Roberto Amaral
É certo que a avidez pecuniária de Temer
e Aécio ajudou no processo, mas o fundamental é que o presidente ilegítimo já
de há muito se tornara descartável.
Temer está sendo defenestrado pelas
mesmas forças que haviam assegurado a deposição de Dilma Rousseff.
Incompetente e corrupto, ademais de
rejeitado pela consciência nacional, Michel Temer, ainda presidente enquanto
escrevo estas linhas, está sendo defenestrado pelas mesmas forças que haviam
assegurado a deposição de Dilma Rousseff e a tomada do poder do Estado pela
súcia comandada pelo seu PMDB, em associação com o tucanato golpista, cuja
grande liderança é Aécio Neves, coletor de propinas.
É certo que a avidez pecuniária de Temer
e Aécio (e a mediocridade de ambos) ajudou no processo, mas o fundamental é que
o presidente ilegítimo – fracassando no projeto imposto pelas forças do golpe –
já de há muito se tornara descartável e, por isso mesmo, está sendo jogado ao
mar, destino de carga imprestável.
Assim, as forças econômicas e políticas
que, sob a liderança do Sistema Globo (um partido de direita que opera o
monopólio da informação no Brasil), prepararam o golpe contra Dilma e os
interesses populares, são as mesmas que, hoje, comandam esse golpe dentro do
golpe em processo, e seu objetivo é, preservando o mando (e os lucros dele
derivados), impedir a retomada da direção política pelas forças democráticas.
Na arquitetura do golpe, o presidente é
sempre um interino se equilibrando na corda bamba presa nas pontas pelos
interesses do grande capital. Se Manuel torna-se inconveniente, troque-se
Manuel por Joaquim, para que tudo continue como dantes no Castelo de Abrantes.
Temer, nessa história, foi sempre uma contingência, deplorável, mas, nas
circunstâncias do golpe, inevitável, embora que prescindível, como os fatos
recentes demonstram.
Não será facilmente que a direita abrirá
mão do comando das forças do Estado, mediante o qual, com apoio em um Congresso
hegemonizado por fugitivos da polícia, está revogando os direitos sociais e
destruindo a nação.
A segunda fase desse golpe dentro do
golpe é a preservação dos interesses reacionários, mediante a eleição de um
preposto qualquer pela via indireta do Congresso Nacional. Joga-se Temer ao
mar, mas preserva-se o mando, pois trata-se de simples troca de nome, sem
alterar a substância.
Qual a diferença entre Temer, Rodrigo ou
Eunício?
Nas circunstâncias troca-se seis por meia dúzia, porque, quem quer que seja o
substituto do títere, terá de ser, sempre, um representante do statu quo. Ou
seja, trata-se de mudar para que nada mude, como sentenciava Tomasi de
Lampedusa pela voz de d. Tancredi em seu magnífico O Leopardo.
A direita, que, pela voz da Rede Globo,
proclama a mudança, está tranquila, pois a mudança continuísta será operada,
eis sua posta, por um Congresso ilegítimo, sem representatividade,
rejeitado pela população, comandado por uma cúpula repulsiva, e, portanto, ‘sob
controle’.
Ou seja, sai Temer e entra um qualquer,
por que, qualquer que seja o escolhido, será sempre um representante do bloco
ainda hegemônico.
É esse o projeto de continuidade da
classe dominante, preparada para, longe dos interesses do povo e das vozes das
ruas, manobrar a crise segundo seus interesses, que jamais se confundem com os
interesses da nação.
A raiz da crise – política mais do que
econômica – é a decomposição dos poderes da República, carentes de legitimidade
e representação, uma contrafação nos termos da democracia representativa,
construindo, de mãos dadas, o Estado de exceção jurídica, assim autoritário e
classista.
Nada mais claramente denunciador da
crise do que a degenerescência do Poder Legislativo, a ilegitimidade do atual
Poder Executivo e a politização-partidarização de um Poder Judiciário que
afronta a ordem constitucional.
Desde que a permanência do presidente
ilegítimo está fora de cogitações – grita a nação –, trata-se de discutir a
forma de sua defenestração, rápida, para que o resto do organismo republicano
não se contamine com sua ilegitimidade.
Até o ‘mercado’, que amparou sua
ascensão, clama agora por sua rápida partida.
A solução mais simples, e aquela que
mais tende à urgência da crise, aquela que menos prejuízos imporia à nação,
cansada, seria a renúncia do presidente,
mas essa saída já foi recusada pelo mandatário rejeitado, carente de grandeza.
Sobram, ao país, outras saídas e a
primeira delas é a condenação do presidente que, em face da delação de seus
sócios da JBS, já responde a inquérito aberto pelo STF.
A delação de Joesley Batista,
maciçamente exposta por jornais e pela televisão, mostra Michel Temer, no
Palácio do Jaburu, sendo conivente com o empresário corrupto, na compra do
silêncio de Eduardo Cunha, que muito teria a revelar das tramas e tramoias
levadas a cabo com o presidente.
Mas não é só. No diálogo deprimente, o
empresário revela suas traficâncias, informa a ‘compra’ de um procurador da
República tornado informante, relata as tentativas de corrupção de outras
autoridades e as demais manobras suas visando a obstruir a apuração judicial. A
tudo Temer ouve silente (sinal de assentamento), quando sua obrigação era dar
voz de prisão ao meliante.
Caso falhe a ação do STF, a alternativa
ditada pela Constituição é o impeachment, já requerido, mas dependente de
despacho do presidente da Câmara dos Deputados, um colega de grei. Contra esse
caminho, todavia, fala a inconveniência do tempo exigido para sua tramitação
nas duas Casas.
Em seu lugar, os observadores lembram a
velha solução do julgamento do pedido de cassação da chapa Dilma-Temer no TSE, julgamento
que se espera para a primeira quinzena de julho. Para os práticos, trata-se,
apenas, de um bom entendimento com o
ministro Gilmar Mendes, ministro do STF e voluntarioso presidente do TSE. Como
ele negociou a exclusão, do processo, de seu constituinte, ser-lhe-á igualmente
fácil articular agora sua condenação, sem dores de consciência, pois estará
sempre servindo ao poder, o ofício de sua alma.
Mas o país não suporta mais nem um dia a
permanência de Temer no Planalto.
Nosso Congresso, sem caráter, maleável
aos humores do poder do momento, pode inspirar-se na solução que os militares
legalistas impuseram no contra golpe de 11 de novembro de 1955, comandado pelo
ministro general Lott.
Naquela data o Congresso, em uma só
sessão, simplesmente declarou o presidente em exercício, deputado Carlos Luz,
sem condições de exercer a Presidência da República (ele estava enredado em uma
conspiração que visava a impedir a posse de Juscelino Kubitscheck). A mesma
resolução seria adotada dias adiante (28 de novembro), quando o presidente
titular, Café Filho, afastado por alegados motivos de saúde, tentou reassumir a
Presidência da República, já ali exercida pelo presidente do Senado, Nereu
Ramos.
Se o senhor Michel Temer não tem
condições de permanecer na presidência por mais um dia – a nação já o regurgita
– é igualmente inaceitável que a alternativa para o vácuo do poder seja a
eleição de um interino por esse Congresso, carente de quaisquer condições,
sejam éticas, sejam morais. Enfim, um Congresso, nunca será abusivo repeti-lo,
sem legitimidade.
A saída é a convocação de eleições
diretas, já neste ano, para o que será necessária a aprovação de Emenda
Constitucional, que o Congresso sabe muito bem operar em horas, quando quer, já
vimos. E há sempre constitucionalistas orgânicos à disposição para formular
soluções.
Em 1955 o espírito
democrático-pragmático foi acionado pelos tanques do general Lott; o
patriotismo de hoje deverá ser provocado pela força popular. Quero dizer que a
alternativa democrática depende de as forças populares ocuparem as ruas –
fábricas, escolas, campos etc. – tornando permanente a grande mobilização
proporcionada pela greve geral de 28 de março.
Só com o povo nas ruas exercendo seu
protagonismo é que poderemos conquistar as Diretas Já, que devem ser vistas
como passo essencial de uma grande luta que visa à retomada da emergência das
massas e da legitimidade democrática.
No curto prazo, o projeto das Diretas Já
– que nos retirará do impasse político – está, porém, a depender de imediata e prévia
reforma do processo eleitoral – pela qual devemos lutar com afinco -,
assecuratória da democratização das eleições, e nesse sentido, são
condicionantes mínimas o financiamento público das campanhas, ademais de seu
radical barateamento, e a votação em listas fechadas, nos termos das discussões
e projetos liderados pela CNBB e pela OAB.
Ao lado da reforma política, é
imprescindível a imediata paralisação da reforma da previdência e da reforma
trabalhista, a revogação dos atos lesivos ao patrimônio nacional, como sejam o
desmonte do BNDES e da Petrobras e a entrega do pré-sal a empresas
estrangeiras.
Fonte:
Blog do Roberto Amaral
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