quarta-feira, 23 de novembro de 2016

UM JUIZ QUE ATUA FORA DA LEI

UM JUIZ QUE ATUA FORA DA LEI

Antônio Alberto Machado*


Hoje, qualquer opinião que se emita sobre a operação Lava-Jato – seja a favor ou contra, seja de crítica ou de apoio -, será sempre entendida e julgada pelo viés ideológico. Não adianta negar, o país ficou dividido entre os que aprovam e os que reprovam essa operação, na mesma medida em que se dividiu entre os que apoiavam e os que reprovavam o governo petista. Mas, sejam quais forem as ideologias e as preferências políticas de cada, algumas coisas na operação Lava-Jato são muito polêmicas, tanto do ponto de vista político quanto jurídico – e algumas constituem verdadeiros absurdos.

Se não, vejamos:

·         É polêmico – e, para mim, um verdadeiro absurdo – que as delações premiadas no âmbito da Lava-Jato sejam obtidas mediante prisão ou ameaça de prisão. A essência desse instituto, e o que o faz tolerável, é a espontaneidade do delator. Quando a delação é obtida mediante tortura física e psicológica – e decerto que a prisão e a ameaça de prisão constituem suplício físico e psicológico – ela deixa de ser espontânea e se transforma numa prova ilícita – expressamente vedada pela Constituição Federal.

·         É polêmico – e outro absurdo – que os advogados dos réus na Lava-Jato só tenham acesso ao conteúdo das delações feitas contra seus clientes na véspera das audiências, dificultando-lhes a articulação e o exercício do direito de defesa, isso quando a Lei Maior assegura exatamente o contrário, isto é, assegura a todos os réus o direito ao contraditório e à ampla defesa – tal como impõe o “devido processo legal” consagrado na Constituição Federal.

·         É polêmico – e autêntico absurdo – que o juiz da Lava-Jato tenha mandado conduzir coercitivamente um ex-presidente da República até uma repartição policial sem intimá-lo previamente para comparecer perante a autoridade de polícia. Essa condução constrangedora só tem lugar quando o conduzido teima em não atender à intimação da autoridade – do contrário, é uma medida que ofende abertamente o direito de ir e vir consagrado na Constituição Federal.

·         É polêmico – e mais um absurdo – que esse mesmo juiz tenha determinado a interceptação ilegal de uma conversa telefônica entre uma presidenta e um ex-presidente da República, e, depois, tenha revelado através da mídia o conteúdo dessa conversa, com o claro propósito de influenciar no delicado jogo político por que passava o país às vésperas de um processo de impeachment, Essa divulgação é crime e ofende o sigilo das comunicações telefônicas consagrado na Constituição Federal.

·         É polêmico – e um rematado absurdo – que o juiz da Lava-Jato tenha mandado “grampear” o telefone dos advogados de réus, e do defensor de um ex-presidente da República, malferindo assim a inviolabilidade dos escritórios de advocacia, o direito de defesa, o direito de ampla defesa, o direito ao livre exercício da profissão de advogado e o princípio da lealdade processual – tudo isso configura afronta à lei e aos ditames da Constituição Federal.

·         É polêmico – e outro absurdo – que esse juiz tenha cometido essas arbitrariedades todas, tenha reconhecido publicamente que as cometeu, e, em seguida tenha sido “perdoado” pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo depois de o ministro relator do processo da Lava-Jato no STF ter afirmado, nos autos e por escrito, que a atitude do juiz “comprometia um direito fundamental” de dois ex-presidentes da República, aliás, um direito fundamental consagrado na Constituição Federal.

·         É polêmico – e um flagrante absurdo – que o juiz da Lava-Jato tenha mandado prender um ex-ministro de Estado do governo petista, e, menos de cinco horas depois, porque descobriu que a mulher do ex-ministro estava sendo internada com câncer, tenha revogado essa prisão por considerá-la desnecessária, Isso viola o direito constitucional de liberdade, a dignidade humana, e a presunção de inocência consagrados na Constituição Federal.

·         É polêmico – e absurdo também – que o juiz da Lava-Jato tenha feito aliança com a mídia empresarial para exercer melhor suas funções de magistrado, e, por força dessa aliança fizesse “vazar” informações ao mais poderoso grupo de mídia do país, com o insofismável propósito de predispor a opinião pública contra os réus que ele, juiz, mandava prender. Isso viola o sigilo das delações, o direito à privacidade e o princípio da presunção de inocência inscritos na Constituição Federal.

·         É polêmico – e outro injustificável absurdo – que um juiz de direito, no exercício de suas funções públicas, faça alianças com a mídia privada. E, além disso, aceite premiação concedida publicamente por essa mídia, mesmo sabendo que ela é adversária dos réus da Lava-Jato, que ela não cansa de manipular informações, e que, no passado, até já apoiou a ditadura militar. Isso fere mortalmente o princípio republicano e a independência do Judiciário consagrada na Constituição Federal.

Porém, o mais polêmico e absurdo é ver agora o Tribunal Regional Federal da 4ª Região render-se ao óbvio e reconhecer que as práticas do juiz da Lava-Jato são realmente ilegais, pois “escapam ao regramento” do Direito. Mas, segundo esse mesmo tribunal, apesar de ilegais, trata-se de “soluções inéditas” que devem ser toleradas porque o processo da Lava-Jato é também um “processo inédito”. Em suma, o tribunal afirma, por escrito, que o Direito aplica-se aos “casos comuns” em geral; mas, à Lava-Jato aplicam-se, não a Constituição e o Direito, e sim as “soluções inéditas”, ou seja, as soluções buscadas fora do Direito, ou fora do “regramento comum”. Com essa retórica canhestra, esse tribunal federal acaba de proclamar que a lei e a Constituição não valem para o processo da Lava-Jato, ou, noutros termos, admite expressamente que esse processo tramita mesmo perante uma lei e um  juízo de exceção.

Nem no tempo da ditadura militar isso ocorreu. É certo que os militares nos outorgaram uma Constituição autoritária (1967-69); é certo também que eles editaram um ato de exceção (AI-5); mas, mesmo a Constituição autoritária dos ditadores, e mesmo o Ato Institucional nº 5, valiam para todos: igualmente, isonomicamente, o que não ocorre agora, porque, segundo esse Tribunal Federal do Sul, nem a lei nem a Constituição valem para os réus da Lava-Jato.

Isso já não é apenas polêmico, nem somente um absurdo, isso já passa a ser simplesmente assustador.

* Promotor de Justiça



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