Por
que o Congresso ignora os sentimentos populares?
Roberto Amaral
Porque ele foi sequestrado
pelo poder econômico, uma situação que só começará a mudar se houver uma
reforma da legislação eleitoral.
Reforma da legislação
eleitoral não é reforma política, e é desta que carecemos para reconstruir a
República.
A crise política, que se
desenvolve no corpo de aguda crise institucional, em progresso, denuncia o
esgotamento do nosso modelo de democracia representativa, aquela que deriva da
soberania popular, cuja única voz é o voto livre.
Não se trata, porém, de
fenômeno ‘natural’, resultado do mau humor dos astros, pois decorre da captura,
pelo poder econômico, do sistema de representação, maculando-a de forma
letal. Exemplo desta distonia é oferecido
pelo Poder Legislativo, em sua maioria esmagadora composto por parlamentares
que não representam o eleitorado, mas sim os interesses do empresariado, o
grande "eleitor", pois é o financiador das eleições. Evidentemente, a
manipulação do voto pelos donos do dinheiro e seus servidores (como os meios de
comunicação de massas) ditaria a composição de nossas casas legislativas,
absurdamente descompassadas da sociedade brasileira.
Vejamos o perfil da Câmara
dos Deputados fornecido pelo Dieese:
42% dos deputados são empresários (incluindo fazendeiros) e apenas 22% são
assalariados; 49% são homens e 12% mulheres, num país em que as mulheres
representam 51% da população, e apenas 10% são negros, que, no entanto, somam
54% da população.
De cada três parlamentares,
dois estão com o nome inscrito na Dívida Ativa da União, um total de 337 num
colégio de 513 representantes, e respondem por um débito de quase 3 bilhões de
reais. Diz o dono da JBS que seu conglomerado financiou a campanha eleitoral de
algo como 1,8 mil candidatos. E não são, ainda, públicas, as cifras da
Odebrecht, da OAS, da Camargo Correia et caterva.
A quem pertencem os mandatos
assim adquiridos?
Só a carência de
representação pode explicar o parlamento de hoje, cego e surdo aos sentimentos
e necessidades da população. Não se trata, porém, de autismo político, mas do
reconhecimento, pelo parlamentar, da fonte real de seu mandato: o poder
econômico.
A consciência prática dessa
origem explica por que em um poder dependente do voto, pode o parlamentar, sem
medo de perder o mandato ou de não renová-lo, aprovar a "reforma"
trabalhista e a "reforma" da Previdência. E, ainda, tornar-se cão de
fila de um governo ilegítimo, afundado em fraude e corrupção – cujo chefe é o próprio presidente da
República, rejeitado por 93% da população, segundo o Datafolha.
Se o eleitor não se vê
representado pelo representante, se ele não vê na política o meio de defesa de
seus direitos e interesses (e os de sua comunidade), por que levaria a política
a sério?
A desmoralização da política
é a grande via que o autoritarismo percorre para atingir a democracia tout
court, mesmo em se tratando de uma democracia para poucos, como a nossa.
A Procuradoria-Geral da
República anuncia para breve mais duas denúncias contra o presidente. Somam-se,
assim, em Michel Temer, presidente perjuro, a incompetência, o mandonismo, o
autoritarismo e o desvio de funções, acentuando sua ilegitimidade.
Hoje amargamos mais um
anúncio de queda do PIB, o aumento da dívida, a queda da arrecadação e a
agudização do déficit fiscal. Fracasso absoluto dos "salvadores da
Pátria". Em apenas dois pontos avança o governante: no desmonte de nosso
país (compreendendo a desnacionalização da economia) e na tentativa de
revogação de direitos dos trabalhadores. E o primeiro-ministro Henrique
Meirelles (chegado do Banco de Boston e do Conselho da holding dos irmãos
Batista) já anunciou para breve o aumento dos impostos, diante do silêncio da Fiesp, que não sabe onde enfiar seu
pato.
Mas não é este, ainda, o
caráter mais danoso da famiglia que tem no presidente da República o seu capo e
no Palácio do Jaburu sua caverna. O mais deletério está no projeto, em curso
avançado, de, para além de destruir com os direitos dos trabalhadores e
aposentados, promover em trote apressado, a desconstrução nacional, demonizando
a política, privatizando a preço de banana empresas estatais essenciais ao
nosso desenvolvimento, fomentando a desnacionalização da economia, abrindo
generosa e irresponsavelmente nosso território e nossas fronteiras ao capital
privado estrangeiro, renunciando, por fim, à defesa de nossa soberania e ao
exercício de uma política externa condicionada pelos interesses nacionais.
É este o governo sustentado
pela grande maioria dos meios de comunicação de massa e pelo Congresso
Nacional, transformado em cartório do Executivo.
Mas não só por eles, pois
ainda mais eficazmente está a sustentá-lo o Poder Judiciário, que não titubeia
quando lhe cabe negar a ordem constitucional, rasgada inumeráveis vezes pelo
STF, cuja existência só se justifica como seu guardião. A presidente Cármen
Lúcia – que parece não ver a crise ética do STF – diz estar atenta "às
vozes das ruas".
Não sei a quais ruas se
refere sua excelência, sei é que as ruas devem ser ouvidas, mas pelo Poder Legislativo, que no entanto diante
delas faz ouvidos de mercador. O Poder Judiciário deve cuidar de outras vozes,
como as da Constituição e do Direito. No frigir dos ovos, a quem ouve a alta
Corte?
O Poder Judiciário
comporta-se ora como partido da classe dominante, ora como partido corporativo,
para manter seus privilégios antirrepublicanos.
A ilegitimidade de um Poder
está imbricada na ilegitimidade de outro (interdependentes como irmãos
siameses), e ela se completa no triste quadro de partidarização do Judiciário,
do piso à mais alta Corte. A ilegitimidade caminha como rio por entre vasos
comunicantes e expõe a crise da representação, sem a qual não há democracia
sustentável.
Em face de tal quadro, os que o reconhecem
apontam como saída uma reforma band-aid, que é simplesmente uma reforma
eleitoral, por isso mesmo limitada, necessária, mas insuficiente, incapaz de
atingir o âmago de nosso desarranjo.
O que no Congresso e fora
dele é identificado como reforma ‘política’ não passa, até aqui, de mera
reforma das regras das disputas eleitorais. Ora a questão crucial, voltemos, é
a crise, profunda, de nossa democracia representativa, que pede uma reforma
política, compreendida esta como reforma do Estado (não me refiro ao estamento
burocrático). O refazimento da legislação eleitoral deverá estar embutido na
reforma política, que terá de rever as competências e as estruturas dos poderes
da República (Legislativo, Executivo e Judiciário), carentes, os três, em
níveis diversificados, de legitimidade, afastados que estão daquela vontade
emanada pela soberania popular.
As reformas são
interdependentes porque a reforma maior e substantiva, a reforma política, não
será possível sem a reforma da legislação eleitoral. Mas essa reforma não tem vindo a lume porque
algo digno desse nome ferirá interesses estabelecidos, dos quais os
parlamentares são delegados.
Como romper o círculo
vicioso?
As discussões relativas à
reforma da legislação eleitoral não têm merecido o eco da grande imprensa, que
elege seus temas segundo os interesses de seus donos. Os partidos se prendem
aos aspectos menores, preocupados todos eles em garantir o melhor proveito. E
assim, circunscrito o debate aos gabinetes da Câmara e do Senado, simplesmente
se empurra com a barriga questão tão crucial, embora
todos concordem com a necessidade de um novo ordenamento legal.
Uma alternativa é trazer o
debate para a sociedade, abrindo caminho para uma mobilização popular em
condições de influenciar o Poder Legislativo, esse que temos.
Fonte: blog
do Roberto Amaral - 08/07/2017
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