Mino Carta
Joesley Batista detalha encontro no
Jaburu e compra de silêncio de Cunha, chamado pelo atual presidente, segundo
lobista, de "passarinho na gaiola"
"Parte do grupo está preso, parte
está no poder", afirmou às autoridades Joesley Batista, dono da JBS, sobre
os líderes do PMDB na Câmara que comandavam o esquema de propinas com sua
empresa. A emblemática frase deixa claro como a relação umbilical entre Michel
Temer, a parte do grupo "no poder", e Eduardo Cunha, deputado cassado
e integrante do núcleo que "está preso", não foi rompida com a
ascensão do atual presidente da República.
Mesada
de 400 mil reais a Funaro, 5 milhões a Cunha
Segundo Joesley, o primeiro motivo de
sua ida ao Palácio do Jaburu era discutir "o problema do Eduardo Cunha e
do Lúcio Funaro". Em seguida, ele afirma que Funaro era o operador
financeiro de Cunha "no esquema do PMDB na Câmara, composto por Michel
Temer, Eduardo Cunha e outros membros".
No depoimento, o dono da JBS esclarece
melhor os pagamentos a Funaro e Cunha. Apenas o primeiro, segundo ele, recebia
uma mensalidade no valor de 400 mil reais. O ex-presidente da Câmara teria
recebido não uma mesada, mas um "montante". "Depois que ele foi
preso, a gente pagou 5 milhões de um saldo de dívida".
Os investigadores perguntam se a dívida
estava relacionada ao esquema do Fundo de Investimento do FGTS.
"Não", responde Joesley.
"Eram 20 milhões relacionados à renovação do incentivo de desoneração
tributária do setor de frango, que na época Cunha tramitou essa
prorrogação".
Segundo o empresário, em um primeiro
momento ele considerava que a propina era de 15 milhões, logo estaria saldada.
Cunha teria dito a ele que o acerto era 20 milhões. Por isso, o empresário
teria pago 5 milhões de reais desde que o deputado cassado foi preso em 2016.
Um dos motivos de sua ida ao Jaburu,
narra Joesley, foi informar Temer de que seguia pagando 400 mil reais por mês a
Lúcio Funaro para "saber a opinião dele".
"De pronto, ele disse que era
importante continuar isso".
Os valores, diz o empresário, eram
"para garantir o silêncio deles, para manter eles calmos, o Lúcio Funaro
calmo e o Eduardo Cunha também. Eu não sei como ficar calmo na prisão, mas (os
pagamentos eram) para ficarem em silêncio e não se rebelarem."
Joesley afirma que vinha recebendo
sinais claros "de que era importante manter financeiramente as
famílias" da dupla presa. Os sinais teriam vindo "inicialmente
através de Geddel", em referência ao ex-ministro chefe da Secretaria de
Governo Geddel Vieira Lima (PMDB-BA). O Dono da JBS decidiu então procurar
Temer a partir do momento em que Geddel passou a ser investigado por tentar
influenciar o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero a liberar uma obra de seu
interesse pessoal em Salvador.
Segundo Joesley, Temer falou
"claramente que era importante manter isso". No áudio gravado pelo
Dono da JBS, o atual presidente afirma "tem que manter isso, viu?",
quando o empresário lhe diz que está "de bem com Eduardo".
Em seguida, Joesley fala "todo
mês", em uma referência aos pagamentos, segundo o próprio. Embora seja de
difícil compreensão, Temer parece ressaltar: "E Funaro, também".
"Também", diz Joesley.
Temer teria perguntado a Joesley:
"Tá dando alpiste para os passarinhos?"
"Os passarinhos tão tranquilos na
gaiola?", perguntou Temer, segundo lobista
Ricardo Saud, lobista da JBS, apontado
como distribuidor de propinas da empresa a políticos, afirmou em seu depoimento
que Temer e Joesley tinham uma senha para os pagamentos a Cunha e Funaro. A
senha seria "dar alpiste aos passarinhos na gaiola".
Segundo o lobista, Temer quis saber de
Joesley como estavam os repasses. "Temer sempre pedia para manter eles lá.
O código era 'tá dando alpiste pros passarinhos? Os passarinhos tão tranquilos
na gaiola?, afirmou Saud em 10 de maio à Procuradoria-Geral da República
"Um
milhão de reais no bolso" para Temer
Embora não possa ser investigado por
fatos estranhos ao seu mandato, Temer também é alvo de uma grave acusação
relativa à campanha de 2014. Segundo Saud, o atual presidente teria recebido 15
milhões de reais do PT para financiar sua campanha à Vice-Presidência, mas
decidiu "guardar" 1 milhão de reais "no bolso".
"Eu já vi o cara pegar o dinheiro
da campanha e gastar na campanha. Agora, ganhar um dinheiro do PT e guardar pra
ele no bolso dele, eu acho muito difícil. Aí, ele e o Kassab fizeram isso. Só o
Temer e o Kassab guardaram o dinheiro pra eles usarem de outra forma",
afirmou Saud em depoimento.
Interferência no STF para ajudar Cunha
Em seu depoimento, Joesley afirma que
Temer "fez um comentário curioso" no encontro no Jaburu. "Cunha
quer que eu o ajude no Supremo", disse o peemedebista, segundo o empresário.
De acordo com uma perícia de Ricardo Caires dos Santos, do Tribunal de Justiça
de São Paulo, contratada pela "Folha de S.Paulo", o trecho do áudio
referente a esse diálogo foi editado:
"Era pra me trucar, eu não fiz nada
(corte). No Supremo Tribunal totalidade só um ou dois (corte)... aí, rapaz, mas
temos (corte) 11 ministros".
À Justiça, Joesley supostamente completa
as lacunas, editadas ou não. "Eu posso ajudar com dois, com 11 não
dá", teria completado o peemedebista. Joesley então diz que ficou calado e
afirmou não saber como Temer poderia ajudar o ex-deputado preso.
Uma análise feita pelo Ministério
Público Federal no processo identificou ruídos e a voz de um dos interlocutores
(Joesley) com maior intensidade em relação à voz do segundo interlocutor
(Temer). "E alguns momentos tornam-se incompreensíveis sem a utilização de
equipamentos especializados." A análise nada diz sobre possíveis edições.
"O diálogo encontra-se audível, apresentando sequência lógica", diz o
parecer da Secretaria de Pesquisa e Análise do MPF entregue à Justiça.
Interferência
no BNDES a pedido da JBS
Joesley afirma que tinha a informação de
que Temer "intercedeu pessoalmente" junto a Maria Silvia Bastos
Marques, presidente do BNDES, para atender a uma demanda da JBS. No fim das
contas, diz o empresário, a atuação do atual presidente "não deu
certo".
Presidência
do CADE e da CVM
Joesley narra ainda que Temer indicou
como espécie de "substituto de Geddel" o deputado Rodrigo Rocha
Loures (PMDB-PR). Segundo o empresário, ao perguntar a Temer se poderia tratar
com Loures sobre "todos os assuntos", o atual presidente disse:
"O Rodrigo é da minha mais estreita confiança."
Os temas a serem tratados com Loures
diziam respeito à presidência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)
e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Em relação ao CADE, Joesley narrou que a
presidência do conselho estava em aberto e foi a Temer dizer "da
importância de um presidente alinhado com os interesses" do peemedebista.
"Ele disse que tem uma pessoa que
dá para ter uma conversa franca", afirmou Joesley. "Eu entendi isso
como obedecer a seus interesses". O delator também citou a troca da
presidência da CVM, "para fazermos as reivindicações quando eram
necessárias."
Interlocução
com ministro da Fazenda, ex-presidente da holding da JBS
Joesley perguntou também a Temer sobre
como tratar de interesses da JBS junto à Receita Federal. No depoimento, o
empresário lembra que o atual ministro da Fazenda "trabalhou conosco por
quatro anos".
Meirelles foi presidente do conselho da
J&F, holding da JBS, entre 2012 e 2016.
Segundo Joesley, Meirelles "nunca
me atendeu em nenhuma reivindicação".
O empresário diz então que foi perguntar
a Temer como levar Meirelles a "saber que isso era de interesse" de
Temer. O empresário afirma que conversou nos seguintes termos com Temer:
"Olha, presidente, nós precisamos combinar algum jeito, que eu peço as
coisas para o Henrique, e de alguma forma você fique sabendo e mande ele
fazer." Temer teria dito que "pode avisar pra ele (Meirelles) que
(você) tem meu apoio" para qualquer tema de interesse da empresa.
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