Opinião
A JBS e a venda de terras a estrangeiros
por Isabela Prado Callegari — publicado 22/05/2017 16h07
No Brasil, é xadrez para os pobres e xeque-mate para os ricos
Evaristo Sá / AFP
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Há exatamente um mês, antes da exposição midiática da Operação Carne Fraca, o atual ministro da Fazenda e nome favorito do mercado para ocupar a Presidência, Henrique Meirelles, enfatizou em entrevista para a Globonews a urgência da aprovação da venda de terras rurais para estrangeiros. A fala do ministro foi clara: “Vamos liberar nos próximos 30 dias”.
Diversos ativistas se opuseram fortemente à medida, por uma questão de soberania nacional e alimentar, e pelo mínimo direito à autodeterminação. Afinal, se a vegetação nativa e o ambiente natural já são cotidianamente extorquidos pelos ruralistas nacionais, visando a exportação de soja e gado, o que seria então com a entrada de estrangeiros, somada à diminuição dos parques nacionais, à precarização do licenciamento ambiental, à MP da regularização fundiária e ao retrocesso nas demarcações de terras indígenas?
Nós, ativistas e público em geral, ainda não tínhamos, no entanto, todas as informações sobre as peças em jogo, de modo que as motivações desse projeto não eram totalmente claras.
Parecia contraditório que a liberação de terras rurais para empresas estrangeiras estivesse sendo feita a toque de caixa, a despeito da maior competição que traria para os ruralistas nacionais. Foi, por exemplo, o que declarou Blairo Maggi, o rei da soja, que solicitou restrições para a plantação de soja e milho.
O projeto em questão, PL 2289, é de 2007, mas está travado na Câmara desde então, sendo alvo de sucessivos arquivamentos e desarquivamentos, e tendo outros projetos anexados, o que denota os interesses poderosos e contraditórios que esse tema suscita.
Em outubro do ano passado, com Temer já presidente e Meirelles ministro, o projeto retornou, no entanto, com força aos noticiários, com texto preparado pela Casa Civil, e relatoria do deputado Newton Cardoso Jr. (PMDB/MG). Apesar do repentino ressurgimento da proposta, parece que as divergências colocadas pelos ruralistas nacionais, mesmo sem conseguir impor restrições ao projeto, conseguiu atrasar sua aprovação até o presente momento.
Após a Operação Carne Fraca e as delações da JBS, novas informações valiosas se somam ao contexto anterior. Como já é de conhecimento público agora, os irmãos Batista não apenas ganharam bilhões de dólares com a informação privilegiada do escândalo que eles mesmos criaram, como fizeram de antemão um acordo no assombroso mercado das delações premiadas, no qual em vez de serem presos, eles somente pagariam uma multa, que é quase um presente, 250 milhões de reais.
É claro que os irmãos sabiam que para obter tamanho benefício, eles precisariam implicar alguém de peso nas suas delações, de forma que arquitetaram junto à PGR as provas que seriam produzidas: gravações, malas com chip e dinheiro rastreado. Acontece que não apenas os Batista se acertaram previamente com a justiça daqui, como também com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, e, em dezembro do ano passado, já haviam aprovado a realização de oferta pública da empresa na Bolsa de Nova York, o que faz parte do plano de migração do grupo para fora do Brasil.
Esse processo de reorganização da empresa levará o grupo a deixar de ser brasileiro, com capital majoritariamente estrangeiro, se enquadrando justamente no caso das empresas impedidas de comprarem terras rurais no País, de acordo com parecer da Advocacia Geral da União, de 2010. Ou seja, o gran finale dos irmãos Batista não será possível sem a aprovação do projeto de venda de terras para empresas estrangeiras.
Tendo em vista as quantias notáveis que a JBS investe em doações de campanha para praticamente todos os parlamentares, tudo leva a crer que esse é o grande interesse por trás desse projeto dúbio, e não apenas mais uma medida liberal de abertura do país ao capital estrangeiro.
Se já causava estranheza o fato de Eliseu Padilha, na Casa Civil, e Meirelles, na Fazenda, estarem advogando tão ativamente em prol desse projeto, soma-se a essa estranheza o fato de que Meirelles era o presidente da holding J&F até 2016, cargo no qual ganhava 3 milhões de reais por mês, e que abdicou para ganhar 30 mil reais como ministro.
Ele não sabia de nada durante o seu período como presidente do conglomerado? Nada está sendo investigado a esse respeito? O fato de Temer estar sendo abandonado pelos seus apoiadores na mídia diz tão somente que existe alguém muito mais preparado para aprovar os interesses do mercado do que ele.
Enquanto Temer parece já ser carta fora do baralho, uma eleição indireta de Meirelles é o cenário que vem se concretizando, o que representaria a instauração do capital, sem intermediários políticos, e a continuidade das reformas.
O ministro seria a opção perfeita para os interesses escusos, e ainda se enquadraria na categoria em ascensão no capitalismo tardio, a de "não político". Em menos de uma semana a mídia venderia facilmente à população a imagem que ele possui entre os comentaristas econômicos ortodoxos, de gestor, homem forte do mercado, responsável, experiente, dentre tantos outros adjetivos desonestos. Estejamos atentos e em luta contra as reformas e pelas eleições diretas.
*Mestranda em Economia pela Unicamp
Fonte: Carta Capital
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