segunda-feira, 10 de julho de 2017

As reformas “de que o País precisa”

As reformas “de que o País precisa”

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As reformas “de que o País precisa”
Por Thiago Gurjão Alves Ribeiro
Diante dos últimos acontecimentos da vida política no País, os principais veículos de mídia deixaram de parecer uma única voz para apresentar diferentes visões sobre o futuro do País. Ou quase. Alguns deles defendem que o afastamento do Presidente da República é a saída mais rápida para a principal agenda nacional, que seria a aprovação das reformas trabalhista e previdenciária. Outros defendem que a permanência do Presidente ainda é, por ora, o melhor caminho para se chegar ao grande objetivo atual da nação, que seria... a aprovação das reformas trabalhista e previdenciária. Uma ligeira controvérsia sobre os meios para se chegar aos fins supostamente desejados por todos.
Evidentemente esse clamor pelas “reformas de que o País precisa” deve estar amparado na voz do povo e das urnas, diria um alienígena ou um visitante de alguma nação democrática. Na verdade não, como sabemos todos. Mas não custa lembrar. As tais “reformas” não estavam entre as propostas defendidas pela campanha que obteve a maioria dos votos nas últimas eleições. Trata-se de agenda lançada pelo partido do então Vice-Presidente, atual Presidente da República, por meio do documento chamado “Ponte para o Futuro”, quando em curso processo de afastamento daquela que outrora fora sua companheira de chapa. Uma espécie de programa de governo para uma campanha não-eleitoral. Aliás, o trâmitedessas reformas, sob a velocidade da luz, levou a uma greve geral no dia 28 de abril, uma das maiores da história. Ainda bem que não tenho que explicar tudo isso para o confuso alienígena ou visitante hipotético.
Lembrar esse contexto, porém, ajuda a entender porque a expectativa de alguns de que a solução da crise política passe pelo voto popular seja tratada quase como uma ofensa pessoal por aqueles mesmos editoriais e alguns dos principais articulistas dos mesmos veículos que agora “divergem” sobre os rumos da crise, mas seguem firmes no consenso sobre “as reformas de que o País precisa”. Parece que a predileção olfativa por equinos do último presidente diretamente investido pela ditadura civil-militar voltou a ser a preferência de muitos.
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A sensação de estranhamento aumenta quando se lembra que além de não estarem amparadas pelo programa de governo sufragado pela soberania popular, a justificativa oficial do mantra da necessidade das “reformas de que o País precisa” ainda se baseia em uma profissão de fé: a de que sua aprovação geraria empregos. Diversos estudos e experiências práticas apontam que simplesmente não há evidências que comprovem essa relação entre flexibilização (ou precarização) e geração de empregos. Muito pelo contrário: na Espanha, a flexibilização da legislação trabalhista levou à substituição de contratos de trabalho indeterminados por outros precarizados, sem aumento dos postos no geral.
Enquanto isso, os irmãos Batista - não os geniais Sérgio e Arnaldo Dias Baptista, mas Wesley e Joesley, pois cada “pausa democrática”(na definição de Carlos Ayres Britto) tem os “irmãos Ba(p)tista” que merece – revelam nos depoimentos e gravações que vem sendo divulgados que, além de lucrar bilhões com a superexploração de trabalhadores adoecidos, acidentados e amputados, também operariam com a compra de incentivos fiscais e uma espécie de delivery de malas recheadas para candidatos e agentes públicos, sem preconceitos partidários. Seu modus operandi, segundo reportagem da Folha de São Paulo, fazia com que um lobista do grupo se definisse como dono da maior bancada do Congresso.   Claro que com toda essa influência não deixariam de ter opinião sobre as propostas de reforma trabalhista:“Criou-se uma indústria de reclamações trabalhistas”, disse em outubro de 2016 Wesley Batista, então presidente global da JBS, companhia responsável por 7.822 acidentes de trabalho de 2011 a 2014 (isso considerando apenas aqueles notificados). “Se o governo Temer conseguir as reformas que estão na agenda, vai ser um legado extraordinário”, continuou, na mesma entrevista. Já está claro que cumprir a lei não era o forte do negócio dos irmãos. Poderiam pelo menos não tentar alterá-la a seu favor, como buscam fazer agora, eles e seus representantes, com a reforma trabalhista.
“As reformas de que o País precisa”, portanto, fazem parte da pregação de alguns que se arvoraram na convicção de que sabem o que é melhor para a nação do que seu próprio povo, guiados que estão por algumas crenças.Como todas as crenças, elas devem ser respeitadas, mas podem se tornar perigosas quando propagadas como verdades científicas absolutas quando estão muito, mas muito longe de o ser. Talvez o que o País precise mesmo, antes de qualquer reforma, seja algo que nada tem de novo: voltar ao tempo em que cabia ao voto – e não a editoriais de jornal - definir quais são as prioridades do governo que, se democraticamente eleito, deve estar atento ao que diz a Constituição: todo poder emana do povo. Ao menos até que alguma “reforma” altere o texto para substituir “povo” por “mercado”.

 Thiago Gurjão Alves Ribeiro é Procurador do Trabalho

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Fonte: Caros Amigos

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