ACUSAÇÕES CONTRA LULA SÃO FRACAS
247 - Bom dia. Estamos ao vivo na TV 247 com Renato
Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia da Universidade de São Paulo e
ex-ministro da Educação. Participam da entrevista os jornalistas Leonardo
Attuch e Alex Solnik. Na próxima segunda-feira, ao que tudo indica, será
entregue, pelo Procurador Geral da República ao Supremo Tribunal Federal a
chamada “lista de Janot”, na qual políticos de vários partidos deverão ser
alvos de pedidos de abertura de inquérito, demonstrando que o sistema político
brasileiro, de certa maneira, implodiu. Como o Brasil chegou a essa situação,
no seu diagnóstico?
·
É difícil. É
difícil entender. Porque o Brasil parecia estar num caminho muito bom, caminho
de redução de desigualdade social, esse ponto foi colocado por... vamos dizer,
Itamar Franco trabalhou nisso, Fernando Henrique trabalhou nisso, mas quem deu
escala e fez disso política de Estado foi Lula. Quem fez com que esse assunto
se tornasse irreversível. Logo depois de eleito, no Jornal Nacional, perguntaram
a Lula de contratos, capitalismo e ele perguntou: “ninguém vai perguntar de
fome”? Então, ele mudou a agenda. De então para cá, ninguém concorre ao
Executivo querendo ganhar sem dizer “tem que haver inclusão social”. Todo
mundo, todo mundo que quisesse ganhar, porque sempre tem gente que não quer
ganhar. Mas, de repente, com uma rapidez muito grande, tudo isso mudou, nós
temos um governo que vai na direção oposta a isso, confirma a minha ideia de
que ninguém concorre a uma eleição sem falar em inclusão social porque o atual
governo não foi eleito.
247 - Essa agenda então só é possível para um governo não
eleito?
·
Essa agenda sem
inclusão social só é possível para um governo não eleito. Aquele escritor
nigeriano, Abeche, tem uma declaração muito interessante, numa reunião do Banco
Mundial. O presidente do Banco Central, não sei se da Zâmbia disse “pra nós deu
tudo errado” e o Abeche rebateu: “vocês estão querendo tomar medidas econômicas
que, por exemplo, na Nigéria dividiram por três o salário mínimo, passou de 15
libras esterlinas para 5, implantar uma medida dessa só é possível sem
democracia”. Foi o que ele disse, com toda a clareza. Vocês, americanos,
britânicos não conseguiriam implantar isso no país de vocês. A única opção para
implantar isso é acabar com a eleição.
247 - Você foi ministro da presidenta Dilma. Como é que
você viveu essa reversão do quadro brasileiro de dentro do governo?
·
Eu estou
escrevendo um livro sobre isso, que deve sair até o final do ano, é um livro de
memórias... memórias é uma palavra exagerada, são lembranças, experiências em
dois sentidos, quer dizer, na verdade o que eu aprendi sobre educação e o que
eu acho prioritário na educação hoje etc. A outra questão é assumir um
ministério em 6 de abril de 2015, seis meses depois da eleição e três meses
depois da posse de Dilma, quando o impeachment era uma possibilidade de sair no
comecinho de outubro de 2015, quando o impeachment era uma probabilidade. Ou
quase uma certeza. Esse período todo foi muito difícil, porque tinha muita
coisa esquisita acontecendo, quer dizer, um protagonismo do baixo clero, que
não tem importância política, mas que conseguiu, com o Cunha, se
coordenar. Todos os que foram para a
rua, financiados, segundo consta, partidos políticos, grupos, eles próprios não
significavam tanto enquanto o presidente da FEBRABAN e o presidente da CNI
diziam “nós queremos que o governo continue”... “queremos que o governo mude as
coisas, todo apoio ao Levy, mas queremos que continue”. Então, foi uma situação
muito, muito esquisita. Eu acho que é uma situação que ainda vai pesar no
futuro. Do que eu aprendi de História, os interesses econômicos são
importantes. Mas, os principais interesses econômicos parece que não estavam
envolvidos na deposição.
247 - A conspiração do impeachment começou nessa época?
·
Remotamente,
talvez no momento em que Aécio Neves desconsiderou o resultado das urnas,
imediatamente após a eleição.
247 - Ele seria, então, o principal
responsável?
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Não, não acho que
ele seja o responsável, mas ele deu sinal de deslegitimar, com os movimentos
nas ruas que rapidamente se tornaram numerosos sem que se conseguisse mobilizar
gente a favor do governo em montante comparável, em março de 2015 já havia um
descontentamento grande, expresso etc. A eleição de Cunha também; a articulação
de Temer para ver se passava a agenda do Levy na Câmara, ele tentou, conseguiu
aprovar algumas leis, até que, segundo consta, o que ele prometeu não teria
sido cumprido pelo governo e ele se afastou. Então, é muito difícil saber,
porque eu creio que toda a conspiração do impeachment teve vários momentos,
vários grupos.Para mim ficou o claro o seguinte: no fim de 2015, o PT tinha
conseguido limitar um pouco o desgaste, porque conseguiu colar a imagem dos
“impeachers” no Eduardo Cunha. Isso não era bom para o PSDB etc. Colou. Foi um
ato muito difícil. Foi na mesma época em que Temer fez a carta à
presidenta. O PT não tinha vencido o
impeachment, mas tinha criado certo limite e, aí em meados de fevereiro de 2016,
o PMDB entrou em peso, e em meados de março ficou tudo definido. Demora pouco mais
de um mês para votar na Câmara, mas a 15 de março não tinha mais como reverter.
247 - Segundo a delação do José Yunes, o dinheiro que
estava no pacote entregue em seu escritório deveria comprar os votos de 140
deputados para Cunha ser eleito presidente da Câmara. Você acha que aí está a
gênese do impeachment? O impeachment pode ter sido comprado?
·
Não tenho
condições de dizer isso. Porque isso, por enquanto, é só uma delação, tudo isso
tem que ser examinado. O que eu posso fazer é uma análise política e dizer que
houve uma série de ações do lado da direita para tirar o governo, quem tinha
razão, nessa altura, era o Aloysio Nunes que dizia o seguinte: “vamos sangrar o
governo”. O que quereria dizer: vamos aprovar a conta gotas as medidas
necessárias para salvar a economia, mas a conta gotas. Seria dar ao Levy um
pouco do que ele pedia, mas não tudo para que a economia se recuperasse. Essa
me parece que também era a atitude do governador Alckmin. Os outros preferiram
precipitar as coisas. A frase que me veio de imediato por ocasião do
impeachment foi a frase famosa de Dostoievsky: “Se Deus não existe tudo é
permitido”. No caso, se você não tem uma regra de pedra e cal, constitucional,
com respeito às eleições, se você pode começar destituindo um governo com
argumentos frágeis, só porque ele é impopular – essa impopularidade em parte
construída – você pode tudo.
247 - Construíram o caos social no país?
·
Construíram.
247 - Uma insegurança jurídica bastante forte.
·
Minha sensação,
quando eu entrei no governo era a seguinte: quem segura a onda do Congresso é o
Poder Executivo. O Poder Executivo consegue fazer o Congresso funcionar direito
com duas coisas principais, não é medida provisória só, são basicamente duas
coisas: conversa, articulação, habilidade de Fernando Henrique e Lula, não de
Dilma e, segunda coisa, o dinheiro. Não estou dizendo desonestidade, estou
dizendo atender pleitos – alguns podem não ser muito ortodoxos, mas outros
podem ser – enfim, construir uma ponte, uma ponte pode ser útil ou não. Duas
coisas, portanto: precisa ter dinheiro e conversa. Dilma nunca teve conversa e
o dinheiro sumiu.
247 - Ou seja, os deputados perderam o verbo e a verba...
·
No começo de 2015
o que você tem? Você tem um Executivo que enfraqueceu e de repente entra, como
um furacão, um outsider, que é o Eduardo Cunha e começa a decidir um monte de
coisas, diante da fraqueza do Poder Executivo e diante de certa omissão do
Senado, do senador Renan, que não sabia lidar com essa força da natureza, com
esse furacão. Esse furacão descontrolado. Mas não para aí. Somando tudo isso, o
que o Congresso fez com a pressão do Eduardo Cunha foi bobagem, não votou uma
lei, uma emenda que fosse importante ou útil. Então, o Supremo assumiu uma
parte quando decidiu coisas, ao longo de 2015 e 2016 que não seriam da alçada
do Supremo, se o Congresso estivesse funcionando direito. O próprio Supremo foi
tão lerdo, por exemplo, na decretação da prisão do Eduardo Cunha que a figura
que acabou ocupando esses vazios sucessivos foi o juiz Sergio Moro. Qualquer
julgamento que se tenha sobre o juiz Moro, ele é uma pessoa que julga num prazo
razoável, em seis meses emite uma sentença. Isso falta no Brasil. Então, por
exemplo, temos essas denúncias que foram ao Supremo. Primeiro, você ouve que
desviaram tanto dinheiro a favor de Fulano e Beltrano, até isso virar um pedido
de inquérito no Supremo é uma vida...até o inquérito ser feito e resultar em processo
é outra vida... ser julgado é uma eternidade.
247 - É uma impunidade, então?
·
É uma impunidade!
Como no caso da cassação da chapa. A gente lê o tempo todo que o relator está
convencido que a chapa deve ser cassada. Agora, não acontece nada.
247 - O pano de fundo das manifestações era a corrupção.
Quando a esquerda perdeu o predomínio das ruas e de que maneira esse discurso
moralista, anticorrupção foi legitimado? Hoje começa a haver um sentimento de
que a coisa é mais generalizada.
·
Sim, começa, mas
não tem gente na rua.
247 - E por que não tem gente na rua?
·
Talvez decepção,
desalento, achar que tudo é igual, talvez por ter uma esperança de que a
economia se recupere. O discurso pode ser corrupção, mas o pano de fundo é
dinheiro no bolso. As pessoas que subiram na vida graças às políticas petistas
têm muito pouco reconhecimento disso, uma boa parte. Quando eu fui ministro
durante quatro meses houve greve das universidades federais. E eles tinham tido
aumento. Dilma deu, em 2012, aumento escalonado de 45%, em três anos. Era muito
mais que a inflação. Eu queria tomar uma atitude mais severa, explicar às
pessoas que não tinha dinheiro. O ataque da esquerda ao governo Dilma era
cotidiano. Dilma – está certo – não conseguiu comunicar o tamanho da crise
econômica, é certo, ela tinha prometido coisas que não podia cumprir, ela
poderia se desculpar dizer olha gente a crise era maior do que eu pensava, peço
um ano de cooperação... isso eu dizia: doze anos de avanço não se destrói em um
ano. Nós temos condições de reverter isso. E acredito que teríamos. Não tivesse
havido a crise para promover o impeachment acho que a economia brasileira já
estaria melhor. Melhor com Levy. Não era mais fazer política econômica
heterodoxa. Mas estaria melhor.
247 - Quanto tempo vai durar até a população perceber a
contradição: os que estão no poder derrubaram Dilma por motivos éticos e esse
governo é que não tem nenhuma ética.
·
Eu não sei. Tem
muitas opções nisso tudo. Para o Brasil, a melhor coisa seria a economia
melhorar logo. Se a economia melhorar logo, esse governo vai ser popular. Vai
pelo menos conseguir se erguer. E, de modo geral, a questão da corrupção vai
ser esquecida. Se for para ir até o fim, terá que ir muita gente para a cadeia,
muitos deles serão líderes, você vai ter, possivelmente, uma política
desfalcada de lideranças. E uma renovação em política não é fácil. É
fundamental ter novas lideranças. É preciso construir um monte de pequenos
líderes. Do jeito que está eu tenho receio de ficar certo vazio.
247 - Você acha que vem aí a anistia a malfeitos do caixa
2?
·
Eu penso que não
é uma proposta popular. Já houve uma tentativa de emplacar isso na calada da
noite. Não pegou bem. Tem coisas difíceis de entender. A mesma mídia que
promoveu a deposição da presidente Dilma se opôs à anistia. Então, nós não
temos um bloco homogêneo de apoio da direita. Eu acho que o PSDB cometeu um
erro precipitando o impeachment. Era melhor eles terem deixado o governo
sofrer, e eles ganharem legitimamente em 2018 e implantarem medidas que teriam
a legitimidade das urnas. Ao não fazerem isso eles tiveram que se subordinar ao
Eduardo Cunha e à extrema-direita. A diferença entre extrema-direita e direita
democrática é que a extrema-direita é, também, em boa parte, uma direita de
costumes. Uma direita que é contra as conquistas das mulheres, dos
homossexuais, dos negros. Eles se subordinaram a isso. Então, o PSDB ficou
muito fraco nisso tudo. Os nomes
importantes do PSDB se enfraqueceram. O Aécio está muito fraco. O candidato
Serra está de fato muito doente. Se o Lula for candidato é praticamente certo
que ele está no segundo turno. A questão é: quem seria o contendor? Se houver
dez candidatos se vai para o segundo turno com 15%.
247 - Como você vê a possibilidade de Lula não ser
candidato por uma decisão do Poder Judiciário?
·
Eu acho que é um
choque grande, porque... enfim, eu não sou juiz, não vi provas, nada, mas me
parece fraco o que está sendo assacado contra ele. Do meu ponto de vista, seria
muito mais uma decisão política que jurídica.
Os que defendem que ele seja condenado querem isso politicamente.
247 - Eles querem a inabilitação...
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Eles querem a
inabilitação. Numa situação desse tipo se tem duas hipóteses. Primeira, por que
o empresariado não se entusiasmou com o impeachment. O presidente do CNI só 15
dias antes da Câmara votar disse “temos que ter uma solução rápida”. E não
disse qual. Foi a única vez que Robson Andrade disse alguma coisa que poderia
ser entendida sobre o impeachment. Eu tenho a impressão que o empresariado
tinha muito medo de manifestações de rua, de violência muito grande, que não
houve. A questão toda é a seguinte: em algum momento vai haver isso? Se Lula
for inabilitado vai acontecer isso? Ou as pessoas vão ficar caladas, paradas?
Está se acabando com a previdência social e as pessoas se queixam, mas não vão
à rua. As medidas são muito graves. E são um tanto irresponsáveis, porque eu
tenho ouvido empregadas domésticas falando aos seus patrões “me dá o dinheiro
do INSS, porque eu nunca vou me aposentar”.
247 - Qual é a consequência disso para o tecido social
brasileiro?
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É o
individualismo cada vez mais agudo. É cada um por si. Quando não há um canal, o
descontentamento é cada um por si.
247 - Você vê algum espaço para o governo que tem 2/3 no
Congresso tentar algum golpe do tipo prorrogar o mandato de Temer? Você acha
que isso pode acontecer ou as eleições de 2018 estão garantidas?
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Não tenho certeza
das eleições, menos ainda de uma prorrogação de mandato do Temer. O presidente
tem um... veja, primeiro você tem uma aliança clara. Uma trupe de economia
respeitada pelos chamados mercados que faria o que eles querem e para ter o
apoio político congressual e da grande mídia faz um ministério, enfim, bastante
esquisito. Tanto que meia dúzia já foi embora, geralmente por razões não muito
republicanas. Então, tem isso. Deixa frágil. Ao mesmo tempo tem outra história,
quando o presidente vai falar sobre valores, por exemplo, quando falou sobre as
mulheres é um negócio que nem mesmo os apoiadores da política econômica deles
aprovam; o texto da Miriam Leitão é muito claro a respeito. Quer dizer: nem ela
gostou. Ela critica o Temer. Diz: o Temer é isso. Então, esse é um espaço que a
gente tem de luta. Pegar as fraturas deles e apostar nelas. Quer dizer, esse
governo, que vê a mulher desse jeito, vê o negro desse jeito... Por que é que
isso está acontecendo?
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