Como se colocou
Donald Trump no poder
Não
culpem os eleitores, nem pensem que se trata de uma guinada definitiva à
direita. Voto expressa inconformismo contra as desigualdades e um Partido
Democrata entregue ao neoliberalismo.
Naomi Klein
Donald Trump, presidente dos Estados
Unidos Eles irão culpar, pelo derrota de Hillary Clinton, o FBI e seu chefe,
James Comey [que reabriu o caso sobre os emails possivelmente criminosos da
candidata]. Vão culpar a supressão de eleitores e o racismo. Vão por a culpa na
atitude Bernie or bust (ou Bernie Sanders ou nada) e na misoginia. Vão apontar
para candidatos independentes e terceiros: a mídia corporativa, por dar a Trump
uma tribuna; a mídia social por ser um megafone; e o WikiLeaks por expor a
roupa suja em público.
Mas estas avaliações deixam de fora o
maior responsável por criar o pesadelo em que agora nos encontramos: o neoliberalismo. Essa visão de mundo –
totalmente incorporada por Hillary Clinton e sua máquina – não é páreo para o
estilo extremista de Trump. O fato de a disputa ter colocado um contra o outro
é o que selou nossa sorte. Se não aprendermos mais nada, podemos, por favor,
aprender com esse erro?
Eis o que precisamos entender: um enorme
contingente de pessoas está sofrendo, nos Estados Unidos. Sob políticas
neoliberais de desregulação, privatização, austeridade e comércio corporativo,
seu padrão de vida despencou. Perderam seus empregos. Perderam suas
aposentadorias. Perderam muito da rede de segurança que costumava tornar essas
perdas menos apavorantes. Veem para seus filhos um futuro ainda pior do que o
seu precário presente.
Ao mesmo tempo, testemunharam a ascensão
da classe de Davos — uma rede hiperconectada de bilionários do setor
financeiro, que elegeu líderes espantosamente próximos de seus interesses, e
celebridades de Hollywood que fazem tudo parecer insuportavelmente glamoroso. O
sucesso é uma festa à qual eles não foram convidados, e eles sabem que essa
riqueza e esse poder crescentes estão, de alguma forma, diretamente ligados às
suas dívidas e impotência progressivas.
Para as pessoas que viam segurança e
status como direitos de nascença – e isso significa homens brancos,
principalmente – essas perdas são insuportáveis. Donald Trump fala diretamente
para essa dor. A campanha do Brexit falou para essa dor. Também o fazem os
partidos de extrema direita que crescem na Europa. Eles respondem a isso com um
nacionalismo nostálgico e raiva das remotas burocracias econômicas – seja
Washington, o Acordo Norte-americano de Livre Comércio (NAFTA), a Organização
Mundial de Comércio ou a União Europeia. E claro, respondem a isso batendo nos
imigrantes, latinos e negros, vilipendiando muçulmanos e degradando as
mulheres. O neoliberalismo de elite não tem nada a oferecer para essa dor,
porque o neoliberalismo lançou a classe de Davos. Pessoas como Hillary e Bill
Clinton são o brinde da festa de Davos. Eles são, na verdade, a própria festa.
A mensagem de Trump era: “Está tudo um
inferno.” Hillary Clinton respondeu: “Está tudo bem.” Mas nada está bem – longe
disso.
As respostas neofascistas à insegurança
e à desigualdade generalizadas não vão desaparecer. Mas o que sabemos dos anos
1930 é que, para lutar contra o fascismo, é preciso uma esquerda de verdade.
Uma boa parte do apoio a Trump poderia ser afastada se houvesse sobre a mesa
uma agenda redistributiva genuína. Uma agenda para tributar a classe bilionária
com mais do que retórica, e usar o dinheiro para um New Deal verde. Esse plano
poderia criar uma onda enorme de empregos sindicalizados bem pagos, trazer
recursos e oportunidades extremamente necessários para as comunidades negras e
insistir em que poluidores deveriam pagar pelas ações de formação necessárias
para que os trabalhadores sejam inteiramente incluídos nesse futuro.
Tal plano poderia desenhar políticas que
lutassem ao mesmo tempo contra o racismo institucionalizado, a desigualdade
econômica e as mudanças climáticas. Ele poderia enfrentar maus acordos de
comércio e violência policial, e honrar o povo indígena como os protetores originais
da terra, da água e do ar.
As pessoas têm direito de estar com
raiva, e uma agenda de esquerda poderosa e multitemática pode dirigir essa
raiva para onde ela deve ser dirigida, enquanto luta por soluções globais que
unirão uma sociedade desgastada.
Essa articulação é possível. No Canadá,
começamos a pavimentar essa união sob a bandeira de uma agenda popular
denominada “The Leap Manifesto” (O Manifesto do Salto), endossado por mais de
220 organizações, do Greenpeace, do Canadá, ao “Black Lives Matter”, de Toronto,
e alguns dos nossos maiores sindicatos.
A surpreendente campanha de Bernie
Sanders percorreu um longo caminho na direção de construir esse tipo de
coalizão, e demonstrou que há espaço, nos EUA, para o socialismo democrático.
Mas Sanders não foi capaz de se comunicar com os eleitores negros mais velhos e
latinos que são, demograficamente, os que sofrem mais abuso do modelo econômico
atual. Esse fracasso impediu a campanha de atingir seu potencial. Aqueles erros
podem ser corrigidos e uma coalizão forte e transformadora pode ser construída.
Essa é a tarefa que temos pela frente. O
Partido Democrata precisa ser, ou decididamente arrancado dos neoliberais
pró-corporações, ou abandonado. De Elizabeth Warren a Nina Turner aos membros
do Occupy que tocaram a campanha inovadora de Bernie, há hoje — mais do que em
qualquer outro momento — um campo de líderes progressistas inspiradores para
uma coalizão mais forte. Estamos cheios de líderes, como dizem muitos do “Movimento
pelas Vidas Negras”.
Então, vamos sair do estado de choque o
mais rápido possível e construir o tipo de movimento radical que tem uma
resposta genuína ao ódio e medo representados pelos Trumps neste mundo. Vamos
deixar de lado tudo o que está nos mantendo separados e começar já.
Naomi
Klein é jornalista, escritora e
ativista canadense.
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