quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Carlos Araújo - um revolucionário que multiplicava afetos

14/08/2017 13:28 - Copyleft

Carlos Araújo - um revolucionário que multiplicava afetos

Lembrado por amigos como um revolucionário que multiplicava afetos, Carlos Araújo era respeitado e admirado até mesmo entre os adversários políticos


Adriana Lampert, de Porto Alegre
 






A trajetória do ex-deputado estadual pelo PDT do Rio Grande do Sul Carlos Franklin Paixão de Araújo (79 anos), que morreu na madrugada do último sábado (12 de agosto), em Porto Alegre, foi sintetizada por Dilma Rousseff ao final de sua mensagem de pesar, publicada nas redes sociais no domingo, logo cedo: “Carlos Araújo viveu visceralmente e brilhou intensamente. Agradeço por sua existência e por ter feito parte da minha vida. Carlos encantou a todos os que tiveram o privilégio de conhecê-lo”.
 
Lembrado por amigos como um revolucionário que multiplicava afetos, era respeitado e admirado até mesmo entre os adversários políticos. Natural de São Francisco de Paula, o ex-deputado foi velado, das 15h às 21h de sábado, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, por onde passaram centenas de pessoas, incluindo muitos nomes da política.
 
Dissidente do Partido Comunista, o homem que foi casado durante 22 anos com a ex-presidente Dilma Rousseff e integrou o comando da organização guerrilheira Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares (VAR-Palmares) morreu na UTI do Hospital São Francisco, no Complexo Hospitalar da Santa Casa de Porto Alegre. Segundo laudo médico, o falecimento ocorreu por conta de complicações de doença pulmonar obstrutiva crônica, complicada por quadro cardíaco, que evoluiu para um quadro de infecção generalizada.
 
“Ele lutava há mais de 20 anos contra uma enfisema pulmonar e estava bastante abalado fisicamente”, comenta o amigo Milton Zuanazzi, que coordenou várias campanhas e assessorou Araújo durante a elaboração da Constituinte Estadual (RS) de 1989.
 
Determinado, inteligente, firme; mas também paciente, articulador e capaz de relevar acontecimentos de toda ordem, sem guardar rancor, o ex-guerrilheiro tentou suicídio na prisão para não entregar seus companheiros. Mas também se tornou amigo de um de seus torturadores e do carcereiro e do responsável por sua prisão, ocorrida em 1970. “Teve também um carcereiro para quem ele dava aula na cadeia”, lembra o amigo.
 
















Junto com Leonel Brizola, Araújo chegou a trabalhar na recriação do PTB em 1980, e – após perderem a sigla para o grupo liderado pela ex-deputada Ivete Vargas, sobrinha de Getúlio Vargas – ajudou a fundar o PDT, em 1981. Desfiliou-se do partido no início dos anos 2000 e há dois anos havia retornado aos quadros trabalhistas.

 
Sem nunca largar a advocacia – e sem jamais defender um empresário sequer, voltando o foco sempre para os trabalhadores – Araújo foi deputado estadual pelo PDT no Rio Grande do Sul por três mandatos, entre 1982 e 1994. Considerava o trabalhismo como o caminho brasileiro para o socialismo. Concentrou sua atuação nas áreas de trabalho, saúde e direitos humanos.
 
Enfrentamento à ditadura militar
Foi preciso coragem e fidelidade aos ideais comunistas para que o jovem advogado Carlos Araújo, na época com 30 anos, articulasse e ajudasse a dirigir a organização guerrilheira Vanguarda Armada Revolucionária–Palmares (VAR-Palmares), fundada em plena ditadura, no ano de 1969.
 
O País havia sofrido o mais duro golpe do regime militar, com a instalação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), baixado em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e Silva.
 
“Todas as possibilidades de reunião, manifestação, expressão do pensamento e de luta contra a ditadura tinham se esgotado. A resistência passava pela luta armada e pela clandestinidade”, recorda o economista e dirigente do Partido dos Trabalhadores Ubiratan de Souza, antigo militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
 
Adotando o codinome Max, Araújo, enfrentou de peito aberto os anos de chumbo – o período mais repressivo da ditadura militar no Brasil – que se estenderam até o final do governo Médici, em março de 1974.
 
As ações da VAR-Palmares iam desde simples contestações com discursos contrários ao governo até atitudes mais extremadas, como sequestros e assaltos. “Carlos Araújo é merecedor de muito respeito, ele enfrentou a ditadura do jeito que decidiu, pelas armas – o que não era uma unanimidade de esquerda. Foi fiel à sua visão, e por isso fica na história”, comenta o sindicalista e ex-governador do Rio Grande do Sul (pelo PT) Olívio Dutra.
 
Olívio o conheceu no final da década de 1970: “Politicamente eu já tinha ouvido falar dele anteriormente”, recorda.
 
“Ele enfatizava mais o caráter socialista do trabalhismo, e tinha algumas diferenças com o autoritarismo e o personalismo de determinadas figuras no campo da esquerda, e em especial também do trabalhismo”, completa.
 
O ex-governador do Rio Grande do Sul lembra ainda que Araújo “sempre foi um instigador de que o ato político fosse consciente e não uma precipitação, sem questionar como e o que fazer.”
 
Era também um intelectual, segundo Olívio “um militante de esquerda com disposição de aprender”: “Ouvi opiniões dele sobre livros clássicos do marxismo, mas também sobre a obra de Erico Verissimo; um homem com uma leitura diversificada”.
 
O golpe recente
Militante de esquerda, de uma geração que surge do pós-guerra, Carlos Araújo tinha a esperança de construir um “Brasil independente” e acreditava ser possível desenvolver um projeto próprio para o País, em contraposição ao entreguismo. “Esse talvez tenha sido o grande confronto que ele buscava passar para a gente”, lembra Milton Zuanazzi, que ocupou o cargo de secretário nacional de Políticas de Turismo do Ministério do Turismo, de 2003 a 2006.
 
Entreguismo, aliás, que na opinião de Araújo – explicitada em entrevistas recentes – se fortaleceu no processo de impeachment da ex-presidente. Ultimamente, defendia estratégias para restaurar o ambiente democrático no Brasil.
 
“Ele vinha numa pregação muito grande, mesmo tendo se refiliado ao PDT, de uma grande unidade das forças populares, democráticas, socialistas, com uma visão nacional de construção de um País”, destaca Zuanazzi.
 
“Araújo foi um lutador contra a ditadura e contra o poder que emana das elites econômicas, políticas e midiáticas", destacou Dilma, durante o enterro do ex-marido.
 
Carlos Araújo e Dilma Rousseff se conheceram no Rio de Janeiro, durante uma reunião da luta armada. Na época, as diversas organizações que se criavam no País para combater o regime militar buscavam uma unificação. Foi quando ele conseguiu o contato com dos integrantes do Comando de Libertação Nacional (Colina), de Belo Horizonte, com quem marcou a reunião no Rio, onde Dilma também estava presente. Na segunda reunião, os dois começaram a namorar.
 
Mas só puderam viver juntos quando ambos deixaram a prisão (foram presos no mesmo ano, ela em janeiro e ele em agosto), pois foram enviados para lugares distintos. Dilma foi solta antes do marido, e foi morar em Porto Alegre, para poder visitá-lo na Ilha do Presídio, onde ele ficou quatro anos preso. Na época a ex-presidente só conhecia um amigo de Araújo em Porto Alegre: o hoje economista aposentado da Fundação de Economia e Estatística, Calino Pacheco Filho.
 
Ambos fizeram vestibular e entraram juntos para a Faculdade de Economia, e, mais tarde, Pacheco foi chefe de gabinete de Dilma, durante sua gestão na Secretaria de Energia, durante o governo Olívio (1999-2002).
 
Assim como o casal, Pacheco integrou a VAR-Palmares. “O Carlos era uma figura maravilhosa, um grande amigo, companheiro, festeiro, de bem com a vida”, comenta o economista. “A convivência com ele era ótima. Ele foi um político muito habilidoso, preparado, astuto, um dos poucos camaradas que unia a teoria à pratica – e um grande admirador de Getúlio Vargas.”
 
Amigo dos tempos de PDT, o ex-vereador de Porto Alegre, Artur Zanella, completa: “Ele foi um cidadão do mundo. Perdemos um homem fraterno, solidário, e socialista no âmbito da política e de suas relações pessoais.”
 
No domingo, a ex-presidente divulgou nas redes sociais uma nota sobre o falecimento de Araújo, que qualificou como seu “parceiro na vida e na luta”: “Em qualquer circunstância, sempre pude contar com ele, com sua inteligência, com sua capacidade e com sua força”, revelou.
 
No texto, Dilma afiança que o tributo que deseja prestar ao ex-marido é continuar “lutando por um mundo melhor, por um Brasil mais justo e pela emancipação do povo do meu país. Exaltarei sempre a sua coragem, enaltecerei sempre a sua bravura e a grandeza com que lutou sempre por seus ideais”.
 
Abaixo, a nota completa de Dilma Rousseff:
 
A PERDA DE UM COMPANHEIRO
O mundo é mágico.
As pessoas não morrem, ficam encantadas.(Guimarães Rosa)
 
"Perdi hoje um parceiro de uma vida.
 
Carlos Araújo foi um bravo lutador.
 
Foi um bravo lutador no enfrentamento da ditadura militar, que não conseguiu destruir nem sua força vital, nem seu caráter, nem sua coragem.
 
Foi um bravo lutador no esforço pela reconstrução do trabalhismo no Brasil, missão à qual ele e muitos companheiros se dedicaram.
 
Carlos Araújo amou a vida, e lutou por ela, tanto quanto lutou por uma vida melhor para todos.
 
Morreu ontem, mas viverá para sempre: em sua família, em sua companheira Ana, em seus filhos Leandro e Rodrigo, em nossa filha, Paula, em nossos netos, Gabriel e Guilherme, nos muitos amigos que fez e nos muitos admiradores que conquistou.
 
Viverá nas nossas fortes lembranças do esforço comum pela sobrevivência, das lutas que travamos lado a lado, dos sacrifícios e das dificuldades pelas quais passamos, e também das conquistas que alcançamos juntos.
 
Aprendi com ele. E agradeço a oportunidade de tê-lo conhecido e de ter convivido tantos anos com um ser humano tão generoso, afetuoso e correto.
 
O mundo nos impôs desafios que tivemos de vencer. Enfrentamos percalços que poderiam ter nos destruído. Mas vencemos muitas dessas dificuldades, uma a uma.
 
Em qualquer circunstância, sempre pude contar com ele, com sua inteligência, com sua capacidade e com sua força.
 
Vai fazer falta aos nossos netos, fará falta à nossa filha, fará falta a todos que o amam e que o amaram, e fará muita falta a mim.
 
E é para honrá-lo e prestar-lhe tributo que continuarei lutando por um mundo melhor, por um Brasil mais justo e pela emancipação do povo do meu país. Exaltarei sempre a sua coragem, enaltecerei sempre a sua bravura e a grandeza com que lutou sempre por seus ideais. Não cedeu, não se deixou vergar.
 
Partiu, ontem, como viveu toda uma vida: digno, altivo, sereno, amoroso, amigo e parceiro.
 
Carlos Araújo viveu visceralmente e brilhou intensamente.
 
Agradeço por sua existência e por ter feito parte da minha vida. Carlos encantou a todos os que tiveram o privilégio de conhecê-lo".
 
DILMA ROUSSEFF

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