PRIVATIZAÇÃO
Com lucro de R$ 70 milhões, Copergás pode ser vendida pelo governo de Pernambuco
Governo Paulo Câmara firmou acordo com BNDES para privatizar a estatal de gás natural
Que o país está em crise econômica, todo mundo sabe. Desde 2013, quando o Produto Interno Bruto (PIB) teve crescimento de 3%, o país entrou em parafuso. Os anos de 2014 (crescimento de 0,5%), 2015 (queda 3,77%) e 2016 (queda de 3,6%) mostram isso. Em Pernambuco tendência recessiva se repetiu, com queda de 3,5% e 3,3% em 2015 e 2016, respectivamente. Mas apesar da crise, uma empresa estatal do estado tem crescido em ritmo acelerado: a Copergás.
A Companhia Pernambucana de Gás (Copergás) tem faturado em torno de R$ 1 bilhão nos últimos anos. O lucro da empresa cresceu 131,7% em dois anos. Em 2014 a Copergás lucrou R$ 30,6 milhões. Já em 2015 saltou para R$ 50,7 milhões (um crescimento de 65,7% em um ano) e, em seguida, lucrou R$ 70,9 milhões em 2016 (crescimento de 39,8% no ano). Em entrevistas recentes, representantes da Copergás afirmam ter expectativa de grande crescimento do lucro da empresa nos próximos 10 anos.
Criada por lei em 1992, a Copergás entrou em operação dois anos depois, funcionando através da rede de gasodutos herdada da Petrobras - e posteriormente ampliada a partir de 1998, com a missão de distribuir gás natural com sustentabilidade em todo o estado de Pernambuco. É uma empresa de economia mista, cujos sócios são o Governo do Estado de Pernambuco (detentor de 51%), a Petrobras Gás S.A. - Gaspetro (24,5%) e a multinacional japonesa Mitsui Gás e Energia (24,5%). Por ser majoritário, o governo tem maior controle sobre a companhia, que é vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco. Mas por algum motivo o governo Paulo Câmara quer vender a Copergás.
No último dia 9 de maio o Governo de Pernambuco e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) assinaram um “acordo de cooperação técnica” para estruturar a futura privatização da Copergás. Objetivo seria vender os 51% da companhia que pertencem ao Governo de Pernambuco. Com as presenças do governador Paulo Câmara; do vice-governador e secretário de Desenvolvimento Econômico Raul Henry; e do presidente do Conselho de Administração da Copergás, José Jorge; além da então presidenta do BNDES, Maria Silvia Bastos Marques; a reunião teria como finalidade traçar o caminho para entregar a Copergás ao setor privado. No início do segundo semestre deste ano o BNDES deve apresentar estudo sugerindo a privatização ou uma Parceria Público-Privada (PPP).
Hoje a companhia odoriza, canaliza e distribui o gás natural no estado de Pernambuco, atendendo os mercados industrial, residencial, comercial, termoelétrico, de cogeração de energia e à Refinaria Abreu e Lima. A população consome esse gás nos automóveis (o GNV) e alguns bairros da Zona Sul do Recife já pode receber o gás de cozinha através de canos. Já as indústrias utilizam o gás natural como fonte de energia para as máquinas. Entre os combustíveis fósseis, o gás é o menos poluente. Então seu uso é estratégico na busca por uma matriz energética limpa. Hoje a empresa produz um volume médio superior a 4,8 milhões de metros cúbicos por dia, sendo a 4ª maior empresa do mercado brasileiro de movimentação de gás natural.
Em conversa com o Brasil de Fato, o economista Pedro Lapa destacou que o gás natural, junto com o petróleo, compõe uma “coluna sobre a qual depende o presente e o futuro do Brasil”. Para ele, colocar uma empresa tão lucrativa e com tanta importância estratégica nas mãos do setor privado não é uma boa escolha. “Nas mãos do Estado a Copergás pode oferecer a Pernambuco uma fonte de energia barata e sobre a qual o Estado brasileiro tem controle, já que dominamos a tecnologia e o país tem grandes reservas de gás natural. Nas mãos do Estado o gás é utilizado para o fortalecimento da atividade produtiva e de barateamento de gás para o consumo”, avalia.
A possibilidade de privatização também tem perturbado o auxiliar administrativo Thiago Gomes, trabalhador concursado da Copergás e delegado de base do sindicato dos Petroleiros de Pernambuco (Sindipetro).
“A gente gera lucro para o estado, gera riqueza para Pernambuco. E vai vender? Isso é contra o interesse público. É ruim para a população”, opina Gomes. “A Copergás é a menina dos olhos do estado de Pernambuco. Não pode ser transformada numa nova Celpe”, reclama. “O gás natural é uma fonte de energia barata e um insumo estruturante para a economia. Sem gás natural, as empresas não têm como se instalar”, alerta Gomes.
Segundo ele, um dos motivos pelos quais as indústrias se concentram na Região Metropolitana do Recife é o gás natural. “Ele é tão necessário quanto água para a indústria”, diz Thiago. “Por isso é extremamente estratégico, uma questão de soberania do estado, manter o controle sobre a distribuição do gás natural. Se ficar nas mãos de terceiros, o estado perde o poder de desenvolvimento”.
Sobre as consequências de ter a Copergás nas mãos do setor privado, o economista Pedro Lapa destaca que o papel da empresa no desenvolvimento de Pernambuco muda completamente. “O central numa empresa pública é que ela olha o conjunto da economia do Estado e busca favorecer o fortalecimento das estruturas produtivas desse Estado. Esse é o olhar do Estado, mesmo que seja um Estado conservador. Mas se for uma empresa privada, ela vai olhar quais são os grandes consumidores. E resume a prestação de serviço a fornecer gás às grandes empresas”, avalia o economista pernambucano.
Sobre as consequências de ter a Copergás nas mãos do setor privado, o economista Pedro Lapa destaca que o papel da empresa no desenvolvimento de Pernambuco muda completamente. “O central numa empresa pública é que ela olha o conjunto da economia do Estado e busca favorecer o fortalecimento das estruturas produtivas desse Estado. Esse é o olhar do Estado, mesmo que seja um Estado conservador. Mas se for uma empresa privada, ela vai olhar quais são os grandes consumidores. E resume a prestação de serviço a fornecer gás às grandes empresas”, avalia o economista pernambucano.
Nas mãos do Estado a Copergás deu início, fim de 2016, à expansão de sua rede de distribuição residencial de gás natural canalizado para a zona norte do Recife, além de Derby, Prado e Afogados, na capital, e Casa Caiada e Bairro Novo, em Olinda. O investimento é de R$ 30,2 milhões entre 2017 e o início de 2018. A nova rede de distribuição tem 72 quilômetros, contemplando 179 ruas. Objetivo alcançar 9 mil novos clientes residenciais, ampliando em 35% no número residências atendidas hoje. A empresa prevê investimentos de R$ 300 milhões até 2020, tentando ampliar a rede de distribuição no interior do estado, tendo como prioridades o polo têxtil de Toritama e Santa Cruz do Capibaribe, no Agreste; e do município de Escada, na Zona da Mata Sul. A Copergás possui cerca de 700 km de gasodutos, fornecendo gás natural do Recife a Belo Jardim, no agreste.
É o que Pedro Lapa avalia como “progressiva estruturação” da distribuição do gás. “Tendo a empresa o Estado consegue incentivar toda a cadeia de formação técnica, como cursos profissionalizantes, centros de pesquisa nas universidades, atividades industriais que fornecem material para essa indústria de petróleo e gás, como a indústria metalúrgica de tubulações. E incentiva o Brasil a elevar sua produção, causando menos danos à natureza e por um custo mais baixo do que se pratica com outras fontes de energia”, aponta Lapa.
Vislumbrando a importância estratégica do gás, o Brasil montou uma grande estrutura de distribuição, a exemplo do gasoduto Brasil-Bolívia, que conecta as regiões Sul e Sudeste ao país sulamericano; e o gasoduto que interliga Fortaleza, desce passando pelas capitais nordestinas e chegando ao Sudeste brasileiro, formando grandes linhas de transmissão de gás.
Sobre a possibilidade de Parceria Público-Privada (PPP), Lapa compara com as recentes PPPs feitas em Pernambuco. "Sempre que esses negócios são feitos ficam pendentes dois esclarecimentos básicos: qual é a despesa e qual é a receita; e quem arca com a despesa e com a receita", reclama. "Tivemos a experiência desastrosa da Arena de Pernambuco. Para aquele negócio ser feito o Governo de Pernambuco arcou com 70% do custo. Então não é uma parceira, mas uma transferência de renda do Governo para a empresa. Os cofres públicos arcaram com a despesa e a Odebrecht ficou com a receita", avalia o economista.
"Não há justificativa técnica"
Ao anunciar a parceria com o BNB para a privatização da Copergás, o governador Paulo Câmara disse apenas que esta seria uma “forma de manter a Copergás fazendo os investimentos necessários para ampliar a rede de gás em Pernambuco” e que “novas parcerias privadas podem aumentar o papel da empresa na economia do Estado”. Diz pouco, já que a companhia já tem investido na ampliação da rede de gás.
Questionado sobre o que poderia levar o governo a privatizar a empresa, Lapa avalia que "não há justificativa técnica" para a decisão de abrir mão de um negócio que está dando certo. "É dar de presente um bom negócio para alguém", afirma o economista. Ele lembra ainda o caso da privatização da Petroquímica Suape (PQS), em dezembro de 2016, quando o governo Temer tirou a PQS da Petrobras e vendeu-a por R$ 1,26 bilhão à mexicana Alpek. O valor da venda foi muito inferior aos R$ 9 bilhões investidos pela Petrobras na PQS. "O governo de Paulo Câmara está fazendo o mesmo que fez o governo Temer ao 'doar' a Petroquímica Suape por 10% do preço. O que a gente vê é uma sintonia de orientação política entre os dois governos no sentido de tornar o estado mais fraco, favorecer o mercado e não colocar o estado para cumprir o papel de uma instância que existe para atender ao conjunto da sociedade", diz Lapa.
Na avaliação do economista, tanto Temer como Câmara estariam reforçando uma "campanha" que ocorre no Brasil nas últimas décadas. "Há uma campanha sistemática para convencer as pessoas de que tudo o que dá errado é o Estado e tudo o que dá certo é o mercado. Mas os dados da Copergás negam claramente isso", afirma.
A Copergás é uma empresa com pouco mais de 20 anos em operação, que tem investido valores altos nos últimos anos e ainda assim tendo lucros ainda mais elevados. "Os investimentos são recentes e a tendência seria a companhia demorar a dar bons resultados. Mas o negócio de distribuição de gás em Pernambuco é tão bom que, apesar desses imensos investimentos em ampliação da estrutura, a empresa já mostra resultados muito bons", comemora Lapa.
Mas o que ele chama de "propaganda contra o Estado" teria por objetivo transferir para as mãos das grandes empresas todos os recursos naturais e financeiros possíveis que estão sob o controle do estado. "Essa experiência é desastrosa. Esse tipo de capitalismo e neoliberalismo não responde aos fundamentos do que um cidadão espera, seja em serviços fundamentais como o fornecimento de energia, do qual queremos preço e qualidade compatíveis, ou seja em serviços diretos como educação, saúde, segurança, emprego".
O economista questiona se o governador, por ser a autoridade máxima do estado, teria o poder de decidir sozinho sobre o futuro desse recurso energético tão importante e estratégico para a economia de Pernambuco.
O economista questiona se o governador, por ser a autoridade máxima do estado, teria o poder de decidir sozinho sobre o futuro desse recurso energético tão importante e estratégico para a economia de Pernambuco.
"Durante as eleições o governador não colocou entre suas propostas de governo a privatização da Copergás. Mas depois de eleito ele decide, sem consultar a população, 'doar' os negócios do estado para alguma empresa privada. Ele não tem legitimidade para tomar uma decisão de tamanha importância. Precisa haver uma consulta à população", reclama.
O auxiliar administrativo Thiago Gomes contesta ainda a opção por vender a Copergás neste momento. “A empresa tem 20 anos. Por que eles estão querendo privatizar agora? Será que é para conseguirem dinheiro a eleição para governador do próximo ano?”, questiona. “São interesses particulares se sobrepondo aos interesses públicos”, queixa-se o sindicalista.
Impacto no consumidor
Ao falar sobre os possíveis impacto para o consumidor, Lapa aponta que a privatização traz quatro tendências negativas. A primeira seria concentrar o atendimento nos grandes clientes. “Se apenas uma pequena parte do faturamento da Copergás vem do consumo residencial, penso que uma possível privatização pode até acabar o serviço de gás canalizado residencial. É um serviço que está muito no início, tem horizonte de crescimento grande, mas por enquanto não dá tanto lucro”, exemplifica.
Uma segunda tendência da privatização seria a piora nas relações de trabalho dentro da empresa. “Sendo uma empresa pública ela é obrigada a obedecer algumas regras nas relações de trabalho. Não é 'vale tudo'. Mas com essas PECs do governo Temer no Congresso, se a Copergás for vendida pode ficar apenas com uma coordenação, terceirizando os demais serviços”. E isso desemboca no consumidor. “Ao se valer de relações de trabalho terceirizadas e precarizadas, é natural que o cliente dela seja um cliente mal atendido”, diz.
A terceira e quarta tendências apontadas pelo economista são o aumento no preço dos produtos e a queda na qualidade. “Uma empresa pública é obrigada a demonstrar o preço que ela pratica, já que ela não é uma instituição que vive para dar lucro. Ela só precisa pagar seus custos. Já uma empresa privada busca, além de cobrir seus custos, dar lucro. E ela quer dar lucro máximo. Então a tendência é oferecer um serviço de menor qualidade e mais caro”, argumenta.
Lapa compara a alguns exemplos de privatizações no estado e no país. “No Rio da distribuição de gás é privatizada. O que acontece? Os bueiros são verdadeiras bombas, com frequência tendo explosões e mortes. É um serviço tão precário que chega a ser uma calamidade pública”, aponta. E critica o distanciamento na relação da população com a empresa privada. “Numa empresa pública, se você é mau servido, você pode no mínimo reclamar para alguém, com as agências reguladoras. Mas numa empresa privada? Se ela aumenta o preço, piora a qualidade do produto, interrompe o serviço. Você vai reclamar a quem?”, questiona.
O economista citou ainda o caso da Celpe (Companhia Energética de Pernambuco, privatizada em 2000 para o consórcio do Grupo Neoenergia). “Quantos pernambucanos morrem nas calçadas porque o serviço de distribuição de energia não tem qualidade? As pessoas são vitimadas porque as cidades estão cheias de fios ligados e que têm provocado mortes. Se reclamam, a responsabilidade fica sendo jogada para a Prefeitura e de lá para a Celpe. E fica por isso mesmo”, afirmou, lembrando as recentes mortes por choque-elétrico causadas por fios expostos em vias públicas.
Edição: Monyse Ravenna
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