosiva, pré-guerra civil, que já extravasa para o Amazonas, e o Brasil trata como se fosse uma crise na Ásia e não na nossa porta. Washington acha isso uma prova de fraqueza e de inoperância política do Brasil. Na década de 70 quando houve uma crise política no Suriname o governo do Brasil com pressão diplomática atuou fortemente e a crise se resolveu, hoje o Brasil se enfraquece com a apatia total em um conflito na nossa cara, com seria implicações geopolíticas ao lado de Estados amazônicos brasileiros.
O Brasil também é tímido com relação a comercio exterior, em barreiras contra carnes podemos opor barreiras contra importação de gasolina americana, o Brasil é um dos melhores clientes de etanol de milho e gasolina dos EUA, porque não ameaçamos sobretaxar em represália à carne, os EUA inventaram uma barreira absurda (calombo da vacina de aftosa) para barrar importação, manobra essencialmente política? A exportação de etanol de milho para o Brasil é importantíssima para os agricultores do Estado de Iowa, fortíssimo politicamente no Congresso e na Casa Branca, a retaliação do Brasil deveria ter sido no mesmo dia, não fizemos nada, agora vem barreira ao nosso aço e alumínio, não vamos fazer nada?
O Brasil é omisso, acanhado, hesitante, não sabe jogar o jogo bruto do comercio exterior, parece um pobre paiseco sem armas e sem peso, quando é o contrário disso.
O Brasil precisa mostrar a cara em Washington mas cadê a cara? Trump opera no mano a mano e não nos punhos de renda, uma boa chacoalhada seria denunciar Acordo de Cooperação Judiciaria de 2001 que já nos custou US$5 bilhões e multas contra o Brasil e com esse Acordo nós não ganhamos absolutamente nada, só problemas, má imagem, perda de soberania e submissão de empresas brasileiras a um poder estrangeiro.
O futuro do governo Trump
O futuro do Presidente Trump neste mandato é imprevisível. A votação do novo plano de saúde, o Trumcare, está em uma tormenta. Trump tem apenas dois votos a mais que o necessário no Senado além do voto de minerva do Presidente da Casa que e o Vice Presidente dos EUA, portanto seu plano de saúde, que é bem mais restritivo do que o Obamacare, pode naufragar. Trump é errático na política, nas nomeações. Recentemente pediu e recebeu uma pilha de 20 currículos para indicar um Embaixador. Ao ver os currículos mandou jogar fora e disse ao funcionário do Office of Presidential Personell “não preciso examinar, encontrei ontem uma moça formidável, muito culta e vou indica-la para essa Embaixada”.
No momento a hipótese de impeachment é remota mas pode acontecer se aparecerem revelações sobre a vida financeira de Trump onde há muitos buracos negros.
Todavia mesmo com uma queda, os fatores que levaram a eleição de Trump continuam a existir e a influenciar a vida política dos EUA. O Pais está carente de projetos sólidos de futuro, uma crise de liderança impressionante para quem já teve Roosevelt, Eisennhower,Kennedy, Nixon, Reagan mas também teve Harding, Coolidge, Carter, nenhum Pais é livre do imprevisível, não há um caminho racional na vida das nações.
Uma avaliação de Trump
Trump é um acidente da História? Não. A História não tem uma curva logica, nada é previsível. Existe ponto fora da curva maior que Napoleão? O grande líder francês mudou a História da América ao forçar a fuga de D.João VI e ao enfraquecer a Espanha, possibilitou as guerras de independência na América Espanhola, um personagem improvável, um italiano virando do avesso a Historia da França e da Europa e influenciando a História das Américas.
Trump é um desmanchador de consenso, um desarrumador de tendências politicamente corretas que estavam virando uma ditadura do consenso de minorias contra a maioria.
A imensa indústria do “compliance”, do controle social sobre tudo estava se tornando uma ditadura nos EUA , Obama surfava na onda dos politicamente corretos, ele mesmo seno o apogeu desse emblema, boa para aa alguns grupos mas péssima para milhões sem rosto.
Trump desarruma tudo isso e recomeça o jogo, para o bem ou para o mal, uma espécie de freio de arrumação de um jogo cantado, para mostrar ao mundo que nada é previsível.
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