Diretas, já!'
ou 'Diretas, nunca!
Como ocorreu no final da ditadura, as
elites fazem qualquer coisa para não entregar a transição de um ciclo de
desenvolvimento que se esgotou ao voto popular.
Saul Leblon
O noticiário contraditório que oscila
entre o descarte de Temer e a sua manutenção - como um vigia bêbado do
precipício ao qual o país foi reduzido pela irresponsabilidade golpista das
suas elites, evidencia a saturação das ferramentas conservadoras.
Mas não deve iludir: a elite golpista
sabe aonde quer chegar, embora deixe transparecer a saturação dos meios à sua
disposição.
Se preciso, pode até levar ao sacrifício
algumas peças para afiar a guilhotina desgastada e decepar os direitos
políticos de Lula; colocar Meirelles ou Gilmar no comando do Estado e concluir
as reformas que revogam o escopo de direito sociais e trabalhistas da Carta de
1988.
Feito o trabalho sujo, a nação iria às
urnas dentro de um ano e meio desprovida de lideranças reais, eviscerada de
músculos e instrumentos institucionais para sair do chão.
Em resumo, com alguma hesitação e riscos
inerentes, tenta-se ganhar tempo e espaço político para concluir a operação
central do golpe: lancetar o pacto da sociedade nascido sob o impulso da
extraordinária ascensão das massas populares na cena política de 1984, com a
Campanha das 'Diretas, Já!'.
A exemplo do que ocorreu naquele final
da ditadura, a elite e os interesses dominantes topam agora qualquer coisa.
Menos entregar a transição de um ciclo de desenvolvimento que se esgotou ao voto
popular.
'Diretas, nunca!', bradam as escaladas
sulforosas dos telejornais e o jogral diuturno dos jornalões.
Nos anos 80 o clamor por eleições limpas
e diretas foi golpeado de dentro do palanque das mobilizações.
Enquanto as praças lotavam em comícios
com mais de um milhão de pessoas, como o de abril de 1984 em São Paulo,
Tancredo Neves negociava com os militares a candidatura ao Colégio Eleitoral,
que garantiria uma transição a frio, como se quer agora.
A Constituinte de 1988 foi o repto das
ruas traídas pelo avô de Aécio Neves.
Na assembleia soberana desaguaram,
então, as demandas reprimidas e os clamores sufocados por duas décadas de
ditadura militar, fraudados após as mobilizações das ‘Diretas Já'.
A Constituição Cidadã vingou em parte a
derrota popular no Colégio Eleitoral.
Abrigou-se nela aquilo que Ulysses
Guimarães, o 'Senhor Diretas', um liberal sincero - apunhalado por Tancredo que
lhe roubou a candidatura, aceitando o pacto conservador - batizaria de 'a
lamparina dos desgraçados'.
É essa lamparina de direitos dos
desgraçados - bruxuleante até que o ciclo de governos do PT lhe deu o pavio de
recursos para se materializar em políticas sociais - que se pretende apagar
agora com o extintor das 'reformas de mercado'.
Por isso as instituições estão em
frangalhos e desmoralizadas.
Do Executivo ao Legislativo, dominado
por uma escória argentária, passando por um judiciário partidarizado, longe de
ser confiável como suprema instância, o dinheiro dá as cartas e os cortes.
O resultado desenha uma cova coletiva no
perímetro social, econômico e geopolítico da oitava maior economia da terra.
Um em cada quatro brasileiros estão
desempregados ou subocupados.
Em 52% dos lares há algum demitido ou
dívida atrasada, diz pesquisa da Nielsen.
A retração de 50% nas consultas para
tomada de recursos no BNDES compõe o indicador antecedente da rota depressiva
de longo curso lavrada pela ganância patronal nas entranhas da economia.
A Lava-Jato venceu seu prazo de validade
como biombo para o assalto dos corruptos ao poder em nome do combate à
corrupção.
A cada dia mais exala da República de
Curitiba o cheiro podre do viés unilateral. Dependesse de Moro & seus
procuradores, nem Aécio, nem Temer seriam flagrados na radiografia do que são e
do complô que simbolizam.
É preciso mudar para manter as coisas no
mesmo lugar.
É nesse trânsito farsesco patrocinado
pelas elites que a rua emerge como o único chão firme de legalidade e poder num
país acuado no presente e desprovido de futuro.
Retornar à legalidade original das ruas
sempre foi o último recurso dos povos para virar a página de enredos
anacrônicos que insistem em sobreviver como formas mórbidas.
É o caso hoje de uma sociedade submetida
à cavalgada de um governo antinacional e antissocial e à retroescavadeira de um
parlamento de despachantes de aditivos a soldo dos mercados.
O chão firme das ruas precisa se
materializar em multidões mobilizadas e no consentimento majoritário catalisado
por um programa de emergência capaz de renovar a confiança na democracia para
dar ao desenvolvimento a sua destinação social.
É nessa encruzilhada de desafios que
avulta a urgência de uma fusão entre a ‘crítica das armas e as armas da
crítica’, de que nos falava um especialista alemão em motores da história.
O desafio primal dos dias e noites
tensos que viveremos pode ser resumido na construção dessas linhas de passagem.
Que materializem o peso das ideias na
força das ruas, e o peso das ruas em ideias-força, para superar o cativeiro
econômico e institucional no qual as elites querem aprisionar o Brasil.
O Fórum 21, a frente ampla dos
intelectuais brasileiros, deve caminhar nessa direção. E as lideranças das
frentes populares, igualmente.
O tempo urge.
As ruas precisam falar.
E o que disserem deve ter a pertinência
capaz de repactuar a nação com um novo projeto de futuro.
www.cartamaior.com.br 19/05/2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário