segunda-feira, 22 de maio de 2017

DIRETAS, JÁ!' OU 'DIRETAS, NUNCA!

Diretas, já!' ou 'Diretas, nunca!


Como ocorreu no final da ditadura, as elites fazem qualquer coisa para não entregar a transição de um ciclo de desenvolvimento que se esgotou ao voto popular.

Saul Leblon

O noticiário contraditório que oscila entre o descarte de Temer e a sua manutenção - como um vigia bêbado do precipício ao qual o país foi reduzido pela irresponsabilidade golpista das suas elites, evidencia a saturação das ferramentas conservadoras.

Mas não deve iludir: a elite golpista sabe aonde quer chegar, embora deixe transparecer a saturação dos meios à sua disposição.

Se preciso, pode até levar ao sacrifício algumas peças para afiar a guilhotina desgastada e decepar os direitos políticos de Lula; colocar Meirelles ou Gilmar no comando do Estado e concluir as reformas que revogam o escopo de direito sociais e trabalhistas da Carta de 1988.

Feito o trabalho sujo, a nação iria às urnas dentro de um ano e meio desprovida de lideranças reais, eviscerada de músculos e instrumentos institucionais para sair do chão.

Em resumo, com alguma hesitação e riscos inerentes, tenta-se ganhar tempo e espaço político para concluir a operação central do golpe: lancetar o pacto da sociedade nascido sob o impulso da extraordinária ascensão das massas populares na cena política de 1984, com a Campanha das 'Diretas, Já!'.

A exemplo do que ocorreu naquele final da ditadura, a elite e os interesses dominantes topam agora qualquer coisa. Menos entregar a transição de um ciclo de desenvolvimento que se esgotou ao voto popular.

'Diretas, nunca!', bradam as escaladas sulforosas dos telejornais e o jogral diuturno dos jornalões.

Nos anos 80 o clamor por eleições limpas e diretas foi golpeado de dentro do palanque das mobilizações.

Enquanto as praças lotavam em comícios com mais de um milhão de pessoas, como o de abril de 1984 em São Paulo, Tancredo Neves negociava com os militares a candidatura ao Colégio Eleitoral, que garantiria uma transição a frio, como se quer agora.

A Constituinte de 1988 foi o repto das ruas traídas pelo avô de Aécio Neves.

Na assembleia soberana desaguaram, então, as demandas reprimidas e os clamores sufocados por duas décadas de ditadura militar, fraudados após as mobilizações das ‘Diretas Já'.

A Constituição Cidadã vingou em parte a derrota popular no Colégio Eleitoral.

Abrigou-se nela aquilo que Ulysses Guimarães, o 'Senhor Diretas', um liberal sincero - apunhalado por Tancredo que lhe roubou a candidatura, aceitando o pacto conservador - batizaria de 'a lamparina dos desgraçados'.

É essa lamparina de direitos dos desgraçados - bruxuleante até que o ciclo de governos do PT lhe deu o pavio de recursos para se materializar em políticas sociais - que se pretende apagar agora com o extintor das 'reformas de mercado'.

Por isso as instituições estão em frangalhos e desmoralizadas.

Do Executivo ao Legislativo, dominado por uma escória argentária, passando por um judiciário partidarizado, longe de ser confiável como suprema instância, o dinheiro dá as cartas e os cortes.

O resultado desenha uma cova coletiva no perímetro social, econômico e geopolítico da oitava maior economia da terra.

Um em cada quatro brasileiros estão desempregados ou subocupados.

Em 52% dos lares há algum demitido ou dívida atrasada, diz pesquisa da Nielsen.

A retração de 50% nas consultas para tomada de recursos no BNDES compõe o indicador antecedente da rota depressiva de longo curso lavrada pela ganância patronal nas entranhas da economia.

A Lava-Jato venceu seu prazo de validade como biombo para o assalto dos corruptos ao poder em nome do combate à corrupção.

A cada dia mais exala da República de Curitiba o cheiro podre do viés unilateral. Dependesse de Moro & seus procuradores, nem Aécio, nem Temer seriam flagrados na radiografia do que são e do complô que simbolizam.

É preciso mudar para manter as coisas no mesmo lugar.

É nesse trânsito farsesco patrocinado pelas elites que a rua emerge como o único chão firme de legalidade e poder num país acuado no presente e desprovido de futuro.

Retornar à legalidade original das ruas sempre foi o último recurso dos povos para virar a página de enredos anacrônicos que insistem em sobreviver como formas mórbidas.

É o caso hoje de uma sociedade submetida à cavalgada de um governo antinacional e antissocial e à retroescavadeira de um parlamento de despachantes de aditivos a soldo dos mercados.

O chão firme das ruas precisa se materializar em multidões mobilizadas e no consentimento majoritário catalisado por um programa de emergência capaz de renovar a confiança na democracia para dar ao desenvolvimento a sua destinação social.

É nessa encruzilhada de desafios que avulta a urgência de uma fusão entre a ‘crítica das armas e as armas da crítica’, de que nos falava um especialista alemão em motores da história.

O desafio primal dos dias e noites tensos que viveremos pode ser resumido na construção dessas linhas de passagem.

Que materializem o peso das ideias na força das ruas, e o peso das ruas em ideias-força, para superar o cativeiro econômico e institucional no qual as elites querem aprisionar o Brasil.

O Fórum 21, a frente ampla dos intelectuais brasileiros, deve caminhar nessa direção. E as lideranças das frentes populares, igualmente.

O tempo urge.

As ruas precisam falar.

E o que disserem deve ter a pertinência capaz de repactuar a nação com um novo projeto de futuro.


www.cartamaior.com.br 19/05/2017 

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